MP 1303 caiu: comemoração ou preocupação do mercado, eis a questão?
O Bitcoin ainda não se tornou uma reserva de valor hegemônica, mas está caminhando nessa direção, por design, por amadurecimento, por adoção e por comportamento em alguns eventos de stress.
A ideia original do Bitcoin nasceu de um incômodo muito específico: a fragilidade do sistema financeiro pós-2008. Não é coincidência que seu bloco gênese traga a manchete “Chancellor on brink of second bailout for banks” (em tradução livre “Chanceler à beira de segundo resgate aos bancos”) do jornal britânico The Times de 3 de janeiro de 2009, que, além de marcar a data daquele momento, tecia uma crítica implícita sobre os riscos sistêmicos do sistema financeiro tradicional, suas recorrentes expansões monetárias e o custo invisível da inflação sobre o poder de compra.
Saifedean Ammous, autor do livro The Bitcoin Standard, descreve o Bitcoin como um dinheiro “sólido”, cujo valor vem de sua escassez verificável e regras imutáveis de emissão. Na prática: a oferta limitada a 21 milhões e uma “política monetária” predefinida no protocolo, com redução programada de novos bitcoins (as halvings aproximadamente a cada quatro anos. Diferente das moedas fiduciárias, que respondem a comitês e ciclos políticos, a emissão de bitcoins é governada por código aberto e consenso distribuído. Isso cria neutralidade crível e previsibilidade — pré-requisitos essenciais de qualquer reserva de valor.
“Mas e a volatilidade?” O Bitcoin (BTC) continua volátil, porém vem amadurecendo, com tendência de queda em sua volatilidade histórica e até janelas de tempo em que o BTC foi menos volátil do que dezenas de ações do S&P 500. A institucionalização do Bitcoin, desde custodiantes institucionais a veículos listados, tem ampliado sua liquidez e adoção, um vetor que tende a reduzir ainda mais sua volatilidade marginal ao longo do tempo.
Tão importante quanto a volatilidade é como o BTC se comporta em choques. Há janelas em que ele se descola do estereótipo de “Nasdaq alavancada” e se aproxima da tese de manutenção de poder de compra:
- Estresse bancário nos EUA (mar/2023): com a quebra de bancos regionais, o ouro subiu e o S&P 500 patinou no mês, enquanto o Bitcoin avançou ~21% — uma dinâmica mais alinhada ao papel de um porto seguro do que de beta de tecnologia.
- Conflito Israel–Hamas (out/2023): em clima de risk-off, análises de mercado apontaram fluxo para ouro e BTC como refúgios táticos.
- Desmonetização na Índia (nov–dez/2016): logo após o banimento de notas, o BTC em rupias negociou com prêmio e subiu, refletindo corrida por proteção fora do sistema bancário local.
- Grexit / Controles de capital na Grécia (jun–jul/2015): à medida que cresciam temores de saída do euro e saques eram limitados, o Bitcoin subiu com busca por alternativas sem risco de contraparte.
- Crise de Chipre (2013): no episódio de bail-in e controles de capital, o BTC disparou, sendo um caso emblemático de demanda por ativo sem risco de contraparte e resistente à censura.
- Turquia: sucessivas desvalorizações da lira coincidiram com picos de volume e demanda por cripto, e topos históricos do BTC em lira, ilustrando busca por proteção doméstica.
- Argentina: em meio a inflação muito alta e tensão cambial nos últimos anos, a adoção de cripto avançou e o BTC em pesos renovou máximas nominais locais.
- Nigéria (2023–2024): com forte desvalorização do naira, o uso de criptomoedas cresceu e o BTC em naira marcou sucessivas máximas nominais.
Esses exemplos não proclamam o Bitcoin como hedge perfeito. Em outros momentos (2021–2022, por exemplo), a correlação com ações subiu e o BTC se comportou como um ativo de risco alavancado. A correlação é variável no tempo, mas, em choques idiossincráticos do sistema financeiro, já tivemos diferentes evidências de procura por BTC, assim como o ouro.
Outro contra-argumento clássico é a “juventude” do ativo: uma moeda de 16 anos não tem o track record milenar do ouro. Ainda assim, o Bitcoin já passou por múltiplos ciclos, forks, mudanças regulatórias e choques de liquidez, e permaneceu operacional 24/7, com a mesma regra monetária desde 2009. O mercado deve seguir gradualmente precificando essa credibilidade.
Pensemos o BTC não como “máquina de valorização” de curto prazo, e sim como um seguro de longo prazo contra a diluição monetária e riscos do sistema financeiro, um ativo cujo carry é a sua própria escassez programada. Alocações parcimoniosas e disciplinadas fazem mais sentido do que movimentos binários. Em outras palavras: trate Bitcoin como se trataria uma posição de ouro, com benefícios adicionais da digitalização e “efeitos de rede”, ainda lembrando que ambos os ativos podem cumprir papéis complementares em portfólios modernos.