Investing.com – Com aumento de juros esperado na próxima decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central e início de um ciclo de cortes previsto no Federal Reserve (Fed) dos Estados Unidos, a perspectiva é de que o câmbio possa ser amenizado, mas com impacto limitado. Essa pressão, segundo Camila Abdelmalack, economista-chefe da Veedha, está relacionada à desconfiança do mercado em relação ao cenário fiscal e, se não fosse o caso, a moeda brasileira poderia ser mais beneficiada de um cenário como este.
“O que acontece é que, mesmo com essa expectativa de um corte acumulado em 2024 de um ponto percentual nas Fed Funds, ainda assim, a gente tem uma taxa de câmbio que está acomodada nesse patamar em torno dos R$ 5,60, porque tem o prêmio de risco relacionado à questão fiscal”, destacou a economista em entrevista ao Investing.com Brasil na última sexta-feira, 13.
“Talvez, se o Banco Central dos Estados Unidos for inclinado para um posicionamento um pouco mais agressivo do que o mercado está prevendo, a gente pode ver algum efeito no câmbio, mas, ainda assim, bem limitado por conta das questões fiscais por aqui”, completou.
Com a perspectiva de que o ciclo de alta nos juros deve iniciar com aumento de 0,25 ponto percentual, a especialista espera que a Selic chegue ao patamar entre 11,25% e 11,50 % ao final deste ano. “Se não houver nenhuma novidade muito negativa do lado fiscal no ano que vem, talvez se o governo fizer a lição de casa não surpreender negativamente o mercado, no contexto da economia global, talvez a gente pudesse pensar ano que vem, num ciclo de corte de juros com a Selic retomando para um patamar mais próximo de 10%, mas realmente vai depender dessa questão fiscal”.
Em relação à inflação, a economista espera IPCA em torno 4,4% nesse ano, e para o próximo ano, de 4,3%. Para o câmbio, a Veedha enxergava em torno de R$5,50 por dólar, mas com o diferencial de juros, a economista entende ser possível fechar em R$5,45.
Veja entrevista com a economista:
Investing.com – O que você espera que seja a decisão da próxima semana, e que fatores que levam a essa perspectiva?
Camila Abdelmalack – Eu acredito que o Banco Central vai acabar decidindo por uma elevação da Selic em 0,25 ponto percentual. Em algum momento a gente pensou, talvez, que esse aperto pudesse ser um pouco mais agressivo, mas, dada a comunicação do presidente Roberto Campos Neto, parece que vai ser um pouco mais gradual essa elevação, em um ritmo um pouco mais suave. A gente observa que a inflação corrente está bem comportada, apesar de o câmbio estar em um nível desconfortável, a gente não está vendo, como já observamos algum tempo atrás, nenhum raio, nenhum pico de estresse, só uma manutenção, uma resistência nesse patamar em torno do R$5,60. Então, isso acaba dando espaço para que esse breve ciclo de elevação não tenha um início tão agressivo.
Inv.com – Breve e até quando que vocês estão esperando que ele aconteça? Até o final do ano?
Abdelmalack – Talvez até o final do ano. A Selic deve chegar a um patamar ao redor de 11,25%. Então, acredito que 11,25% ou 11,50% é o patamar que seria, talvez, o suficiente para tirar um pouco de pressão do que a gente está observando nos vértices intermediários e longo da curva de juros.
Até o final do ano, a gente também vai ter um pouco mais de visibilidade de como vai estar o quadro econômico nos Estados Unidos, o desfecho da eleição presidencial também, um pouco mais de aprofundamento para prever como será a trajetória da taxa de juros nos Estados Unidos. Então, acredito que também vai ter um cenário um pouco mais bem desenhado e que vai contribuir para que não tenha que subir, além desse patamar, a taxa de juros por aqui.
Inv.com – Falando nos Estados Unidos, com essa expectativa de corte, há uma tendência de apreciação, ainda principalmente das moedas dos países emergentes, o real incluído. Pode tirar um pouco dessa pressão causada e também por um dos motivos, esse dólar mais apreciado em relação ao real atualmente?
Abdelmalack – Essa questão do câmbio, ela é bem curiosa porque, na lógica, esse corte de juros nos Estados Unidos deveria favorecer os ativos de risco e, consequentemente, também as moedas emergentes. Estamos observando, nos últimos meses, quando a gente pega o gráfico do índice do dólar, o DXY, um movimento pronunciado desde julho de desvalorização global do dólar em relação à cesta de moedas fortes.
Quando a gente olha para o movimento especificamente do real, talvez se não fosse a questão fiscal, a gente pudesse estar desfrutando de um momento melhor no câmbio. O que acontece é que, mesmo com essa expectativa de um corte acumulado em 2024 de um ponto percentual nas Fed Funds, ainda assim, a gente tem uma taxa de câmbio que está acomodada nesse patamar em torno dos R$ 5,60, porque tem o prêmio de risco relacionado à questão fiscal.
Talvez, se o Banco Central dos Estados Unidos for inclinado para um posicionamento um pouco mais agressivo do que o mercado está prevendo, a gente pode ver algum efeito no câmbio, mas, ainda assim, bem limitado por conta das questões fiscais por aqui.
Inv.com – Como você viu os últimos anúncios em relação a medidas de contenção de gastos? Ainda é insuficiente? O que se esperaria com novos anúncios e novas medidas para poder ter uma percepção melhor do mercado em relação a esses indicadores?
Inv.com – Esse é o grande ponto em relação a essa mudança de percepção de juros aqui no Brasil. Estamos falando de elevação de juros enquanto estamos observando o possível início de flexibilização lá nos Estados Unidos. Então, a questão fiscal é algo que incomoda.
Desde ali de abril, quando o mercado ficou incerto em relação às contas públicas de 2024, as discussões de desoneração se prolongaram por muito tempo, o piso da meta do arcabouço fiscal, entregando um déficit ao redor de 0,25% do PIB.
Agora, no mês de agosto, tivemos o projeto de lei orçamentária anual, com cálculos para 2025 com uma estimativa de PIB um pouco acima do que o mercado espera, então acaba subestimando as receitas, com uma inflação que é estimada abaixo do que o mercado espera para o ano que vem, ou que acaba subestimando os gastos.
Isso leva a uma combinação que o mercado percebe como risco de revisões no resultado que o mercado está prevendo para 2025. O governo se comprometeu em zerar o déficit no próximo ano e a gente vê que as projeções para déficit fiscal no ano que vem estão ao redor de 0,5% do PIB.
Sabemos que o mercado está inclinado para uma leitura de que as revisões que houver no ano que vem é num sentido, talvez, de revisar a receita para baixo, principalmente as receitas extraordinárias, que é onde extrapolam o que seria razoável pensar. E o mercado continua batendo na mesma tecla, a necessidade de cortar gastos. Mas parece que não há essa propensão dentro do governo para esse assunto.
O mercado está projetando uma trajetória de crescimento de dívida pública para um nível que é bem desconfortável e isso acaba mantendo a expectativa de juros longos aqui no Brasil. Acaba sendo uma reflexão muito importante para a gente observar os juros indo para um patamar de um dígito.