Por Ahmed Elumami e Abdelhadi Ramadi e Maya Gebeily
DERNA/BENGHAZI (Reuters) - O pequeno apartamento do primeiro andar em Derna tornou-se o lar longe de casa para o imigrante sírio Ammar Kanaan, depois que o risco de afogamento o impediu de tentar a perigosa travessia do Mediterrâneo para a Europa, que já custou a vida de tantas pessoas.
Após fugir da Síria há dois anos para evitar o serviço militar, Kanaan encontrou um emprego estável em uma confeitaria na cidade líbia e morava com dois colegas de quarto sudaneses a poucos metros do leito do rio de Derna.
Mas, neste mês, o jovem de 19 anos se afogou com milhares de outras pessoas quando uma enchente repentina destruiu grande parte da cidade.
Agora, o terreno onde ficava seu prédio é um pedaço de terra marrom-avermelhada.
"Ele não foi para o mar. O mar veio até ele", disse o tio de Kanaan, Osama, de apenas 24 anos, que se mudou da Síria para a cidade líbia de Benghazi este ano. "Ele morreu, esmagado e afogado."
Mais de uma década depois que o ditador Muammar Gaddafi foi deposto em uma revolta apoiada pela Otan, a Líbia se tornou um importante ponto de partida para os imigrantes que tentam atravessar para a Europa.
Mas muitos também ficam para trabalhar na economia líbia financiada pelo petróleo.
A Organização Internacional para as Migrações disse que Derna abrigava mais de 8 mil imigrantes, a maioria de Chade, Egito e Sudão, quando as enchentes ocorreram.
Estima-se que 400 imigrantes tenham morrido quando, na noite de 10 de setembro, as fortes chuvas da tempestade Daniel romperam duas barragens destinadas a manter Derna segura.
"NÃO VENHA"
Kanaan deixou a Síria aos 17 anos, determinado a evitar o serviço militar obrigatório em um país devastado por 12 anos de guerra. Como a economia da Síria continuou em queda, ele esperava que um emprego no exterior pudesse ajudá-lo a enviar dinheiro para seus pais na província de Daraa, no sul do país.
Chegar à Europa era uma façanha quase impossível e a Turquia era muito cara e difícil de navegar, então ele optou pela Líbia. De lá, ele foi seduzido a embarcar em um pequeno bote para a Europa, "mas seus pais disseram não porque achavam que ele iria se afogar", contou Osama.
Aos 19 anos, Kanaan estava trabalhando em uma confeitaria, ganhando 500 dólares por mês e enviando à família fotos dos bolos que fazia.
Quando as chuvas chegaram em 10 de setembro, ele enviou uma mensagem de texto para Osama: "Deus nos ajude, essa é a melhor coisa". As mensagens seguintes, apenas alguns instantes depois, não foram lidas. Pela manhã, as mensagens de WhatsApp de Osama nem sequer chegavam ao telefone de Kanaan.
Em poucas horas, as páginas do Facebook (NASDAQ:META) que os sírios na Líbia usavam para encontrar empregos se transformaram em grupos de busca online por desaparecidos. Fotos de homens, mulheres e até mesmo de bebês que ainda não haviam sido encontrados foram legendadas com pedidos de ajuda e números de telefone.
Mas, em poucos dias, as mensagens habituais começaram a aparecer novamente: um homem sírio perguntando sobre salário de um barbeiro nas cidades líbias, uma mulher pedindo referências de moradia. Alguns comentam com dicas. Outros simplesmente escrevem: "não venha".
(Reportagem de Maya Gebeily em Beirute, Abdelhadi Ramahi em Benghazi e Ahmed Elumami em Derna)