Por Bernardo Caram
BRASÍLIA (Reuters) - O processo de controle inflacionário no Brasil ainda é bem incipiente e o Banco Central discutirá um possível ajuste residual na taxa básica de juros em sua próxima reunião de política monetária este mês, disse nesta terça-feira o diretor de Política Monetária do Banco Central, Bruno Serra.
Em videoconferência promovida pelo Bradesco (BVMF:BBDC4) Asset Management, Serra afirmou que “fomos tão surpreendidos” durante o atual ciclo de aperto monetário que é necessário ter cautela na decisão de encerrar o processo de alta nos juros, enfatizando não saber se já é possível dizer que o panorama inflacionário está se revertendo globalmente e no Brasil.
"A gente viu um mês mais baixo de inflação com medidas do governo que ajudaram a cair preços de combustível e itens essenciais em geral, tem sinais de descompressão lá fora na inflação de bens que ainda não se mostraram em todos os lugares nos índices de inflação. Eu diria que o processo ainda está bem incipiente, a gente acabou de subir juro na última reunião e temos discussão na próxima reunião sobre, eventualmente, algum ajuste residual", disse.
Serra explicou que o BC já havia embutido em seus modelos, na reunião de agosto, uma previsão de que a inflação corrente cairia com mais força do que o esperado pelo mercado, o que, na prática, implicaria um cenário mais restritivo, afirmou, em referência ao juro real mais alto.
Em sua última reunião, o Comitê de Política Monetária elevou a taxa de juros em 0,5 ponto, a 13,75% ao ano, e disse que avaliaria a necessidade de um ajuste residual em sua próxima reunião --em 20 e 21 de setembro--, mas o mercado vinha avaliando que o ciclo de aperto já estava encerrado.
Na noite de segunda-feira, o presidente do BC Roberto Campos Neto já havia adotado um tom mais duro ao afirmar explicitamente que o BC não está pensando em queda de juros, e sim em fazer a inflação convergir às metas.
Ao afirmar que o mercado tenta antecipar discussões sobre eventual início de recuo na taxa Selic, Serra afirmou que parece inconsistente discutir queda de juros enquanto as projeções de inflação se encontram acima da meta para 2024, atual foco do horizonte relevante de política monetária.
"A expectativa para 2024, em particular, me incomoda, a gente está desancorado do centro da meta", disse. "O BC tem que manter uma postura bastante cautelosa alguns trimestres pela frente, permanecer vigilante", disse.
Em 2024, a meta central estabelecida para o IPCA é de 3,0%. O último boletim Focus, com projeções de analistas, aponta para uma alta de 3,43% no período, acima dos 3,30% previstos há um mês.
De acordo com Serra, o país ainda estava sob uma política monetária de estímulo à atividade até o segundo trimestre deste ano, quando o PIB cresceu 1,2% em relação aos três meses anteriores. Para ele, o processo começará a “apertar rápido” a partir do terceiro trimestre.
Na apresentação, o diretor do BC afirmou que, na ausência de um choque positivo sobre a inflação, "a gente precisa de alguma desaceleração da atividade econômica" para trazer a inflação de volta à meta.
OCIOSIDADE
Serra disse que os dados recentes de mercado de trabalho têm surpreendido para cima, ponderando que questiona "um pouco" a velocidade da queda do desemprego no país por conta de dificuldades para a realização de pesquisas pelo IBGE durante a pandemia.
"Não parece que aquela trajetória da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) reflete a realidade. Ou seja, não subiu tanto a taxa de desemprego e, portanto, não caiu tão rápido, talvez o processo seja um pouco mais contínuo", afirmou.
Apesar do questionamento, Serra disse que o BC está debatendo o grau de ociosidade da economia --medida que pode pressionar a inflação quando está em processo de redução. Segundo ele, o mercado de trabalho sugere não estar tão apertado quanto estava antes de 2015, "mas já está em nível que requer atenção".
"Se a gente descobrir que a ociosidade é menor do que a gente imaginava, o processo de desinflação, em particular no horizonte mais longo, em 2024, vai ser um pouco mais difícil", disse.
PREOCUPAÇÕES GLOBAIS
Serra afirmou que o ajuste no exterior, com economias avançadas iniciando ciclo de alta nos juros, vai gerar "sustos ao longo do processo", o que demanda que o BC fique de "guarda alta" diante do cenário desafiador.
Para ele, o processo de desaceleração da atividade nos Estados Unidos terá que ser rápido para abrir margem no mercado de trabalho --hoje apertado-- e evitar uma alta no valor dos salários, o que pressionaria a inflação.
Na avaliação do diretor, a virada de ciclo global para um cenário de desaceleração da atividade vai impactar e atrapalhar o Brasil.
Serra ponderou que as projeções para o PIB brasileiro no início do ano --com expectativa de crescimento próximo de zero em 2022-- eram pessimistas e cautelosas demais. Agora, o mercado espera uma alta acima de 2% no ano.
O diretor ressaltou que um risco que poderia gerar "problema por meia década" é o de economias avançadas "tirarem o pé" do processo de ajuste nos juros mais cedo que o necessário, o que poderia gerar uma resultante grave. Para ele, porém, a chance de concretização desse cenário é pequena, diante de discursos mais duros, especialmente do Banco Central dos Estados Unidos.
Outro risco apontado pelo diretor seria de um crescimento menor do que o esperado na China, o que afetaria o Brasil. Ele também citou problema grave de energia na Europa e risco de recessão no continente.