A sanção do Orçamento com um corte de R$ 29 bilhões entre emendas parlamentares, gastos com custeio e investimentos deflagrou um clima de insatisfação generalizada na Esplanada dos Ministérios. Para preservar o acordo que assegurou um total de R$ 33,5 bilhões nas mãos dos congressistas, o presidente Jair Bolsonaro cortou recursos da saúde em plena pandemia, zerou verbas para o programa habitacional voltado à baixa renda, limou recursos para obras em andamento, cortou verbas do meio ambiente um dia após firmar compromisso mundial com o tema na cúpula do clima e sepultou a realização em 2021 do Censo Demográfico, a mais importante pesquisa estatística do País.
Embora o Orçamento tenha sido sancionado na quinta-feira, último dia do prazo legal, houve ministros que só ficaram sabendo o que havia sido cortado por meio da publicação dos vetos no Diário Oficial da União (DOU). Ao longo do dia, as pastas começaram a mapear as ações afetadas e perceberam que o dinheiro havia minguado bastante.
Nos bastidores, integrantes dos ministérios começaram a reclamar que gastos paroquiais de parlamentares foram privilegiados, em detrimento de investimentos estruturantes dos órgãos. Segundo apurou o Estadão, até gestores internos do Ministério da Economia "subiram nas tamancas" e reclamaram do resultado final.
Foram vetados R$ 19,8 bilhões do Orçamento, sendo R$ 11,9 bilhões em emendas parlamentares e o restante de despesas do próprio Executivo. Outros R$ 9,3 bilhões foram bloqueados. Enquanto os vetos são definitivos, o bloqueio pode ser revertido ao longo do ano, caso haja espaço no Orçamento.
Segundo apurou o Estadão/Broadcast, os cortes foram decididos em reuniões restritas entre membros da Casa Civil, da Secretaria de Governo e do Ministério da Economia, e depois validados pelo presidente da República. Nas despesas do Executivo, a opção feita foi concentrar o arrocho nos investimentos, por uma razão: estavam entre os poucos gastos que não tinham a execução autorizada durante a vigência provisória do Orçamento, isto é, antes de sua sanção. Na prática, por esse caminho o governo consegue assegurar que o veto terá o efeito integral esperado, pois o ministério não gastou um centavo daquela dotação.
Em coletiva concedida no Palácio do Planalto, o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, afastou o risco de apagão no funcionamento dos órgãos, mas especialistas alertam que o risco existe.
No dia mais quente de reclamações, a única aparição pública do ministro da Economia, Paulo Guedes, foi em uma sessão do Senado para falar sobre os 30 anos do Mercosul. Ele não comentou o Orçamento.
Arrocho
Entre as vítimas da canetada de Bolsonaro está o faixa 1 do Minha Casa Minha Vida, programa habitacional rebatizado de Casa Verde e Amarela que é hoje uma das vitrines eleitorais do presidente. Bolsonaro já viajou diversas vezes para inaugurar unidades habitacionais ao lado do ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. Na sanção do Orçamento, porém, todo o R$ 1,5 bilhão que estava reservado para dar continuidade às obras de mais de 200 mil casas foi vetado.
"Acho simplesmente uma loucura, vai paralisar obras, demitir pessoas, criar um problema seriíssimo que, para retomar, custará muito mais caro. Quem cortou não tem noção do que está fazendo", afirmou o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins. "Está claro que houve uma retaliação do Guedes ao Marinho", disse. Segundo ele, o veto coloca em risco 250 mil empregos diretos na construção civil Guedes e Marinho têm uma desavença antiga.
O ministro da Economia acusa o colega de Esplanada de ser "fura-teto", em referência ao teto de gastos (regra que limita o avanço das despesas à inflação), e já o comparou a um "batedor de carteira". Nos bastidores, fontes do Palácio do Planalto não descartaram a possibilidade de "vingança" de Guedes contra Marinho. Maior beneficiado nas emendas, o MDR também acabou sendo o maior alvo dos cortes. Foram R$ 8,646 bilhões vetados e mais R$ 827,2 milhões bloqueados.
A pasta de Marinho, porém, não foi a única vítima. No Ministério da Cidadania, verbas para pagamento de bolsas a atletas, aprimoramento do Cadastro Único de benefícios sociais e gestão da rede de assistência social foram vetados. Infraestrutura, por sua vez, acabou ficando com dotação menor do que havia sido proposto pelo próprio governo ao enviar o projeto de Orçamento, em agosto de 2020. Integrantes da pasta ouvidos reservadamente dizem que haverá dificuldade em fazer a manutenção da malha rodoviária e concluir empreendimentos.
Em plena pandemia, a Saúde perdeu R$ 2,1 bilhões com os vetos, alertou o especialista Bruno Moretti. Com isso, o Orçamento ficou em R$ 131,2 bilhões, cerca de R$ 30 bilhões abaixo do aplicado em 2020. O governo, porém, tem a alternativa de retomar gastos em créditos extraordinários (fora do teto de gastos), caso estejam relacionados ao combate à doença. No entanto, a Economia quer repassar o dinheiro extra à Saúde a conta-gotas, em parcelas menores, de acordo com a necessidade e a evolução da covid-19 no País. (Colaboraram Lorenna Rodrigues, Eduardo Rodrigues e Amanda Pupo)
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.