Por Aluisio Alves
SÃO PAULO (Reuters) - Recebido com aplausos no mercado, o novo marco de Fundos de Investimento deve produzir uma transformação lenta na indústria, diante do cenário de juros altos no país, incertezas sobre tributação e o tempo necessário para educar investidores de varejo sobre produtos cada vez mais complexos.
Segundo especialistas, novidades trazidas pelo novo Marco dos Fundos editado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) na semana passada têm potencial para atrair ainda mais recursos para essa indústria que já tem 7,5 trilhões de reais sob gestão, em especial de investidores de varejo e estrangeiros.
Entre as novidades, a nova regulação passa a considerar ativos socioambientais e criptomoedas, bem como permite que pequenos investidores apliquem diretamente em fundos de direitos creditórios, os FIDCs. Por fim, autoriza que os fundos sejam um guarda-chuva incluindo várias classes de cotas, estratégias e políticas de investimentos sem misturar o patrimônio de cada uma delas. Fundos que aplicam todo o patrimônio no exterior também poderão ser vendidos a todas as categorias de clientes.
Hoje, tanto FIDCs quanto fundos com ativos exclusivamente no exterior são privilégio de investidores que detêm pelo menos 1 milhão de reais em aplicações financeiras.
"Vai ser necessário um grande trabalho de educação dos pequenos investidores", disse Claudia Beldi, presidente do Finaxis, especializado na estruturação, administração e custódia de fundos de investimento.
A abertura do leque para pequenos investidores acontece no momento em que a busca por diversificação em investimentos tem experimentado um anticlímax, já que o cenário econômico hostil no Brasil e no mundo, com juros altos e receio de recessão, tem provocado uma maré baixa em ativos de maior risco, como os de ações, multimercados e mesmo de criptomoedas.
Com a Selic subindo da mínima recorde de 2% para 13,75%, e as incertezas fiscais com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva a partir do próximo domingo, o Brasil teve em 2022 seu primeiro ano sem IPOs desde 1998, enquanto as ações relativamente novatas estiveram entre as de pior desempenho na B3 (BVMF:B3SA3). O bitcoin, referência dos criptoativos, perdeu 60% no ano.
Segundo dados da Anbima, nos primeiros 11 meses de 2002, fundos de renda fixa tiveram captação líquida de 74,5 bilhões de reais, enquanto os multimercados tiveram resgates de 83,7 bilhões e os de ações, de 66,1 bilhões em saída líquida.
Em outra frente, especialistas da indústria têm alertado que a marcação a mercado dos preços de ativos como debêntures, CRIs e CRAs, prevista para janeiro, pode ensinar uma dura lição a investidores que veem na renda fixa um porto seguro, o que deve deixá-los ainda mais na defensiva.
Outro ponto de atenção dos profissionais de fundos trazida com o novo marco tem a ver com o tratamento tributário para os fundos que servirão como uma espécie de guarda-chuva, abrigando ao mesmo tempo uma carteira de ações, outra de multimercado e uma terceira de renda fixa, por exemplo.
Como o imposto de renda sobre ganhos com cada tipo de ativo é diferente, a expectativa é de que os agentes prefiram esperar pelo governo, já que esse tema está fora da esfera da CVM. Por precaução, a autarquia deu prazo até 2024 para que os fundos sujeitos a impostos se adaptem.
"O novo marco parte do princípio de que haverá reforma tributária em 2023", alertou André Mileski, sócio de Fundos de Investimento do Lefosse.
Por fim, a visão dos especialistas é de que o mercado vai ter que se entender e se adaptar ao detalhamento regulatório das atribuições de cada agente na administração, gestão e custódia dos fundos, e à obrigatoriedade de registro de recebíveis.
Nesse sentido, a Anbima fará no próximo dia 12 um encontro com o presidente da CVM, João Pedro Nascimento, e outros diretores da autarquia, em busca de detalhes sobre o novo marco.