Por Marta Nogueira e Stephen Eisenhammer
RIO DE JANEIRO (Reuters) - A compra da britânica BG Group (LONDON:BG) pela gigante anglo-holandesa Shell, anunciada nesta quarta-feira, vai criar uma nova grande potência no pré-sal brasileiro, que será ainda a petroleira mais próxima da Petrobras, em um momento em que a estatal brasileira enfrenta a maior crise de sua história.
O negócio entre BG e Shell, de 70 bilhões de dólares, representa a primeira grande fusão no setor de petróleo em mais de uma década, reduzindo no momento a diferença da Shell frente à líder de mercado, a norte-americana ExxonMobil, após uma queda dos preços da commodity.
A BG, principal parceira da Petrobras no campo de Lula, principal produtor do pré-sal da Bacia de Santos, já é segunda petroleira do país em produção, enquanto a Shell é a quinta maior, segundo o último dado do órgão regulador (ANP).
Além levar parte de um importante ativo em produção no pré-sal --a BG tem 25 por cento de Lula--, analistas acreditam que é expressivo o negócio para a Shell no Brasil, pois ela ficará com reservas de bastante qualidade e em crescimento. A britânica também é parceira da estatal brasileira em outras relevantes áreas como Sapinhoá, Lapa e Iara.
A própria Shell já é sócia da Petrobras com 20 por cento da área de Libra, no pré-sal da Bacia de Santos, anunciada pelo governo brasileiro como a maior jazida do país, que pode conter entre 8 bilhões e 12 bilhões de barris de barris de petróleo de reservas recuperáveis, com produção esperada para os próximos anos.
"No Brasil, os ativos da BG dariam à Shell mais um ponto de apoio em uma das bacias de menor custo do mundo, e poderia acrescentar potenciais sinergias com Libra", afirmou o analista Biraj Borkhataria, em relatório da RBC Capital Markets.
O campo de Lula foi originado da descoberta de Tupi, a mais relevante do pré-sal anunciada pela Petrobras na década passada, na época com volumes recuperáveis de 5 bilhões a 8 bilhões de barris.
Já a corretora Jefferies concluiu que a transação fará da Shell a companhia estrangeira líder no Brasil, combinando ativos atuais da anglo-holandesa, com a fatia em Libra e a participação da BG no pré-sal.
"Nós estimamos que a carteira brasileira da BG vai crescer de 144 mil barris em 2015 para 557 mil barris em 2020, e vai se tornar um motor de crescimento da produção para a Shell", disse a Jefferies, estimando que 2018 a anglo-holandesa vai ser a maior empresa produtora de petróleo e gás natural de capital aberto do mundo, atingindo 4,2 milhões de barris/dia, superando a Exxon.
UM PORÉM
Entretanto, analistas ponderam que a anglo-holandesa poderá enfrentar situações delicadas, devido ao escândalo de corrupção que envolve a Petrobras, sua futura maior parceira no Brasil.
"O problema nesse caso é que a Shell seria o parceiro não-operacional da Petrobras, que está atualmente em crise devido às acusações de corrupção generalizada", afirmou relatório do banco BMO, assinado pelos analistas Nikolas Stefanou e Iain Reid.
A Petrobras é foco de investigações que apuram um esquema de corrupção em contratos da empresa que envolve políticos, partidos, empreiteiras e ex-executivos da petroleira.
O caso de corrupção deve, inclusive, prejudicar as curvas de produção traçadas pela Petrobras no passado, conforme diretores da companhia declararam recentemente.
Atrasos na construção de plataformas e equipamentos estão nos noticiários todos os dias.
A BG, hoje a maior parceira da Petrobras no pré-sal, produz 109,423 mil barris de petróleo por dia no país, o equivalente a cerca de 20 por cento da produção global da companhia.
O número poderia ser ainda maior. Isso porque as metas de produção de petróleo no Brasil, feitas pela Petrobras, não foram atingidas nos últimos anos --a curva projetada de extração deverá sofrer mais um revés após a divulgação do próximo plano de negócios da Petrobras, ainda sem data definida para publicação, diante do impacto do escândalo de corrupção na estatal e em seu fornecedores.
Ainda assim, os ativos brasileiros da BG são considerados muito valiosos, segundo analistas.
A Petrobras disse que não tinha comentários imediatos sobre o assunto, enquanto a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis não comentou imediatamente o impacto do negócio entre Shell e BG para o país.
ESTRATÉGIA
Uma fonte próxima à Shell destacou que a anglo-holandesa já tem grande relevância do ponto de vista estratégico no Brasil, uma situação que será ainda mais fortalecida com a compra da britânica.
Vale destacar que a companhia participa do único consórcio a fazer uma proposta em 2013 pela área de Libra, que tem, além da Petrobras, a francesa Total e duas estatais chinesas como sócias.
"Não é só uma empresa que é relevante pelo o que é lá fora, ela é relevante pelo o que é aqui dentro", afirmou a fonte, que pediu para não ser identificada.
Questionado sobre as metas de produção em revisão pela Petrobras, a fonte afirmou que "a Shell é uma empresa que está no mercado brasileiro há muitos anos, então ela tem total clareza das perspectivas".
"A Shell, com certeza, deve ter feito do ponto de vista estratégico essa análise, é diferente por exemplo se fosse a Exxon, que está fora do Brasil na atuação direta há algum tempo, certamente teria mais dificuldade de percepção."
A anglo-holandesa produz 43,012 mil barris de petróleo por dia no Brasil, no Parque das Conchas e nos campos de Bijupirá e Salema, ambos na Bacia de Campos, segundo os dados mais recentes.
A Shell anunciou recentemente a venda de sua participação de 80 por cento dos campos de Bijupirá e Salema para a brasileira PetroRio, ex-HRT, por 150 milhões de dólares. A outra sócia na área é a Petrobras, com 20 por cento.
QUESTÕES CONTRATUAIS
A fonte da Reuters afirmou que um acordo desse tamanho ainda pode ter muitos desdobramentos. Segundo ele, não é possível saber como a união entre as duas companhias deverá acontecer.
Uma declaração da BG em um relatório anual apresenta a possibilidade do acordo entre as duas petroleiras acionar um direito de preferência em um bloco importante no Brasil.
"Em determinadas circunstâncias, é possível que os parceiros da BG Group no BM-S-9 (Petrobras e Repsol (MADRID:REP) Sinopec Brasil) tenham o direito de preferência na aquisição da participação da BG Group ... no caso de uma mudança de controle da BG Group".
O BM-S-9 abriga os campos de Sapinhoá, atualmente o sexto maior produtor de petróleo do Brasil, e de Lapa.
A questão, segundo o chefe da equipe de análise corporativa no grupo de pesquisa Wood Mackenzie, provavelmente não impediria o acordo entre as empresas, mas poderia forçar uma reformulação dos termos.
Analistas disseram que a Petrobras e a Repsol podem não estar dispostas a exercer um possível direito de comprar a participação da BG no BM-S-9, devido à falta de recursos ou de um interesse estratégico, mas os chineses por trás da estatal Sinopec poderiam fazer uma proposta.
Petrobras e Repsol não quiseram comentar. A Sinopec não estava disponível para comentar o assunto.
(Com reportagem adicional de Jeb Blount, no Rio de Janeiro, e de Tom Bergin, em Londres)