Investing.com - Já se passaram 15 anos desde que os maiores bancos centrais do mundo lançaram mão de um instrumento inovador para enfrentar a crise financeira: o “quantitative easing” (QE), ou “flexibilização quantitativa”, em tradução livre. Essa estratégia de expansão monetária foi a principal resposta a um cenário crítico que, ironicamente, foi ocasionado pelos próprios banqueiros centrais.
Naquele período, as autoridades monetárias do G10 detinham títulos governamentais que somavam 5 trilhões de dólares. As operações de QE se mantiveram ativas incessantemente, culminando na injeção de aproximadamente 25 trilhões de dólares na economia até o final de 2021, o que elevou o montante em balanço para 30 trilhões de dólares.
Quem não se recorda da ampla repercussão em torno do pacote de auxílio de 278 bilhões de euros destinado à Grécia? A magnitude de tal cifra gerou intensos debates. Contudo, a necessidade de socorrer o sistema financeiro ocidental com 25 trilhões de dólares foi sutilmente menos evidente.
Os investidores de ações se beneficiaram, mesmo muitos sem entender a razão por trás da valorização dos mercados. A maior parcela dos investidores, até os dias atuais, não reconhece que as valorizações não se ancoram necessariamente em lucros corporativos efetivos, mas, nesse caso, no excesso de liquidez buscando rentabilidade.
Surpreendentemente, havia pouco questionamento sobre isso, já que os efeitos colaterais pareciam inexistentes.
Até analistas renomados erraram ao supor que isso não desencadearia inflação, considerando que o índice de preços ao consumidor mantinha-se consistentemente abaixo da meta de 2%. Em julho de 2020, especialistas da CNBC inferiram que a expansão monetária por parte dos bancos centrais era inócua, conforme pontuou Michael Maharrey em sua análise recente.
Em uma matéria da mesma rede de notícias, um economista foi citado corroborando essa perspectiva amplamente aceita e transmitindo otimismo quanto ao cenário futuro. Ele declarou:
"A probabilidade de vermos um surto inflacionário da ordem de 4 ou 5% é puramente ilusória."
Não é difícil perceber que essa previsão falhou, e muito. A inflação nos EUA chegou a alcançar o pico de 9,1% dois anos depois.
Maharrey sublinha que a compreensão atual sobre inflação é superficial. Antigamente, inflação era sinônimo de expansão da oferta monetária, resultando em aumento dos preços. Ludwig von Mises elucidou assim:
"O termo 'inflação', atualmente, refere-se ao sintoma decorrente da escalada generalizada de preços e salários. Essa confusão semântica é lamentável, pois perdemos um termo específico para o fenômeno. Não conseguimos debater e combater algo sem nomeação adequada. Aqueles que se propõem a lutar contra a inflação, na realidade, combatem apenas seu efeito inevitável: o aumento dos preços. Sua luta é em vão, pois não abordam a origem do problema. Tentam manter os preços estáveis, mesmo com uma política que expande a oferta monetária, culminando no aumento dos preços. A menos que essa confusão terminológica seja corrigida, a inflação persistirá."
Na matéria da CNBC, defendia-se que a emissão de dinheiro não impactava os preços ao consumidor, o que Maharrey contradiz.
A inflação monetária e a inflação dos preços ao consumidor desvincularam-se após 2008, pois a liquidez não se integrava diretamente à economia real, mas sim aos mercados financeiros, impulsionando os ativos. Entretanto, essa dinâmica alterou-se com os pacotes de estímulo decorrentes da pandemia. A liquidez encontrou caminhos para a economia, e a temida inflação manifestou-se. Embora os bancos centrais afirmem estar atentos à inflação, focam apenas nos preços, ignorando sua causa primária.
Ben Bernanke, então presidente do Fed, assegurou em 2008 que as medidas de liquidez seriam revertidas pós-crise. Contudo, o Fed persiste detendo esses títulos.
O BCE, que adquiriu títulos desde 2015 visando estimular a inflação e a economia, encontra-se na mesma situação. Se realmente estivessem comprometidos em conter a inflação, deveriam desfazer-se desses títulos e drenar a liquidez excedente.
Porém, essa ação é inviável, pois comprometeria a solvência do sistema euro. No balanço do BCE, os títulos são contabilizados pelo valor nominal. Seu valor de mercado é significativamente inferior, e sua venda poderia comprometer o BCE e, consequentemente, a moeda euro.
É curioso observar que a confiança mundial repousa nos mesmos especialistas que, em 2020, sustentavam que a emissão de dinheiro não provocaria efeitos inflacionários, conforme Maharrey destaca.