Completamos 100 dias de governo. Geralmente este é um período no qual o Congresso e a sociedade dão um prazo, um “voto de confiança”, para que o governo organize suas bases, “azeite a máquina” e comece a governar de fato. É uma espécie de “lua de mel”, em que o governo mostra “a que veio”, anunciando seus objetivos para os quatro anos de mandato. Este, aliás, é um ponto a ser salientado. Geralmente, em início de mandato, as políticas econômicas, com destaque para fiscal e monetária, são mais austeras, o contrário acontecendo ao final do mandato quando, em função do ciclo político, se tornam mais frouxas, até para garantir a (re) eleição do candidato do governo.
Neste segundo mandato da presidente Dilma, no entanto, esta tal “lua de mel” não foi possível. Desde o início de janeiro, quando a presidente assumiu, vivemos um turbilhão de emoções, crises localizadas, embates com o PMDB, dificuldades do ministro da Fazenda em levar adiante suas medidas, além da piora contínua dos fundamentos econômicos. Na falta de uma melhor articulação política da equipe da presidente, o ministro Levy se tornou o “fiador” do governo junto ao mercado, indo ao Congresso negociar com os presidentes do PMDB no Senado e na Câmara algumas das medidas anunciadas. Isto, aliás, é algo inédito. Ao que parece, o ministro Levy acabou tendo que assumir as negociações já que a presidente e sua equipe ou não mostraram competência para tal, ou mantiveram “certo distanciamento crítico”, dados os efeitos recessivos destas medidas. Eximiram-se, portanto, por completo do desgaste político, deixando-o com o ministro.
Sobre as medidas, foram variadas, anunciadas antes do início do mandato e ao longo do primeiro trimestre. Antes, buscou-se mudanças nos benefícios previdenciários (economia de R$ 18 bilhões), corte de aportes do Tesouro aos bancos públicos (redução dos subsídios ao crédito), aumento da TJLP (a 6%), dentre outras. Depois, ao longo do primeiro trimestre, foram anunciados o fim dos aportes à Conta de Desenvolvimento Energético (R$ 9 bilhões), adotadas medidas de elevação de impostos e alíquotas (em torno de R$ 22,6 bilhões), contingenciamento de despesas de custeio e investimentos nos ministérios (em torno de R$ 57 bilhões), corte de investimentos do PAC e redução das desonerações sobre folha de pagamentos.
Em paralelo, foi adotado um forte realinhamento de preços relativos, com correções nos preços administrados (energia elétrica, na média, reajustada em 36% neste ano) e câmbio depreciado (em torno de 15%). De certa forma, estas mudanças acabaram representando um resgate do desgastado tripé de política econômica – câmbio flutuante, metas de inflação e esforço fiscal – tão abandonado no primeiro mandato.
Sobre o desdobramento das medidas, algumas ainda estão em negociação no Congresso, outras já em vigor. Nas primeiras: (1) “readequação” dos benefícios previdenciários em negociação, dificilmente gerando a economia prevista, de R$ 18 bilhões, e (2) elevação das alíquotas de contribuição previdenciária sobre o faturamento (1% para 2,5% e 2% para 4,5%) também havendo “correções”. Sobre às já em vigor, destaque para as elevações de impostos, como IPI para cosméticos e bebidas frias, IOF para mercado de crédito, PIS Cofins para combustíveis, importados, etc. Previsões são de geração de caixa em torno de R$ 25 bilhões.
Em relação ao ajuste fiscal como um todo estimativas variam entre R$ 100 bilhões e R$ 110 bilhões neste ano, algo previsível diante do déficit de 0,6% do PIB fechado em 2014 e a meta de superávit primário para este ano, em torno de 1,2%. Dadas as dificuldades políticas, ao que parece, este ajuste deve ser o “possível dentro das atuais circunstâncias”. Esta Consultoria prevê algo entre 0,7% e 0,8% do PIB.
Neste período, lembremos também que os ativos se volatilizaram em alguns momentos, com o dólar chegando a R$ 3,29, o risco país próximo a 324 pontos básicos (27/3), o juro futuro “curto” próximo a 13% e a bolsa de valores oscilando entre 48 mil e 52 mil pontos. Mais recentemente, no entanto, diante dos avanços obtidos por Levy nas negociações em torno das medidas e o apoio “velado” da presidente, o mercado deu uma acalmada, com o dólar recuando a R$ 3,05 e a bolsa “testando” 54 mil pontos.
Este melhor ânimo, inclusive, se manteve mesmo depois do comunicado da Fitch na quinta-feira passada (dia 9), quando a agência manteve o rating do País em BBB e nos colocou em perspectiva negativa. A justificar isto, “o contínuo e fraco desempenho da economia, o aumento do desequilíbrio macro, a deterioração fiscal e o aumento do endividamento”. Há algumas semanas, a Standard & Poor’s já havia anunciado a manutenção do rating do País, depois de tê-lo rebaixado em março de 2014. Resolveu, portanto, dar um voto de confiança ao ajuste em curso do ministro Levy.
O fato é que há uma expectativa no ar, com os investidores no aguardo dos efeitos das medidas fiscais e a reversão de expectativas com o retorno do animal spirits dos empresários. Caso o ministro Levy não consiga avançar nestes ajustes, inevitável será o rebaixamento do rating soberano. Muitos acham que este voto de confiança das agências vai até o final do ano.
Por outro lado, caso o ajuste fiscal seja eficaz, deve provocar, num primeiro momento, um aprofundamento da piora na economia, para depois ensejar numa melhora da confiança dos agentes e a recuperação dos principais indicadores. Muitos, inclusive, acham complicado um ajuste fiscal realizado com a economia em recessão. Sobre a evolução dos indicadores econômicos nestes 100 dias, chama atenção a piora da maioria (ver tabela ao fim).
Enfim, a virada de ânimo dos agentes, neste cenário de “terra arrasada”, não será uma tarefa nada fácil, nem rápida ou indolor. Teremos uma dura fase de provações ao longo deste ano.