Por Aluisio Alves
SÃO PAULO (Reuters) - Queixas contra redução de embalagens e piora na qualidade de produtos e serviços sem comunicação prévia aos clientes, além de propaganda enganosa, estão crescendo no Brasil, num momento em que a inflação e os juros altos têm pressionado o orçamento dos consumidores e os custos das empresas.
Uma pesquisa do instituto Reclame Aqui com 6.665 usuários, feita para a Reuters em maio, apontou que cerca de 80% dos consumidores no país têm percebido o movimento de fabricantes para reduzir tamanho, peso ou metragem das embalagens e produtos, um movimento que até já ganhou apelido: "reduflação".
As acusações de tentativa de engodo têm crescido desde a segunda metade de 2021, disse o presidente do instituto Reclame Aqui, Edu Neves, e incluem desde produtos de estética até piora nos pacotes de serviços continuados, como de TV e internet.
"Os consumidores reclamam que estão sendo tratados como idiotas", disse Neves.
O período coincide com a escalada recente da inflação, na esteira de altas acentuadas de preços de insumos, enquanto empresas se acotovelam para encontrar espaço no bolso curto do consumidor e enfrentam pressão para defender margens de lucro. Esse ambiente tem sido bastante citado por empresas listadas em bolsa de valores, muitas delas sofrendo uma queda acentuada no preço de suas ações.
Entre as medidas citadas por companhias listadas para conseguir esse ajuste nas contas estão redução de subsídios e descontos, aumento de preços e das taxas de juros, além de redução dos prazos nas compras parceladas.
No geral, as empresas conseguiram reverter uma tendência de queda das margens que vinha sendo pressionada nos últimos trimestres, em parte apoiadas também pelo fim de medidas de isolamento social. Segundo dados da Economatica, a margem líquida de lucro média de 324 empresas listadas na B3 (SA:B3SA3) no primeiro trimestre foi 0,9 ponto percentual maior do que um ano antes, a 6,85%.
Segundo a estrategista de ações da XP (SA:XPBR31) Jennie Li, embora a redução de custos seja uma forma de as empresas mostrarem aos investidores de que são capazes de reagir a ambientes hostis como o atual, o mercado está de olho nas indicações delas de que poderão voltar a ampliar receitas nos próximos trimestres.
"Para o investidor, o mais importante é o equilíbrio", disse.
Ação e reação
Mas para o diretor-executivo do Procon-SP, Guilherme Farid, além da necessidade mais imediata de equilibrar as finanças, as empresas também deveriam ter cuidado de não serem percebidas como estarem tentando silenciosamente enganar os clientes, o que pode implicar um dano de imagem mais duradouro sobre suas marcas.
"Se não avisa previamente o consumidor que está, por exemplo, reduzindo o tamanho da embalagem, o que é obrigado por lei, a empresa é percebida como agindo de má fé", disse Farid.
Segundo a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), nos primeiros quatro meses de 2022 o número de reclamações por propaganda enganosa cresceu 19,2% ante mesma etapa do ano passado. Os setores líderes em queixas foram comércio eletrônico, operadoras de telecomunicações, companhias aéreas, bancos, operadoras de cartões e programas de fidelidade.
No varejo, um caso notório recente foi o do McPicanha, sanduíche do McDonald's que a rede chegou a excluir do cardápio após tornar-se público que o produto tinha apenas o sabor da carne que dá nome a ele. A rival Burger King (SA:BKBR3) se viu obrigada a mudar o nome do Whopper Costela para Whopper Paleta Suína.
Ambas as redes estão sendo investigadas pelo Procon-SP. Se condenadas, podem enfrentar multa de 12 milhões de reais cada.
Em nota, a Arcos Dorados, que opera a marca McDonald's na América Latina, afirmou que respeita clientes e instituições de defesa do consumidor e "que prestou todos os esclarecimentos solicitados".
E o Burger King disse que "após ouvir, entender e compreender a reação dos consumidores", mudou o nome do lanche para Whopper Paleta Suína, com o novo nome e com a mesma composição utilizada desde seu lançamento.
O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) não citou números de 2022, mas disse que tem havido um aumento das reclamações de propaganda enganosa, atribuindo o aumento não apenas à crise econômica.
"Há uma cobrança maior de consumidores em períodos de crise", disse Juliana Albuquerque, diretora do órgão.
Ativismo digital
Casos percebidos como tentativa de engano não só têm alimentado os bancos de dados de reclamações de órgãos de defesa do consumidor como sido alvos de campanhas em redes sociais, especialmente após o boom do comércio eletrônico durante a pandemia. Segundo o Procon-SP, as reclamações ligadas a compras online dispararam 536% nos últimos dois anos.
"O consumidor brasileiro está muito mais engajado com o uso das redes sociais", disse Camila Costa, presidente da agência de publicidade iDTBWA.
Segundo ela, a atenção dos clientes sobre as marcas tem crescido recentemente, uma vez que várias delas têm procurado atrelar seus nomes a boas práticas sociais, ambientais e de boa governança. "Com isso, elas ficam mais expostas", disse.
Mas se por um lado a conveniência dos canais digitais empoderou os consumidores, por outro o comércio eletrônico tem criado novos desafios para o controle dos padrões de veiculação de anúncios, já que muitos deles passaram a ser feitos online.
"Há um licença criativa muito grande, inclusive com a participação de influenciadores em redes sociais, que não fazem parte dos canais mais tradicionais de propaganda e dificulta a regulação e autorregulação", disse Albuquerque, do Conar.