Por Marta Nogueira
RIO DE JANEIRO (Reuters) - O governo de Minas Gerais vai protocolar uma petição na Justiça pedindo que as negociações para um acordo de reparação pelo rompimento de barragem em Mariana continuem, após o governo federal ter descartado por completo a última proposta das mineradoras, em um movimento que o Estado mineiro considerou "nitidamente protelatório".
A nova oferta das mineradoras, de 127 bilhões de reais, visa fechar um acordo definitivo para a reparação dos danos com o colapso de uma barragem de rejeitos da mineradora Samarco (joint venture da Vale (BVMF:VALE3) com a BHP), em 2015, que deixou 19 mortos, centenas de desabrigados, e atingiu o rio Doce em toda a sua extensão, até o mar do Espírito Santo.
"A nossa compreensão é de que não é uma proposta perfeita, não é algo para assinar embaixo, mas é uma proposta que nos permite continuar (a dialogar)", disse a secretária de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais, Luísa Barreto, à Reuters em uma entrevista por vídeo.
No entanto, a União e o Espírito Santo rejeitaram nesta sexta-feira a proposta, antes mesmo que a União se sentasse para conversar sobre os termos com Minas Gerais, Estado mais atingido, onde a barragem colapsou, frisou Barreto.
A secretária disse que ao receber a nova oferta, no mês passado, Minas Gerais e Espírito Santo solicitaram uma audiência com o ministro da Casa Civil, Rui Costa, para discutí-la.
"Tanto ele (Rui Costa) quanto o advogado-geral da União se recusaram a receber os dois governadores, e fomos vendidos por uma posição da União no final do dia de ontem, de que deveria haver um entendimento nosso de que esse acordo não pode ser feito nesses termos, de que não há negociação... e que caberia a nós endossar essa posição deles", afirmou.
Para Barreto, foi uma decisão "nitidamente protelatória" e de "quem não quer negociar, de quem não quer um acordo agora".
"É muito fácil ficar lá em Brasília, enquanto a gente vive os problemas aqui em Minas Gerais, porque o desastre aconteceu aqui, o rio Doce corta o nosso Estado, os nossos municípios foram atingidos e os nossos mineiros que sofrem com os danos."
Procurado, o ministro Rui Costa afirmou por meio de sua assessoria que "nunca se recusou a receber os governadores e nunca fez contato para impor nada ou tratar do tema, porque quem representa o governo federal nessa questão é a AGU (Advocacia-Geral da União), os contatos são feitos pela AGU".
Já a AGU respondeu que "não houve nenhum pedido de audiência" do governador de Minas Gerais para o advogado-geral da União, Jorge Messias.
Mais cedo, ao anunciar a decisão da União, a AGU afirmou em nota que a nova proposta não representa avanço em relação à proposta anterior, apresentada e discutida em dezembro de 2023", e contém "condições inadmissíveis" que desconsideram o que "já havia sido exaustivamente debatido e acordado" anteriormente.
Dentre os pontos alterados no texto, a AGU citou que a nova redação prevê uma retirada de rejeitos de mineração do rio Doce muito inferior ao que já havia sido negociado, a transferência da obrigação de recuperação de nascentes e áreas degradadas para o Poder Público e o encerramento do gerenciamento das áreas contaminadas, dentre outros.
A Samarco afirmou em nota nesta sexta-feira que permanece aberta ao diálogo e busca concluir as discussões sobre a repactuação sem se furtar de suas responsabilidades. A BHP reiterou também que permanece comprometida com as ações de reparação e compensação, e disposta a buscar, coletivamente, soluções que garantam uma reparação "justa e integral às pessoas".
A Vale não respondeu imediatamente a pedidos de comentários, mas tem sempre reiterado seu compromisso com a reparação e informou recentemente que tem como objetivo fechar um acordo final ainda neste semestre.
Um acordo inicial chegou a ser assinado ainda em 2016, criando uma base para implementar reparações, mas não fixou um volume de recursos global e deixou para frente diversas etapas a serem cumpridas, sendo alvo de críticas por diversas partes.
Dos 127 bilhões de reais apresentados pelas mineradoras na nova oferta, 37 bilhões já foram pagos.
Do montante restante, 72 bilhões de reais seriam pagos ao governo federal, aos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo e aos municípios, durante um período, conforme informou a Vale anteriormente, sem detalhar.
Os demais cerca de 18 bilhões de reais seriam usados pelas mineradoras para realizar obrigações delas relacionadas ao desastre.
Barreto destacou que na proposta anterior, considerada totalmente inviável, as companhias haviam ofertado 42 bilhões de reais a pagar.
A petição do governo de Minas Gerais será protocolada nesta sexta-feira no Tribunal Regional Federal da 6ª região, em conjunto com o Ministério Público Federal e Estadual e Defensoria Pública do Estado, defendendo que o acordo é o caminho necessário e que as negociações devem continuar, disse Barreto.
(Por Marta Nogueira; reportagem adicional de Ricardo Brito e Lisandra Paraguassu em Brasília)