Por Marcela Ayres
BRASÍLIA (Reuters) - O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, reafirmou a postura mais dura do BC em relação ao aumento de preços na economia ao pontuar nesta quinta-feira que a autoridade monetária fará o que for preciso para ancorar as expectativas de inflação, já que essa é sua missão fundamental.
"Não existe dúvida em relação a isso: vamos usar todo instrumento que existir na medida que for preciso para que as inflações fiquem ancoradas no médio e longo prazos", disse ele ao participar de evento online promovido pela Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes).
Campos Neto ressaltou que a ancoragem é fundamental em momentos como o atual, de choques sucessivos nos preços e em que a modelagem de inércia da inflação fica mais difícil, com disparidade de previsões.
O presidente do BC reconheceu ainda que houve movimento de dispersão de inflação mais ampla, com revisão das expectativas de inflação no curto prazo começando a contaminar inflações mais longas, mas frisou que o BC passou mensagem mais dura sobre sua atuação.
"A gente entende que quando o Banco Central passou uma mensagem mais dura e mais definitiva em relação a isso (atuação para ancoragem), as inflações implícitas de mais longo prazo começaram a cair", disse ele.
Diante das pressões inflacionárias, o BC aumentou na semana passada a dose de aperto monetário a 1 ponto percentual, levando a Selic a 5,25% ao ano, e também indicou que deve adotar outra elevação de igual magnitude na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em setembro.
Desde o comunicado, o BC tem reiterado que vê a necessidade de uma Selic acima do patamar neutro --indicado pela própria autoridade em cerca de 6,5%-- para que a inflação seja domada. No mercado, agentes já passaram a ver a Selic fechando o ano em 7,25%, conforme boletim Focus mais recente.
Campos Neto destacou nesta quinta-feira que a inflação implícita de curto prazo não está mais no horizonte de política monetária do BC, em referência ao ano de 2021, para o qual os ajustes feitos na taxa básica já não surtem efeito.
A inflação medida pelo IPCA subiu 0,96% em julho, chegando a 8,99% em 12 meses, indo muito além do teto da meta oficial para este ano --inflação de 3,75%, com margem de 1,5 ponto percentual para mais ou menos.
Enquanto o BC vê alta de inflação de 3,5% no ano que vem, exatamente no centro da meta para 2022, o mercado, segundo o mais recente boletim Focus, já enxerga uma alta de 3,84%.
Campos Neto assumiu surpresas negativas na inflação recentemente, citando fatores como a crise hídrica --com expectativa de mais uma alta da bandeira tarifária-- e a ocorrência de geadas levando a quebra de safras.
Olhando para segmentos, ele indicou a alta de preços em serviços "na ponta" e com alguns indicadores mostrando que o aumento no preço de bens começa a se estabilizar.
"O Banco Central tem reconhecido esse aumento de inflação, tem reconhecido o aumento de inflação na parte de serviços, nós mencionamos isso inclusive antes de o número sair, que essa era uma preocupação, a gente tem acompanhado", disse.
Em relação à alta nas projeções do mercado para as inflações mais longas, ele pontuou que grande parte do movimento está ligado à percepção de piora da gestão das contas públicas no Brasil.
"Por isso é tão importante passar essa mensagem de credibilidade fiscal para os agentes econômicos", afirmou.
Nos últimos dias, temores sobre dribles à regra do teto de gastos em meio à intenção do governo de gastar mais em 2022 mexeram com os preços do mercado. O Executivo encaminhou nesta semana uma proposta que altera a Constituição para que possa parcelar a conta de precatórios no ano que vem, ganhando assim espaço para realizar outros gastos.