O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem feito uma escalada de críticas ao mercado livre de energia. Nos últimos meses, o presidente e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, falaram pelo menos 11 vezes publicamente em “corrigir distorções” do modelo, que beneficia empresas e impacta a conta de luz dos demais consumidores.
A 1ª declaração foi em 3 de maio por Silveira durante uma audiência pública no Senado. Na ocasião, o ministro disse “que a abertura tinha que ser mais criteriosa para ser mais justa” e que era um dos motivos do desequilíbrio do setor elétrico. Passados mais de 8 meses, nenhuma medida concreta ainda foi anunciada.
O mercado livre permite que grandes consumidores troquem a distribuidora local e negociem de quem comprar energia, podendo obter descontos de até 35% nas tarifas. O modelo existe desde 1996, mas até o ano passado era restrito a grandes indústrias que consomem mais de 500 kW. Desde 1º de janeiro deste ano também podem migrar os demais consumidores do grupo A (alta e média tensão), medida que beneficia negócios menores como supermercados, padarias e oficinas.
Para os consumidores que continuam nas distribuidoras, chamados de clientes cativos, os preços aumentam. Isso porque o mercado livre não paga por alguns subsídios e nem pelos custos de segurança do sistema (como as usinas nucleares, de Itaipu e térmicas). Quanto mais gente migra, menos pagadores desses contratos ficam.
Na maioria das vezes, quem migra para o mercado livre assina contrato com um comercializador de energia renovável, como eólica e solar –que já são mais baratas, e ainda obtém um desconto vantajoso de 50% sobre a tarifa de fio. Porém, como essas fontes são intermitentes, esse consumidor acaba usando também a energia comprada pela distribuidora, que passa no fio, mas não paga por ela.
Segundo o governo, das 90 milhões de unidades consumidoras de energia no Brasil, 3 milhões estão no mercado livre e 87 milhões são atendidas pelas distribuidoras locais. Para o 1º grupo, de grandes empresas, o custo do MW (megawatt) é de aproximadamente R$ 250. Para os demais, o custo fica na casa de R$ 650 por MW.
Silveira prometeu corrigir a “assimetria” numa reforma do setor elétrico, que ele tem chamado de uma “colcha de retalhos”. Em julho, disse que uma proposta de mudança seria encaminhada em 90 dias. Em outubro, afirmou que o projeto estava pronto. Já em dezembro disse que as mudanças viriam por MP (medida provisória).
As críticas se intensificaram quando Lula aderiu ao discurso. Durante o anúncio de um aporte para aliviar o reajuste nas contas de luz do Amapá, em 18 de dezembro, o presidente disse que os mais pobres estão pagando a conta de luz dos mais ricos. Ele afirmou que o governo trataria de resolver isso.
“É justo o rico pagar menos do que o pobre? É justo você pagar metade do que você ganha de energia elétrica em um país que produz muita energia? O governo vai ter que se debruçar no começo do ano e vamos resolver esse negócio da energia, porque o povo pobre e trabalhador não pode continuar pagando a conta dos mais ricos nesse país”, disse na ocasião.
Eis um resumo das declarações já feitas:
3.mai.2023 – Silveira: “Uma constatação que pude fazer [é] de que a abertura do mercado tinha que ser mais criteriosa para ser mais justa”.
2.jun.2023 – Silveira: “O consumidor que continua regulado pelas distribuidoras, que não teve a condição econômica de sair e gerar a sua própria energia, paga um das contas mais caras do Brasil, principalmente do Norte e Nordeste brasileiro. (…) precisamos inverter essa lógica”
27.jul.2023 – Silveira: “Nós queremos renovar o equilíbrio do setor elétrico brasileiro. Temos vários caminhos para isso. O certo é que a gente tem que proteger o consumidor regulado e que crie caminhos para que a gente separe o fio da geração. E fazer isso de forma equilibrada”.
29.ago.2023 – Silveira: “Nós estamos chegando perto do colapso do preço da energia elétrica do consumidor brasileiro regulado. O Brasil foi criando encargos para o mercado regulado e agora chegou no limite”.
18.out.2023 – Silveira: “Nós estamos estruturando, para apresentar ao presidente da República e ao Congresso Nacional, uma política que vise compatibilizar segurança energética e modicidade tarifária”.
18.dez.2023 – Silveira: “Temos 90 milhões de unidades consumidoras no Brasil, sendo que 3 milhões estão no mercado livre e 87 milhões recebem na sua casa a conta de energia e pagam a distribuidora. Esses 3 milhões pagam a energia em torno de R$ 250 por MW [megawatt], e o restante paga em média R$ 650 MW”.
18.dez.2023 – Lula: “A pergunta que eu faço é a seguinte: é justo o rico pagar menos do que o pobre? É justo você pagar metade do que você ganha de energia elétrica em um país que produz muita energia? O governo vai ter que se debruçar no começo do ano e vamos resolver esse negócio da energia”.
19.dez.2023 – Silveira: “Nós estamos tratando tanto da questão com combustíveis quanto da energia elétrica, buscando melhorar a tarifa e, com isso, minimizar os impactos na inflação, principalmente defendendo o consumidor mais pobre e a classe média, que foi vítima das distorções do setor elétrico nos últimos 6 anos”.
22.dez.2023 – Lula: “Temos a energia que é vendida no mercado livre. E a energia que é vendida no mercado livre é vendida para empresários, sobretudo grandes empresários”.
10.jan.2024 – Silveira: “É um grave problema a questão tarifária. E nós seremos extremamente rigorosos em proteger, principalmente a população, que são os consumidores cativos e a população mais pobre do país”.
16.jan.2024 – Silveira: “Ela [a abertura de mercado livre] foi feita de forma açodada e criou uma distorção no setor elétrico brasileiro”.
A reportagem do Poder360 questionou o Ministério de Minas e Energia sobre qual medida será adotada pelo governo quanto ao tema e quando isso será feito, mas não teve resposta até a publicação. O espaço segue aberto.
SUBSÍDIOS DOBRAM EM 5 ANOS
Além do mercado livre, Alexandre Silveira tem mostrado insatisfação com os crescentes subsídios embutidos na conta de luz. Alguns deles só são pagos pelos consumidores cativos. O ministro tem prometido rever o modelo que, segundo ele, “vai chegar a um ponto de se tornar insustentável”.
Em 5 anos, os subsídios pagos pelos consumidores de energia dobraram. Em 2018, o valor pago foi de R$ 18,8 bilhões. Em 2023, o montante chegou R$ 37,4 bilhões, segundo dados do painel subsiodiômetro da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).
Os 4 principais subsídios são para custear combustíveis para geração em sistemas isolados (regiões remotas onde não chegam linhas de transmissão), descontos para produção de fontes incentivas como eólica e solar, subsídios para geração distribuída e para consumidores de baixa renda terem abatimento na conta de luz. Juntos, os 4 somaram R$ 31,4 bilhões em 2023.
A CDE (Conta de Desenvolvimento Energética), é o encargo setorial que reúne a maioria desses subsídios. O orçamento total da conta foi de R$ 34,9 bilhões em 2o23. Para 2024, a proposta da Aneel é de R$ 37,1 bilhões.