Por Luciano Costa
SÃO PAULO (Reuters) - A Eneva (SA:ENEV3) manteve conversas com a norte-americana AES Corp (NYSE:AES) desde janeiro passado para uma possível fusão dos negócios das empresas no Brasil, mas as tratativas não avançaram mesmo após reuniões presenciais nos Estados Unidos, disse à Reuters nesta quinta-feira um executivo da elétrica brasileira.
As dificuldades na negociação levaram a Eneva a apresentar em 1° de março uma proposta de 6,6 bilhões de reais para combinação de ativos com a controlada local da AES, a AES Tietê, em oferta que foi vista como "hostil" pela rival.
A Eneva controla termelétricas a gás e carvão e campos de exploração de gás, enquanto a AES Tietê tem hidrelétricas e usinas eólicas e solares, em portfólios vistos por analistas como fortemente complementares.
Mas para a AES a transação não se encaixaria no plano estratégico do grupo, que anunciou em fevereiro que pretende acelerar metas de descarbonização, com objetivo de reduzir a geração a carvão a menos de 30% de sua produção até 2020 e abaixo de 10% até 2030.
"Eles colocaram esse ponto... então em 1° de março soltamos uma carta colocando toda a administração da companhia à disposição para explicar os méritos da proposta, que é boa para todo mundo. Seria a criação de uma gigante de energia", disse à Reuters o diretor financeiro da Eneva, Marcelo Habibe.
A proposta da Eneva, válida inicialmente por 60 dias, está agora em avaliação na AES Tietê, que disse que irá contratar assessores financeiros para ajudá-la na análise. A oferta prevê pagamento em dinheiro e ações.
"A AES entendeu que, se está em processo de descarbonização, fazer qualquer negócio com uma empresa de gás e carvão não faria nenhum sentido. As conversas não aconteceram porque é uma questão estratégica", disse uma fonte com conhecimento da visão do grupo dos EUA.
Procurada, a AES Tietê afirmou apenas que terá uma reunião do conselho de administração na quarta-feira para "definir a contratação de sua equipe de assessores, para posterior condução das ações necessárias" à análise da proposta da Eneva.
A empresa resultante da eventual fusão entre as companhias, na qual os acionistas da Eneva seriam majoritários, teria um portfólio com 41% de capacidade em hidrelétricas e 43% em térmicas, além de 11% de parques eólicos e 4% de energia solar.
Em um dia de queda generalizada nos mercados acionários, a ação da Eneva fechou em baixa de 17%, a 33,20 reais, enquanto a da AES Tietê recuou 11,3%, para 14,90 reais.
BNDES E AÇÕES
O diretor financeiro da Eneva disse que, em paralelo, a empresa iniciou conversas individuais com acionistas da AES Tietê para convencê-los sobre o valor do negócio, incluindo com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
O braço de participações do banco, BNDESPar, tem 28,4% da AES Tietê, depois de uma reestruturação de dívidas antigas da AES referentes à compra da distribuidora de energia Eletropaulo (SA:ELPL3).
Na quarta-feira houve uma reunião com o presidente do BNDES, Gustavo Montezano. O encontro ocorreu em momento em que o banco tem acelerado um processo de desinvestimento em empresas para devolver recursos emprestados anteriormente pelo Tesouro.
"É uma transação boa para todos... E não é uma 'oferta hostil', é uma oferta não solicitada, digamos assim. Porque a transação não vai acontecer se a maioria (dos acionistas da AES Tietê) não quiser", argumentou Habibe.
Procurado, o BNDES não respondeu de imediato. Na semana passada, no entanto, o banco disse que "não comenta sua estratégia no âmbito de empresas listadas em bolsa".
Executivos da Eneva disseram à Reuters em 2 de março que a fusão facilitaria o desinvestimento do BNDES, ao criar uma companhia maior e mais líquida, na qual o BNDESPar teria fatia menor que a detida na AES Tietê. Isso possibilitaria ao banco até vender suas ações em bolsa caso desejasse.
A Eneva ainda comunicou nesta quinta-feira que comprou ações equivalentes a 0,5% do capital da AES Tietê para participar de assembleias de acionistas da companhia, em meio às negociações sobre a fusão.
PROPOSTA E BTG
Embora seja "cedo" para se falar em decisão sobre a proposta apresentada pela Eneva, há uma preocupação de pessoas próximas à análise do negócio na AES Tietê porque a oferta prevê boa parte do pagamento em ações, disse à Reuters uma segunda fonte com conhecimento do assunto.
Isso porque existe uma avaliação de que as ações da Eneva estavam muito valorizadas no momento da proposta, ainda segundo essa fonte.
"A AES não se sente confortável em receber ações da Eneva sem fazer diligência", disse, ao destacar que ativos de carvão tendem a perder valor no longo prazo.
A AES Tietê ainda ficou incomodada porque a Eneva tem como um dos principais acionistas o banco BTG Pactual (SA:BPAC11), que no ano passado estruturou e coordenou uma oferta de ações da companhia, disse a fonte.
Em carta ao BTG e a seu conselho, vista pela Reuters, a AES Tietê afirmou que o banco "teve amplo acesso" a informações "confidenciais estratégicas", o que caracterizaria na visão da empresa "inaceitável situação de conflitos de interesse".
A empresa defendeu que "independente do resultado da análise pela AES da proposta", o BTG deveria se abster de participar da proposta de combinação de negócios.
Procurado, o BTG Pactual afirmou em nota à Reuters que a assessoria financeira a potenciais transações "faz parte do curso ordinário" de seus negócios e que as informações recebem o devido tratamento sigiloso.
"Referida assessoria financeira às potenciais transações observam rigorosas políticas de governança e compliance, assim como respeitam as normas aplicáveis a bancos de investimento e a companhias abertas, especialmente através de barreiras de informações ('chinese wall') para proteção de informações entre os diferentes times e áreas de negócio envolvidas", explicou.
A Eneva não quis comentar o documento da AES Tietê.
O BTG Pactual tem 22,95% da Eneva, assim como a Cambuhy Investimentos. Em caso de eventual fusão, ambos teriam 17,8% da nova empresa, contra 5,5% da AES Corp e 6,4% do BNDES.