Por Anthony Boadle e Bernardo Caram e Lucinda Elliott
BRASÍLIA/BUENOS AIRES (Reuters) - A vitória presidencial do ultraliberal Javier Milei na Argentina não prejudicará o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia e pode acelerar a conclusão das negociações antes de ele assumir o cargo em 10 de dezembro, disseram uma fonte do governo brasileiro, diplomatas e especialistas em comércio entre a noite de domingo e esta segunda-feira.
Com a vitória de Milei, espera-se que o radical diminua o tom das suas críticas de campanha ao bloco do mercado comum sul-americano e ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não gerando perturbações no comércio do Mercosul, disseram.
“O acordo já está em uma velocidade que independe dessa política. E o Milei, por princípio, é a favor desse acordo, é a favor do livre comércio”, disse uma fonte do governo que acompanha as negociações entre os dois blocos.
Os ataques de Milei levantaram dúvidas sobre o futuro do Mercosul e levaram os negociadores a intensificar esforços para superar as diferenças e a realizar reuniões semanais por videoconferência, na esperança de encerrar as negociações a tempo para um encontro do Mercosul em 7 de dezembro.
“Lula provavelmente estará ainda mais interessado em conseguir isso agora”, disse um diplomata europeu com conhecimento das negociações.
Um tratado comercial foi acordado em 2019, após duas décadas de negociações, mas compromissos ambientais adicionais exigidos pela UE levaram o Brasil e a Argentina a procurar novas concessões que prolongaram as negociações.
O ex-secretário de Comércio Exterior brasileiro Welber Barral, em Buenos Aires para acompanhar a eleição presidencial, disse não ver Milei cumprindo suas ameaças de saída do bloco comercial formado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.
“A abertura dos mercados faz parte do discurso de Milei, então ele provavelmente apoiará o acordo com a UE, apesar das críticas ao Mercosul”, disse ele em entrevista.
O pragmatismo prevalecerá em ambos os lados, disse Barral, uma vez que as relações comerciais são muito importantes. A Argentina é o maior mercado do Brasil para produtos manufaturados, principalmente automóveis e peças automotivas.
Lula, que foi rotulado de “comunista raivoso” por Milei durante a campanha, desejou sucesso ao novo governo do país vizinho e disse que o Brasil está pronto para “trabalhar junto com nossos irmãos argentinos”, em declaração em que não citou nominalmente o presidente eleito.
ATRITOS
Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas em São Paulo, espera que Milei continue atacando Lula ocasionalmente, mas que o experiente presidente do Brasil não deve responder para evitar qualquer escalada.
As relações provavelmente voltarão a ser o que eram entre o atual presidente peronista da Argentina, Alberto Fernández, e o ex-presidente de direita do Brasil, Jair Bolsonaro, que não se falavam, disse Stuenkel.
“Não houve ruptura formal e os burocratas continuaram a falar, os laços comerciais continuaram normalmente, mas não houve espaço político para novas iniciativas que exigiriam o apoio dos palácios presidenciais”, disse ele.
Embora Milei seja pró-comércio, ele é um negacionista do clima e isso poderia ser um obstáculo para a ratificação na Europa do pacto comercial UE-Mercosul se ele se tornar um alvo de ambientalistas e protecionistas europeus, disse Stuenkel.
De qualquer modo, a vitória de Milei traz preocupação, disse a fonte do governo e duas outras autoridades do Ministério da Fazenda, que falaram sob condição de anonimato. Eles ponderaram que é necessário aguardar sinais concretos do presidente eleito para avaliar se haverá algum tipo de moderação.
“É natural que a realidade do governo se imponha ao discurso eleitoral, mas ainda não temos clareza de qual será a linha adotada”, disse uma das fontes da equipe econômica.
"Se você quer partir para a dolarização, fica mais importante ainda você exportar mais, você precisa ter mais acesso a mercados", afirmou a outra autoridade, em referência ao plano de Milei de extinguir o Banco Central da Argentina e transformar o dólar norte-americano em moeda oficial do país.
Foi mencionada ainda preocupação com um possível fôlego que poderá ser dado a Milei e à direita na América Latina com a aproximação da campanha presidencial nos Estados Unidos de 2024, que promete novamente colocar em evidência o ex-presidente norte-americano Donald Trump, alinhado com visões ultraliberais.