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Acenos de Lula a Galípolo deixam mercados em alerta sobre futuro da política monetária

Publicado 30.12.2024, 08:22
© Reuters. Diretor de Política Monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo, que assumirá presidência do órgão em janeiro, participa de entrevista coletiva à imprensa na sede do banco, em Brasílian19/12/2024nREUTERS/Adriano Machado
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Por Marcela Ayres

BRASÍLIA (Reuters) - Após meses de atritos públicos, a relação entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Banco Central do Brasil parece prestes a entrar em uma era de harmonia -- o que preocupa alguns investidores.

Gabriel Galípolo, 42 anos, assumirá o comando da autarquia na quarta-feira. O ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda já defendeu visões econômicas que, embora às vezes divirjam da abordagem pró-mercado de seu antecessor, agradam a políticos de esquerda.

Enquanto sua proximidade com Lula deve ajudar a acalmar o ambiente após meses de críticas de um presidente exasperado com as altas taxas de juros, ela pode também testar a nova independência formal da instituição, disseram seis ex-diretores do BC à Reuters.

Galípolo assumirá o cargo do atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, escolhido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, na primeira transição estabelecida por uma lei de 2021 que exige que os chefes de Estado aguardem dois anos antes de indicar um nome ao comando da instituição, mirando fortalecer sua autonomia.

A transição será acompanhada de perto, especialmente após a frustração com um aguardado pacote de gastos do governo ter provocado um colapso no mercado, fazendo o prêmio de risco do Brasil disparar e levando o dólar a recordes históricos.

Procurado, o BC não respondeu a pedidos de comentários.

Galípolo, que atualmente é diretor de política monetária da autarquia, participou de uma coletiva com Campos Neto em 19 de dezembro, na qual, sob um clima amistoso que ambos brincaram compor uma "última dança", minimizaram diferenças e prometeram continuidade.

Um dia depois, Lula elogiou Galípolo em um vídeo nas redes sociais, prometendo disciplina fiscal e respeito à autonomia do BC.

Persistem, contudo, preocupações sobre possíveis mudanças na política monetária, que ganharam corpo especialmente após a reunião do BC de maio, na qual Galípolo e outros três indicados por Lula votaram por um corte maior nos juros que a maioria indicada por Bolsonaro chancelou. A partir de janeiro, o balanço muda e os indicados por Lula ocuparão sete dos nove assentos do Comitê de Política Monetária (Copom).

Todas as decisões do Copom foram unânimes de maio para cá, incluindo a alta de 1 ponto percentual em dezembro, acompanhada de uma surpreendente sinalização de novos aumentos de igual tamanho em janeiro e março de 2025.

Apesar da postura coesa do BC e da retórica conservadora de Galípolo, que prometeu independência em relação a Lula, alguns economistas permanecem céticos.

"O 'forward guidance' foi feito exatamente porque há receios," disse Alexandre Schwartsman, ex-diretor do BC durante o primeiro mandato de Lula. "É muito mais um sintoma, um reconhecimento de que há sérias dúvidas sobre como será o comportamento dele, se ele de fato será autônomo ou não."

"A posse efetiva a gente verá depois de março", disse Schwartsman. "Ate lá os fantasmas do Copom passado vão estar tocando o jogo."

ANTIGA SOMBRA

Uma das sombras sobre o futuro remonta à gestão de Alexandre Tombini, último presidente do BC nomeado por um governo do Partido dos Trabalhadores (PT). Sob sua batuta, o Copom reduziu e manteve os juros em valores historicamente baixos no final de 2012, mesmo com a inflação se distanciando da meta oficial.

Muitos economistas ainda criticam Tombini por ceder à pressão da então presidente Dilma Rousseff pela manutenção dos juros em patamares artificialmente baixos, um episódio que se somou a outros desequilíbrios econômicos do Brasil à época, levando a maior economia da América Latina a mais tarde enfrentar uma recessão histórica.

