Por Bernardo Caram e Marcela Ayres
BRASÍLIA (Reuters) - Em meio a um cenário de juros elevados e migração de emissões de títulos privados para empréstimos bancários, o governo monitora o mercado de crédito para identificar eventuais pontos de “seca” nos financiamentos, disse à Reuters o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, embora avalie que não há risco sistêmico no Brasil.
“Diferente de outros países, mesmo desenvolvidos, não há aqui qualquer tipo de visão ou preocupação de que possa haver algum risco sistêmico para o nosso sistema bancário”, afirmou o secretário em entrevista na noite de quinta-feira.
A avaliação vem em meio a críticas sistemáticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o nível da taxa básica de juros --inalterada desde setembro no nível mais alto em seis anos, em 13,75%-- e seu impacto sobre a economia e o crédito, que ele já disse estar em vias de sofrer uma crise.
O governo também redobrou sua atenção sobre o setor após a crise financeira da varejista Americas e, mais recentemente, problemas bancários globais. Segundo Galípolo, o monitoramento do sistema de crédito é “atividade permanente” e continua sendo realizado com lupa em conjunto com o Banco Central e as instituições financeiras.
O número dois da Fazenda, que atua no momento como ministro interino da pasta enquanto Fernando Haddad está em viagem à China, afirmou que o governo observou a abertura dos spreads nas operações de crédito no mercado de capitais, situação que restringe a colocação de novas emissões e leva as empresas a buscarem crédito bancário, diminuindo o espaço para outros públicos que estavam se financiando anteriormente junto às instituições financeiras.
“O acompanhamento hoje é muito mais se existe em algum ponto do mercado setores que estão sofrendo com a seca específica,” ele disse.
Sem mencionar nomes, o secretário apresentou como exemplo de seca uma companhia de energia que teve problemas de pagamento. A Light (BVMF:LIGT3) enfrenta dificuldades para cumprir obrigações financeiras e obteve na Justiça autorização para suspender pagamentos.
O aperto no mercado de crédito é monitorado pelo Banco Central, que expôs divergência de avaliação entre membros de sua diretoria na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em março. Enquanto parte dos componentes apontou que esse movimento vem em linha com o esperado, diante da elevação dos juros, outra parcela destacou que a restrição nas concessões no período mais recente foi mais intensa que o estimado inicialmente.
Após a reunião do Copom, o BC enfatizou em seu relatório de inflação que agora espera um aumento de 7,6% nos empréstimos bancários este ano, abaixo dos 8,3% estimados três meses antes, diante de surpresa negativa em dados do fim de 2022 e "elevação da trajetória esperada para a taxa de juros básica".
O Banco Central também tem buscado enfatizar que eventuais disfuncionalidades no mercado de crédito serão tratadas com ações macroprudenciais específicas, fazendo uma separação de instrumentos ao destacar que o manejo da taxa básica de juros é destinado ao controle da inflação.
Em paralelo ao monitoramento do sistema, a Fazenda se prepara para anunciar medidas com potencial para ampliar a eficiência do mercado de crédito, disse o secretário, citando o programa Desenrola, ainda sem previsão de lançamento, que vai renegociar dívidas das famílias, e iniciativas para aprimorar o sistema de garantias do país.