Por Marta Nogueira
RIO DE JANEIRO (Reuters) - A indústria brasileira de petróleo poderá ter oportunidades de expandir suas exportações para a China, caso o presidente eleito Donald Trump retome em seu novo governo uma guerra comercial travada com o país asiático em seu primeiro mandato, na avaliação de especialistas.
O presidente eleito prometeu impor uma tarifa de 60% sobre produtos chineses, em medida que poderá também provocar retaliações chinesas e reflexos nas compras de petróleo, gás e petroquímicos pela China.
"Um provável novo capítulo da guerra comercial poderia levar a mudanças da balança comercial de petróleo brasileira, aumentando os fluxos de exportação para a China, principalmente", disse a analista de Inteligência de Mercado da consultoria StoneX, Isabela Garcia, em um relatório.
O Brasil é atualmente o sétimo maior fornecedor de petróleo para China, com uma média de 720 mil barris por dia (bpd) no acumulado do ano até setembro, ou 6,5% de participação no mercado chinês, segundo dados oficiais chineses citados pela analista da StoneX.
"Nos últimos anos, o país vem aumentando o volume exportado para a China, reflexo tanto do crescimento do consumo chinês quanto do aumento da produção doméstica do óleo", afirmou Garcia.
Já os Estados Unidos são o décimo maior ofertante de petróleo para a China, com média de 200 mil bpd no acumulado do ano até setembro, adicionou.
A especialista ponderou, no entanto, que países mais próximos da China como Rússia, Iraque, Arábia Saudita e Irã, poderiam tomar um eventual espaço na pauta de importações da China com mais facilidade que o Brasil.
O presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), Roberto Ardenghy, destacou que o protecionismo pode provocar desvios nos fluxos de comércio e pontuou que uma eventual guerra comercial China-EUA pode abrir uma janela de oportunidade para o Brasil ampliar seu comércio com a China.
Apesar de ser ainda cedo para cravar a direção que Trump tomará quando tomar posse, os analistas são unânimes em ressaltar tendências de maior protecionismo americano, incentivos para o petróleo e menores preocupações com toda a agenda climática, com eventuais reflexos positivos e negativos no Brasil.
CENÁRIO DO PETRÓLEO
O forte apoio de Trump à agenda do petróleo, com uma bandeira em prol da soberania energética dos EUA, segundo análises, também poderá fortalecer a atual narrativa da indústria brasileira, que batalha para convencer a sociedade que é preciso avançar na exploração de novas fronteiras petrolíferas no Brasil.
Para o presidente do IBP, que representa as petroleiras no Brasil, a vitória de Trump ressalta a necessidade do Brasil de buscar manter sua autossuficiência em petróleo, como os EUA historicamente o fizeram.
O Brasil, que também é uma potência em energias renováveis, caminha para atingir o topo de sua produção de petróleo no início da década de 2030, caso novas descobertas importantes não aconteçam. Ardenghy ressaltou ainda que a produção do país tem uma menor pegada de carbono quando comparada com outros grandes produtores.
Nessa linha, o presidente da Associação Brasileira dos Refinadores Privados (Refina Brasil), Evaristo Pinheiro, acredita que o perfil pró-petróleo de Trump poderá impulsionar inclusive a vinda de petroleiras norte-americanas ao Brasil, onde elas não têm atualmente reservas relevantes.
"A maioria conquistada na Câmara e no Senado pelo Partido Republicano tende a impulsionar as empresas americanas de óleo e gás também para o exterior", disse Pinheiro.
"Pode ter um interesse de empresas norte-americanas de investir aqui na exploração de novas fronteiras inclusive (viabilizando) novas capacidades de refino, dado que o Brasil é um grande mercado e demonstra déficit na sua produção de derivados."
Por outro lado, o professor Edmar de Almeida, do Instituto de Energia da PUC-Rio, pontuou que a prometida política de expansão da produção de petróleo de Trump poderia contribuir com um efeito de redução dos preços globais do petróleo, diante de uma maior oferta internacional.
Além disso, Almeida afirmou que a promessa do presidente eleito de reduzir o custo de vida da população norte-americana e combater a dívida pública também poderá trazer efeitos baixistas para o petróleo.
"O preço do galão na bomba é uma referência muito importante para o custo de vida do americano", disse Almeida, que também é presidente da Associação Internacional de Economia da Energia (IAEE).
RENOVÁVEIS, COMO FICAM?
Já do lado das energias renováveis, há dúvidas entre especialistas se Trump deverá manter os enormes subsídios em curso, já que o político apresenta menores preocupações com a agenda climática. Em um cenário em que decida reduzi-los, Almeida acredita que a indústria brasileira, que hoje não consegue competir com os incentivos dos EUA, poderia tornar-se mais atrativa.
Entretanto, o presidente da consultoria PSR, Luiz Barroso, ressaltou que medidas protecionistas de Trump poderiam ter também um efeito de atrair para o mercado norte-americano investimentos que eventualmente poderiam ser feitos no Brasil, inclusive com menores oportunidades para a exportação de produtos verdes para os EUA.
"A agenda econômica do Trump pode levar mais investimentos para os Estados Unidos, incluindo muitos que poderiam vir ao Brasil se beneficiando da agenda verde e que pode perder relevância agora justamente pelo menor valor agregado que os produtos do país podem entregar dentro desta agenda mais protecionista", afirmou Barroso.
O presidente da PSR ressaltou ainda que, de uma forma mais ampla, a parceria Brasil-EUA vai depender muito de como fica a relação Lula–Trump no campo político.
Nesse caso, o presidente da Associação Brasileira das Empresas de Bens e Serviços de Petróleo (ABESPetro), Telmo Ghiorzi, ressaltou acreditar que haverá uma relação pragmática e citou que o assessor especial da Presidência, embaixador Celso Amorim, disse na véspera ser "perfeitamente possível" que o Brasil tenha uma relação normal e civilizada com os Estados Unidos sob a liderança do republicano Donald Trump.
(Por Marta Nogueira)