Aliados de Lula preferem destacar sua relação com Henrique Meirelles, que liderou o BC durante os dois primeiros mandatos do presidente, ajudando a pavimentar o caminho para um boom econômico. Meirelles disse à Reuters estar confiante de que Lula respeitará a independência do BC como já fez durante a sua gestão.

"Eu acredito que pode acontecer o mesmo com o Galípolo -- se é bom para o país, é bom para o governo. E à medida que Lula confie nisso, as relações tendem a ficar, digamos, menos tensas", ele disse por telefone, acrescentando que o maior temor dos investidores está hoje ligado à crescente dívida pública do país.

O Tesouro prevê que a dívida bruta do Brasil subirá 10 pontos percentuais no atual mandato de Lula, atingindo 81,7% do PIB em 2026, um nível considerado excessivamente alto na comparação com outras economias emergentes.

A menos de dois anos da próxima eleição, auxiliares têm dito que Lula tem se mostrado impaciente com obstáculos ao crescimento econômico, incluindo juros altos, diante da sua determinação em consolidar um legado visto como positivo pelo povo.

Independentemente disso, as relações de Lula com Campos Neto azedaram antes mesmo de ele tomar posse, após o presidente do BC usar uma camisa do Brasil, associada a apoiadores de Bolsonaro, para votar na eleição vencida por Lula em 2022.

A percepção de que Campos Neto poderia ter motivações políticas galgou degraus após o presidente do BC ter participado em junho de um jantar em sua homenagem promovido por Tarcísio de Freitas, ex-ministro de Bolsonaro e frequentemente apontado como possível rival de Lula em 2026.

Campos Neto já afirmou que autoridades do BC podem ser próximas de atores políticos sem que isso afete sua independência.

"Espero que meu sucessor não seja criticado ou julgado pela cor da camisa que ele veste, ou se ele foi a alguma festa, ou se participou de alguma homenagem de um jeito ou de outro, e que ele seja julgado pelas decisões técnicas que ele tomou", disse ele em evento em agosto, lembrando que agressivas elevações nos juros antes das eleições de 2022 seriam evidência de sua condução da política monetária sem viés.

Deixando de lado a bagagem de Lula com Campos Neto, alguns apontam que a estreita relação pessoal do presidente com Galípolo, a quem já se referiu como um "presente" e "menino de ouro", pode ter pendido demais para o outro lado.

No fim de setembro, Galípolo marcou presença, a pedido de Lula, em uma série de compromissos do presidente com empresários no México.

Em novembro, Galípolo o acompanhou em reuniões bilaterais com chefes de Estado no Rio de Janeiro, durante a cúpula de líderes do G20, e esteve com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em encontros em Washington no mês anterior -- eventos em que Campos Neto estava notoriamente ausente.

Galípolo também foi chamado por Lula ao Palácio do Planalto para compartilhar sua visão sobre aguardadas medidas de contenção de gastos antes de elas virem à público no fim do mês passado.

Até aqui, o futuro presidente do BC tem enfrentado poucos questionamentos por esse trânsito. Senadores de oposição elogiaram suas qualificações e a Comissão de Assuntos Econômicos da casa aprovou por unanimidade seu nome para o comando do BC.

© Reuters. Diretor de Política Monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo, que assumirá presidência do órgão em janeiro, participa de entrevista coletiva à imprensa na sede do banco, em Brasília
19/12/2024
REUTERS/Adriano Machado

Com o crescimento econômico em torno de 3,5% em 2024 e o desemprego nos menores níveis da história, a política monetária apertada tampouco tem despertado oposição feroz nas ruas.

No entanto, ex-diretores do BC acreditam que o verdadeiro desafio para o BC de Galípolo virá quando o banco precisar manter sua postura dura para levar a inflação à meta num momento em que isso estiver visivelmente machucando a atividade -- um ponto sensível para um governo de esquerda.

"A prova do pudim será a questão da atividade econômica, como eles vão se comportar quando a economia sofrer, empresas começarem a enfrentar dificuldades, falir e demitir gente", disse uma das fontes ouvidas pela Reuters em anonimato.

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