Investing.com – A perspectiva de cortes nos juros foi o gatilho da alta nas ações no final do ano, mas na opinião de William Castro Alves, sócio e estrategista-chefe da corretora digital Avenue, o mercado pode estar “otimista demais” com o cenário, ao precificar início do ciclo de reversão já em março. A Avenue acredita que o Fed tende a mudar sua comunicação para refletir os desafios que ainda enfrenta, e começar o reduzir o aperto quantitativo, ou a retirada de reservas financeiras em circulação no mercado, o que também diminui a liquidez, antes de efetivamente anunciar a tão esperada diminuição nas fed funds. Na visão da Avenue, os cortes devem começar somente em maio.
Confira entrevista exclusiva concedida ao Investing.com Brasil.
Investing.com – Qual a expectativa da Avenue sobre os cortes nos juros nos EUA?
William Castro Alves – A gente começou o ano com essa perspectiva de que os juros vão ceder nos Estados Unidos, os indicadores de inflação estão ajudando, em uma trajetória benigna. No último CPI, o componente que mais pesou foi a parte moradia que, de fato, é a que a que mais demora realmente para ceder. Contratos de aluguéis são revisados uma vez a cada ano, então não é nem uma resiliência dessa inflação, mas ela demora realmente.
Com a inflação cedendo, abre espaço para alguns cortes de juros. A nossa interpretação é de que o mercado está sendo um pouco otimista demais nessa percepção de seis cortes no ano de 2024. O Fed fala em três. O mercado precifica seis. A gente entende que alguma coisa vem aqui no meio do caminho, com quatro ou cinco cortes, começando em maio, não em março. Acredito que o Banco Central deve mudar a comunicação dele, talvez o Fed mude em janeiro.
Antes disso, o Fed pode tirar o pé um do quantitative tightening. Quando ele vende títulos no mercado, ele retira dinheiro do mercado, consequentemente, ele está apertando a liquidez. Acho que antes de ele começar a baixar juros, ele tira o pé completamente, pois também ajuda a criar por essa condição monetária restritiva e aí sim, depois ele vem com alguns cortes de 25 bps.
Inv.com – Neste cenário, a Avenue avalia que a expectativa deve impulsionar os mercados como no final do ano passado ou pode perder o fôlego?
Alves – É sempre difícil ver até onde que o mercado pode ir. Se por um lado, quando olhamos o valuation de algumas empresas de tecnologia, elas já aparecem relativamente bem precificadas, especialmente depois dessa alta que a gente viu recentemente.
Olhando para a frente, do lado bullish de mercado, temos uma economia que ainda cresce, cresce menos, mas ainda cresce, uma inflação que desacelera com juros para baixo, isso é bom, menos pressão de custos, e ainda muito dinheiro que foi alocado em renda fixa nos últimos dois anos podendo migrar para a renda variável.
Ao passo que os juros cederem, investimentos de renda fixa ficam menos atrativos, especialmente aqueles de curto prazo, que vencem de seis meses a um ano, quando vence a taxa é outra.
Do lado bearish, ainda não é possível dizer que afastamos 100% o risco de um de uma recessão nos Estados Unidos, o que seria ruim para as ações. Os valuations estão um pouco esticados, especialmente em algumas empresas específicas, então eu diria que o ano de 2024 é um período de picking, muito mais de seleção de ativos mesmo, de setores que que não performaram e que podem ter uma inflexão maior, que possuem mais margem de segurança, em relação aos que já performaram bem nos últimos doze meses.
Inv.com – Quais podem ser os principais motores/receios para os mercados americanos em 2024?
Alves – Como um ponto de atenção, sempre tem o Cisne Negro no ano, que não tem como prever, ano passado teve o Sillicon Valley, deu aquela chacoalhada. Como riscos potenciais, eu citaria a resistência da inflação, que mudaria completamente esse cenário de juros benigno.
Ainda, tem o risco de o El Niño mexer em preços de alimentos e, consequentemente, na inflação, juros e por aí vai. Além disso, as eleições, as campanhas tendem a afetar os mercados. Provavelmente o mercado vai voltar a falar da questão da dívida americana, pois a questão não foi resolvida, mas foi postergada, empurrada com a barriga.
Do lado positivo, a economia ainda cresce. Aindam, talvez a gente esteja vivendo uma revolução tal qual a gente viveu durante a internet, agora, com a inteligência artificial, que muda consideravelmente a capacidade das empresas de serem lucrativas, gerarem retornos acima da daquilo que o mercado está esperando
Inv.com – O soft landing da economia americana tende a acontecer?
Alves – A meu ver, já aconteceu o soft landing. O mercado tinha uma grande aposta de que iria ter uma recessão, um hard landing em 2023. Já não aconteceu. Então, 2023 já foi o ano de soft landing e podemos discutir se 2024 vai continuar sendo, mas aparentemente, sim. A gente sai de um crescimento muito acima da média de PIB.
Após a ameaça chinesa em 2021, o mercado sai disso, vem com uma taxa mais normal, ainda arrefecendo. O soft landing continua sendo o cenário base. Há dispêndios fiscais muito elevados que criam um certo amortecedor e ajudam a garantir uma poupança para o consumidor americano. O mercado de trabalho ainda está muito forte, muito pujante, que também ajuda a garantir esse poder de compra. Além disso, 70% do PIB americano é derivado de consumo.
Inv.com – Com esse cenário em mente, recomenda alguma estratégia determinada para o investidor, ou alguma mudança de alocação neste início de ano? Alguma tendência verificada em 2023 pode ser invertida?
Alves – A gente lembra para o investidor brasileiro, que normalmente tem pouco alocado em capital fora, orientamos que tenha entre 30% a 40% do capital alocado fora, dolarizado, independente do cenário, de acordo com o perfil, com mais renda fixa, variável, multimercado, diferentes produtos.
Vale a pena alongar um pouco os vencimentos de renda fixa. A taxa das Treasuries já é menor, já mudou, recomendamos comprar um título um pouco mais longo, de 2, 3, 4 ou até 5 anos, então alongar um pouco mais a duration. É possível fazer isso meio através de fundos de investimento, que têm uma maior capacidade de fazer esse gerenciamento.
Em renda variável, o mercado americano é muito grande. Fundos imobiliários e small caps, que pouco performaram, o setor inteiro de utilities e saúde, que não tiveram grande performance no passado, podem ser uma alternativa.
Em relação às bigh techs, a meu ver, elas são bem precificadas. Claro que cada caso é um caso. Mas a gente já viu a Apple (NASDAQ:AAPL) decepcionando um pouco com as vendas de iPhone. A Netflix (NASDAQ:NFLX), com custos como sempre elevados para conseguir gerar conteúdo, A Tesla (NASDAQ:TSLA) entregando um pouco menos de carros, atrás um pouco as entregas. As empresas são muito fortes, são muito boas, são muito rentáveis e tudo mais. Os únicos ponto aqui são a margem de segurança e o valuation.
De novembro para cá, vimos todos os ativos de risco performando muito bem, bolsas nas máximas, Ibovespa na máxima e moedas emergentes também. Então, nesse cenário muito bom para ativos de risco, o dólar está ali paradinho nos R$4,90, se o cenário não for tão bom, se a gente tiver um soluço como foi o Silicon Valley, o câmbio deve ser afetado, normalmente ele salta. Não estou dizendo que isso vai acontecer com certeza, mas é só para o investidor ter essa ciência e tomar esse cuidado.