Por Eduardo Simões
SÃO PAULO (Reuters) - O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o político citado mais vezes na delação premiada do ex-líder do governo no Senado Delcídio do Amaral (MS) no âmbito da operação Lava Jato, homologada pelo ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF) e divulgada nesta terça-feira.
Além do nome de Lula, que aparece mais de 180 vezes no documento, são citados nas acusações feitas pelo senador a presidente Dilma Rousseff (72 vezes) e o ministro da Educação, Aloizio Mercadante (35). O presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), principal líder da oposição a Dilma, é mencionado 14 vezes no documento.
Mercadante, que aparece em uma conversa gravada com o assessor de Delcídio José Eduardo Marzagão e é acusado pelo senador de tentar evitar sua delação, negou as alegações e disse que a conversa com o assessor do senador foi um gesto de solidariedade.
Em nota, a presidente disse que "repudia com veemência e indignação a tentativa de envolvimento do seu nome na iniciativa pessoal do ministro Aloizio Mercadante". O ministro é um auxiliar próximo da presidente dentro do governo.
Entre outros diversos políticos de vários partidos aparecem os nomes dos peemedebistas Renan Calheiros (29 vezes) e Eduardo Cunha (20), que presidem o Senado e a Câmara dos Deputados, respectivamente. O nome do vice-presidente da República Michel Temer (PMDB) é visto em 11 ocasiões no documento de mais de 250 páginas.
No caso de Lula, o ex-presidente é acusado por Delcídio de ter agido diretamente para comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras (SA:PETR4) Nestor Cerveró, na Lava Jato, e do publicitário Marcos Valério, no caso do mensalão.
De acordo com o documento da delação, o senador disse aos procuradores da Lava Jato que Lula lhe "pediu expressamente" para "ajudar" o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo pessoal do ex-presidente que está preso, pois ele poderia ser implicado em uma delação de Cerveró, que foi titular da diretoria internacional da Petrobras.
"No caso, Delcídio intermediaria o pagamento de valores à família de Cerveró com recursos fornecidos por Bumlai", segundo o documento.
Delcídio, que pediu desfiliação do PT, foi preso em novembro do ano passado acusado de tentar atrapalhar a Lava Jato. Ele foi flagrado em um áudio feito sem seu conhecimento pelo filho de Cerveró em que aparece oferecendo dinheiro, influência política junto ao Judiciário e até uma rota de fuga para favorecer o ex-diretor da Petrobras.
Já no caso do mensalão, esquema de compra de apoio político durante o primeiro mandato de Lula, Delcídio afirmou que o ex-presidente e o ex- ministro Antonio Palocci, que ocupou a Fazenda no governo Lula e a Casa Civil no início do primeiro mandato de Dilma, atuaram para comprar o silêncio de Valério, principal operador do mensalão.
Ainda de acordo com o documento de delação do senador, o atual presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, prometeu pagar uma dívida a Valério, no valor de 220 milhões de reais, em troca do silêncio do publicitário. Delcídio contou que se reuniu com Okamotto para que a promessa fosse cumprida e, posteriormente, com o próprio Lula.
No dia seguinte, o senador disse aos procuradores ter recebido um telefonema de Palocci no qual ele disse que assumiria os pagamentos a Valério.
"Marcos Valério recebeu, mas não a quantia integral pretendida. De todo modo, a história mostrou a contrapartida: Marcos Valério silenciou", conforme o documento da delação.
Lula foi o principal alvo da 24ª fase da Lava Jato no início de março.
Há expectativa de que o ex-presidente seja nomeado para o ministério de Dilma, em um movimento que lhe daria foro privilegiado junto ao Supremo na Lava Jato. Segundo uma fonte do Palácio do Planalto, Lula aceitou convite para ser ministro.
Procurado, o Instituto Lula disse que não comentaria a delação de Delcídio. "Quem quiser levantar suspeitas em relação ao ex-presidente Lula que o faça diretamente e apresente provas, ou não merecerá resposta", disse.
Dilma tem negado qualquer irregularidade e classificou dias atrás, quando parte do conteúdo da delação vazou na imprensa, que o senador agia por vingança.
Renan negou em nota as acusações e disse que as alegações são improcedentes. Questionado sobre sua citação por Delcídio, Cunha, por sua vez, respondeu aos jornalistas: "Acho que tem coisa muito mais grave aí para vocês se preocuparem."
A assessoria de Temer disse que "as declarações do senador Delcídio não procedem".
FURNAS E PASADENA
Na delação, Delcídio acusa Dilma de atuar ao lado do então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, atualmente à frente da Advocacia-Geral da União (AGU), para tentar influenciar no andamento da Lava Jato por meio das indicações a tribunais superiores e de uma conversa com o presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, em Portugal em julho de 2015.
Segundo o documento, Delcídio afirmou aos procuradores que Dilma teve participação direta na nomeação de Cerveró para a diretoria financeira da BR Distribuidora e também tinha "pleno conhecimento de todo o processo" da compra pela Petrobras da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, que gerou prejuízo à estatal.
A presidente estava à frente do Conselho de Administração da Petrobras na época da compra da refinaria nos EUA.
A delação de Delcídio também envolveu Aécio, candidato derrotado por Dilma na eleição presidencial de 2014. O senador disse aos procuradores que o tucano era beneficiário de um esquema de corrupção na estatal do setor elétrico Furnas.
Delcídio afirmou que, em conversa com Lula, o ex-presidente lhe disse que Aécio lhe procurou para que Dimas Toledo, operador do esquema de corrupção em Furnas, fosse mantido no cargo.
O ex-líder do governo, que foi presidente da CPI mista dos Correios, que investigou o mensalão, afirmou que Aécio lhe enviou emissários para pedir o adiamento da entrega dos dados de sigilo do Banco Rural e que, uma vez entregues, esses dados foram "maquiados" para evitar implicações ao tucano, então governador de Minas Gerais.
Em nota, a assessoria de imprensa de Aécio disse que todas as citações de Delcídio ao senador são "falsas". "São citações mentirosas que não se sustentam na realidade e se referem apenas a 'ouvir dizer' de terceiros", afirma a nota.
(Reportagem adicional de Maria Carolina Marcello, em Brasília, e Caio Saad, no Rio de Janeiro)