Por Tatiana Bautzer e Carolina Mandl
SÃO PAULO (Reuters) - As empresas brasileiras levantaram neste ano o maior volume de recursos da década com ofertas de ações, mas ainda não houve sinais deste entusiasmo entre investidores estrangeiros que sustentaram booms anteriores no Brasil, principalmente por conta do baixo crescimento econômico e temores em relação à polarização política.
Investidores estrangeiros compraram cerca de 40% das ofertas de ações dos primeiros nove meses do ano, segundo dados da B3. Ainda é bem distante da média de 70% de participação estrangeira em outros picos do mercado de capitais brasileiro, como 2007 e 2010.
Nem mesmo a aprovação da longamente esperada reforma da Previdência no mês passado, um marco na política liberal do governo de Jair Bolsonaro — foi suficiente para atrair de volta grande volume de investimento estrangeiro, segundo banqueiros de investimento responsáveis por ofertas de ações.
A participação estrangeira continuou baixa nas últimas ofertas, que elevaram o total ofertado em ações para 21,9 bilhões de dólares, o mais alto desde a captação de 48,7 bilhões de dólares registrada em 2010, segundo dados da Refinitiv.
Gestores de recursos, analistas e assessores das empresas dizem que a recuperação econômica lenta deu pouca razão aos investidores estrangeiros para entrar no mercado nacional, além do temor sobre a polarização política no governo de Bolsonaro após a libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
"O cenário político e o risco de reversão de medidas econômicas liberais que foram implementadas nos últimos anos são os maiores desafios," diz Frederico Sampaio, chefe de investimentos da Franklin Templeton Brazil.
Lula foi solto em 8 de novembro, um dia depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que não é possível iniciar o cumprimento de pena após condenação em segunda instância. A libertação do ex-presidente, que na ocasião disse que a eleição de Bolsonaro foi "roubada", reanimou os opositores da agenda de Bolsonaro.
Outros afirmam que a expectativa de um crescimento econômico baixo não anima muito os investidores a comprar ações brasileiras, com a maior parte das empresas levantando recursos para reduzir endividamento e não para investir em expansão. Acionistas que precisam de capital, como o Estado brasileiro, venderam participações em empresas como Petrobras (SA:PETR4), IRB Brasil (SA:IRBR3) Resseguros e Banco do Brasil (SA:BBAS3).
"O potencial de crescimento do PIB brasileiro não é muito alto e a taxa de desemprego não deve cair rapidamente" disse o estrategista de ações do Santander Brasil (SA:SANB11), Andre Rosenblit.
Embora a economia tenha dado sinais de recuperação, com a inflação contida e taxas de juros em recorde de baixa, os investidores esperavam um efeito mais rápido das políticas pró-mercado do governo Bolsonaro. A dificuldade política para aprovar a reforma previdenciária também provocou dúvidas sobre a capacidade de aprovar outras reformas importantes, como a tributária.
Mas os banqueiros de investimento esperam que os investidores internacionais voltem mais rapidamente no ano que vem, diante da expectativa de maior crescimento econômico.
"Alguns grandes fundos de ações 'long-only', que são mais cuidadosos no investimento, analisaram algumas ofertas brasileiras depois da aprovação da reforma da Previdência. É um bom sinal, mas ainda estamos longe do potencial", disse Fabio Nazari, chefe global de renda variável no banco de investimentos do Banco BTG Pactual (SA:BPAC11).
Templeton, por exemplo, adquiriu ações de alguns IPOs brasileiros, mas Sampaio se recusou a nomeá-las.
Uma mudança nas percepções dos investidores estrangeiros poderia trazer até 36 bilhões de dólares a mais para as ações brasileiras, somando os 81 bilhões agora investidos, segundo o BTG Pactual, considerando apenas os ajustes de portfólio que alocam mais ao Brasil.
Os cálculos consideram a alocação global de fundos emergentes e os fundos do BRIC em 2014, todos acima dos níveis atuais.
O Brasil, que já representa a maior fatia das carteiras destinadas à América Latina, pode vir a expandir sua participação com a instabilidade política nos vizinhos sul-americanos Chile, Argentina e mais recentemente a Colômbia.
"O Brasil parece um destino de investimento mais atraente do que o resto da região", disse Pablo Riveroll, chefe de renda variável da Schroders (LON:SDR) na América Latina.
Mas é improvável que o Brasil recupere seu peso anterior em portfólios de mercados emergentes globais. O país caiu de uma participação de 16,3% em tais fundos há dez anos, quando estava muito próximo da fatia destinada à China, para 7,7% neste ano.
Em comparação, a China agora representa 31,9% do índice MSCI, ante 18,3% há dez anos, com um impulso vindo no ano passado quando a MSCI adicionou ações da China continental aos seus benchmarks globais.
O peso da América Latina como um todo nas carteiras de mercados emergentes pode ser reduzido pela recente instabilidade política na região, de acordo com Cesar Mikail, administrador de recursos de renda variável da Western Asset.
FLUXO DOMÉSTICO INTENSO
Mesmo sem estrangeiros, espera-se que o mercado brasileiro fechem o ano em níveis recordes, sustentados por um fluxo constante de investidores locais que estão saindo da renda fixa em direção às ações, diante de taxas de juros que atingiram mínimas históricas.
"Nunca vimos um período tão longo com taxas de juros baixas", disse Alessandro Farkuh, chefe da área de banco de investimento do Bradesco (SA:BBDC4).
Uma nova mudança de alocação de 3 trilhões de reais (714,6 bilhões de dólares) de investidores de varejo locais também deve manter a participação dos brasileiros em ofertas de ações mais altas do que no passado.
A captação líquida de fundos de ações e multimercados totalizou 120 bilhões de reais de janeiro a outubro, segundo a Anbima, entidade que representa agentes do mercado financeiro e de capitais.
Os investidores internacionais também estão preocupados com outros fatores que podem prejudicar os fluxos para os mercados emergentes, disse Hans Lin, chefe de banco de investimento no Brasil do Bank of America.
"A guerra comercial global, o estado da economia dos EUA e o Brexit são riscos que podem afetar o apetite dos investidores", disse ele.
(Reportagem adicional de Jamie McGeever e Marcelo Rochabrun)