Enquanto Nova York caminhava em passo moderado para novos recordes, mesmo tendo sido inundada na madrugada pelas águas trazidas por Ida, o Ibovespa patinava e caía desde cedo com as surpreendentes derrotas colhidas pelo governo na noite anterior, especialmente no Senado. Pela manhã veio pitada adicional de cautela, com a leitura abaixo do esperado sobre a produção industrial em julho (-1,3%, na margem), no dia seguinte ao anúncio de leve retração de 0,1% no PIB do segundo trimestre, que havia resultado em revisões sobre a expectativa de crescimento e também de inflação.
Nesta quinta-feira, o índice da B3 (SA:B3SA3) fechou em queda de 2,28%, aos 116.677,08 pontos, entre mínima de 116.534,32 e máxima de 119.396,59, saindo de abertura aos 119.394,46 pontos.
O giro financeiro foi de R$ 34,0 bilhões na sessão e, na semana, o Ibovespa amplia as perdas a 3,32%, com 1,77% de baixa nestes dois primeiros dias de setembro - no ano, mais uma vez o índice oscila para o negativo (-1,97%).
Foi a primeira vez desde 20 de agosto que a referência da B3 voltou a operar abaixo de 117 mil pontos no intradia, atingindo nesta quinta o menor fechamento desde 18 de agosto (116.642,62), que havia sido o pior desde 1º de abril (115.253,31). Em porcentual, foi a maior queda desde 30 de julho (-3,08%).
Nem a recuperação do petróleo, em alta em torno de 2%, contribuiu para que Petrobras (SA:PETR4) (PN -1,63%, ON (SA:PETR3) -1,73%, esta na mínima do dia no fechamento) mitigasse perdas que se espalharam por empresas e setores na B3, principalmente à tarde, quando o mercado acompanhou 'pari passu' a votação dos destaques à reforma do IR, iniciada pouco depois das 13 horas - e que, após sinalização recente do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), esperava-se que pudesse dormir por algum tempo na gaveta, ante aparente falta de consenso para que fosse levada adiante; na noite de quarta, o texto-base passou com apoio da oposição.
Na ponta negativa do Ibovespa, setores com exposição à economia doméstica, como Cielo (SA:CIEL3) (-6,47%), Via Varejo (SA:VIIA3) (-6,13%) e Lojas Americanas (SA:LAME4) (-5,86%), refletindo também os fracos dados. No lado oposto, poucas empresas se descolaram do sentimento negativo, entre as quais Assaí (SA:ASAI3) (+2,99%), Engie (SA:EGIE3) (+1,03%) e PetroRio (SA:PRIO3) (+0,75%).
Entre os maiores perdedores do dia, os bancos, caindo "no fato", pressionados pelo "fim do JCP (juros sobre capital próprio) e o corte menor do que o esperado da CSLL", observa Rafael Ribeiro, analista da Clear Corretora. Entre as maiores instituições, destaque para queda de 5,23% na Unit do Santander (SA:SANB11), de 4,14% para BB (SA:BBAS3) ON e de 3,81% em Bradesco (SA:BBDC4) ON.
A decepção do mercado com a aprovação do relatório do deputado Celso Sabino (PSDB-PA) se acresce à derrubada de minirreforma trabalhista no Senado, com a qual o governo pretendia estimular a geração de empregos, e a aprovação de mudança em planos de saúde de estatais, que pode dificultar privatizações como a dos Correios.
O conjunto da obra contribui para reforçar a percepção de dificuldade do governo em dar direção à agenda, perdendo precedência sobre o Congresso, como também visto em episódios recentes, como o da inclusão de 'jabutis' na MP da Eletrobras (SA:ELET3).
"Democracia é isso: você chega com uma proposta e ela sofre alteração", disse nesta quinta o ministro da Economia, Paulo Guedes, já antecipando que a reforma tributária também deve ter "um ajuste ou outro" quando for ao Senado.
Para o economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato, o risco fiscal sentido pelo mercado, que afeta condições financeiras e previsões para atividade, resulta de um conjunto de fatores, como a questão dos precatórios, a fonte de financiamento do Bolsa Família e a reforma do Imposto de Renda.
Segundo ele, o "desvio da rota" na reforma do IR e no projeto que permitiu a privatização da Eletrobras decorre da falta de esforço do governo para chegar ao desenho correto.