Por Caio Saad e Camila Moreira
RIO DE JANEIRO/SÃO PAULO (Reuters) - A inflação oficial ao consumidor brasileiro encerrou 2015 no maior nível em 13 anos e estourou o teto da meta do governo pela primeira vez desde 2003, caminhando para permanecer acima do alvo este ano, diante da valorização do dólar, o que deixa o Banco Central ainda mais sob pressão.
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulou alta de 10,67 por cento no ano passado, informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta sexta-feira.
Essa é a maior taxa nessa base de comparação desde 2002, quando atingiu 12,53 por cento, e estoura em muito a meta da inflação de 4,5 por cento, com banda de tolerância de 2 pontos percentuais para cima ou para baixo.
A última vez que o IPCA havia estourado a meta do governo foi em 2003, quando subiu 9,30 por cento. Em 2014, o índice avançou 6,41 por cento, ficando por pouco dentro do limite.
Assim, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, terá que publicar uma carta aberta explicando por que descumpriu a meta. Ele já adiantou que vai reforçar o peso exercido pelo ajuste intenso de preços relativos na economia.
Só em dezembro, o IPCA avançou 0,96 por cento, após alta de 1,01 por cento em novembro, mas apesar da desaceleração esse é o maior patamar para o mês desde 2002 (2,10 por cento).
As expectativas em pesquisa da Reuters eram de alta de 1,05 por cento sobre novembro, atingindo em 12 meses 10,77 por cento.
PATAMAR INCÔMODO
Apesar de economistas projetarem desaceleração da inflação neste ano, ela deve continuar acima do teto da meta, que é a mesma de 2015, pressionada principalmente pelo dólar, que continua na casa dos 4 reais.
"A avaliação é de que o câmbio não vai trazer alívio. Embora a desaceleração entre um ano e o outro seja considerável, a inflação ainda vai se manter em um patamar incômodo", avaliou o analista da Tendências Consultoria Marcio Milan, calculando a alta do IPCA este ano em 7 por cento.
O que deve ser decisivo para a desaceleração em 2016 são os serviços, que se mantiveram resistentes no ano passado e terminaram com alta acumulada de 8,09 por cento, porém sempre sob a sombra do dólar, segundo o economista-chefe Banco Fator, José Francisco Gonçalves.
"O tempo passa, a recessão avança e a dinâmica da inflação não muda. Acho difícil que o câmbio não afete no curto prazo", disse ele, para quem o IPCA termina 2016 com alta de 7,60 por cento.
Soma-se a esse cenário a confiança muito fraca na economia, exacerbada pela crise política e ameaça de impeachment da presidente Dilma Rousseff. A pesquisa Focus do BC mostra que os economistas consultados veem o IPCA no final de 2016 com alta de 6,87 por cento, também acima do teto da meta.
CUSTO DE VIDA
O IBGE informou que no ano passado como um todo, o maior impacto foi exercido por Alimentação, de 3,00 pontos percentuais, após acumular avanço de 12,03 por cento. Mas a maior alta aconteceu em Habitação, de 18,31 por cento.
A inflação sofreu no final de 2015 os efeitos da disparada do dólar, depois de um ano de forte reajuste de preços administrados, que acumularam alta de 18,08 por cento, bem como de aumento de impostos e déficit fiscal. Isso mesmo com a forte recessão econômica.
O maior impacto individual do ano ficou com a energia elétrica, que subiu 51 por cento e, com os combustíveis, representou 24 por cento do índice do ano.
"O ano começou com uma pressão forte principalmente em despesas que são praticamente insubstituíveis, e a pressão dos alimentos durante todo o ano foi forte", destacou a economista do IBGE Eulina Nunes dos Santos.
Em dezembro, também foi o grupo Alimentação que exerceu a maior pressão, de 0,38 ponto percentual diante da alta de 1,50 por cento no mês.
A persistência do nível elevado da inflação aliada à contínua piora das expectativas deixa o BC ainda mais sob pressão para controlar a alta dos preços.
Em seu Relatório de Inflação, o BC elevou sua expectativa de inflação em 2016 a 6,2 por cento, passando a ver o IPCA a 4,8 por cento em 2017. A meta central de inflação é de 4,5 por cento pelo IPCA, mas com margem de 2 pontos percentuais em 2016 e de 1,5 ponto em 2017.
A expectativa é que o BC volte a elevar a taxa de juros, atualmente em 14,25 por cento, na reunião de 19 e 20 de janeiro, embora tenha crescido a preocupação de que os esforços do governo para enfrentar a recessão econômica poderiam levar o BC a evitar a alta.
"A defasagem da política monetária é de seis a nove meses, então os aumentos da Selic têm que ser concentrados no primeiro trimestre. Mas com a atividade despencando de um lado e a inflação sem ceder de outro", esse é o pior dos mundos para o BC", disse Milan, da Tendências.
Para ele, a taxa básica de juros sobe 0,5 ponto percentual neste mês e chega a 15,5 por cento em abril, voltando a cair posteriormente e encerrando 2016 a 14,75 por cento.