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Por Ana Mano e Manuela Andreoni
SÃO PAULO (Reuters) - O destino da Moratória da Soja no Brasil, um pacto corporativo creditado como responsável por desacelerar o desmatamento causado pela soja na floresta amazônica, está em suspenso, enquanto órgãos do governo divergem sobre a legalidade do acordo, aumentando os riscos para as tradings globais de grãos.
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) iniciou uma investigação nesta semana e anunciou também uma medida preventiva que suspende o acordo através do qual, por quase 20 anos, os comerciantes de grãos se comprometeram a não comprar soja de fazendas recentemente desmatadas.
O superintendente-geral do órgão antitruste, Alexandre Barreto de Souza, citou evidências que sugerem que a moratória efetivamente criou um cartel que viola a lei da concorrência.
No entanto, tanto o Ministério do Meio Ambiente quanto o Ministério Público Federal (MPF), que apoiam e monitoram a moratória, saíram publicamente em defesa do acordo, suscitando um verdadeiro embate sobre o futuro do programa.
André Lima, que lidera os esforços de combate ao desmatamento do Ministério do Meio Ambiente, alertou que o fim da moratória pode pressionar os mais de 10 milhões de hectares de floresta amazônica que ainda podem ser legalmente derrubados -- potencialmente revivendo o impacto destrutivo da soja sobre o bioma nos anos 1990 e início dos anos 2000.
Se o Cade decidir que a Moratória é ilegal, "será muito mais difícil controlar e reduzir o desmatamento legal", disse Lima, acrescentando que isso também poderia aumentar o valor da terra na Amazônia, o que também tem sido um fator para o desmatamento ilegal no longo prazo.
O procurador Ubiratan Cazetta, que representa o MPF junto ao Cade, disse que irá avaliar medida preventiva que suspende a moratória e, no momento oportuno, se pronunciar sobre ela. Sua posição poderá influenciar a decisão final dos seis conselheiros do Cade, que também deverão ouvir os recursos das empresas em relação às acusações.
Cazetta, que vem monitorando a moratória há duas décadas, disse que o MPF nunca encontrou indícios de que ela tenha prejudicado a concorrência, acrescentando que se trata de programa "muito eficaz".
"Há uma preocupação institucional do Ministério Público em relação a todos os vetores que poderiam, de alguma forma, incentivar o desmatamento no bioma amazônico", disse ele.
A Moratória da Soja no Brasil não é a primeira iniciativa ambiental corporativa que enfrenta desafios regulatórios. Ao redor do mundo, questionamentos regulatórios ajudaram a minar esforços de seguradoras e bancos relacionados a minimizar os impactos de suas atividades no meio ambiente.
Muitas empresas se retiraram dessas alianças para evitar "serem identificadas como possíveis obstáculos à concorrência", disse Valerio Micale, que lidera o trabalho sobre integridade do setor financeiro na Climate Policy Initiative, um think-tank com sede em Londres. "O principal motivo é realmente a falta de clareza na legislação, que geralmente foi redigida antes de a crise climática ser um problema."
’LAWFARE’
Para as 30 empresas e associações da indústria e de exportadores de soja que promovem a moratória, o apoio de entes governamentais pode oferecer alguma proteção contra as investidas de produtores que tentam desmantelar o acordo para poder expandir o plantio da oleaginosa no interior da floresta.
O Supremo Tribunal Federal está julgando separadamente três casos que questionam projetos de lei estaduais, promovidos por grupos de agricultores, as quais retiram bilhões de dólares em benefícios fiscais de empresas que participem da Moratória.
Em um parecer formal perante o STF, a Advocacia Geral da União expressou apoio ao pacto.
Paralelamente, em uma ação ajuizada em 2024 pela Aprosoja de Mato Grosso, um juiz de São Paulo autorizou quebras de sigilos telemáticos de dois diretores da Anec, que representa os exportadores de grãos, e de dois da Abiove, que representa os esmagadores de soja, de acordo com quatro pessoas a par do assunto.
A ação foi movida com o objetivo de produzir "provas antecipadas" contra os participantes da Moratória da Soja antes de a Aprosoja entrar com outro processo, no qual pede R$1 bilhão em danos por perdas supostamente incorridas pelos agricultores devido ao acordo.
A Anec disse em um comunicado que recorreu da decisão que autorizava o acesso às comunicações privadas de um de seus executivos, bem como fez recurso contra o compartilhamento dos dados com o Cade.
O Cade e a Abiove não quiseram comentar.
A Aprosoja, associação de produtores no Brasil, sustenta que a Moratória é ilegal, dizendo que as empresas operam como um cartel de compras.
(Reportagem de Ana Mano e Manuela Andreoni)