Não deixa de ser uma ironia o fato de eu ter planejado esta coluna há alguns dias e começado a escrevê-la ontem, pois as preocupações que abordarei a seguir têm estreita correlação com a última notícia de que a Fitch rebaixou a nota de crédito de longo prazo dos EUA de AAA para AA+. A decisão coincide com a da S&P, enquanto a Moody’s ainda mantém seu rating AAA.
Antes de prosseguir, quero enfatizar que minha preocupação não é propriamente com a possibilidade de os EUA deixarem de honrar seus títulos, no sentido clássico de dar um calote. Um governo capaz de imprimir a moeda na qual seus títulos são denominados não pode ser forçado a dar um calote, já que pode imprimir os juros e o principal.
No entanto, essa ação poderia causar uma grande onda inflacionária, o que, em certo sentido, significaria um calote em relação ao valor da moeda. Não podemos negar que, em alguns casos, a dívida pode ficar tão grande que imprimir uma solução se torna inviável, a ponto de o país preferir o caminho do calote, para não prejudicar a população em geral, deixando as consequências diretas para os detentores dos títulos. Contudo, quero acreditar que esse não é o cenário atual ou provável nesta década.
Agora, vamos voltar ao assunto que pretendia abordar.
Estou preocupado com três tendências gerais que se inter-relacionam:
- Os déficits federais, além de enormes, não param de crescer (novamente).
- O debate em torno da repatriação da produção para os EUA.
- A redução do balanço do Federal Reserve.
À primeira vista, duas dessas três tendências são inquestionavelmente positivas. A menor influência do Federal Reserve nos mercados de dívida é algo positivo, e o retorno da produção para os EUA reduz riscos de perturbação econômica e gera empregos de alto valor agregado. No entanto, estou preocupado com a maneira como essas tendências interagem.
Mais especificamente, o que me intriga é saber de onde virá o dinheiro para financiar o déficit federal. Já tratei disso anteriormente. Em poucas palavras, quando o governo gasta mais do que arrecada, o saldo deve vir de poupadores domésticos ou estrangeiros. Os "poupadores estrangeiros" obtêm seus dólares através do nosso déficit comercial (enviamos mais dólares a eles do que recebemos, e eles precisam investir esse dinheiro de alguma forma). A julgar pelo fluxo do déficit comercial, podemos ter uma ideia bastante clara desse lado da equação. No lado doméstico, a poupança vem principalmente de indivíduos e, nos últimos 15 anos ou mais, também do Federal Reserve. Essa é a razão pela qual estas duas linhas se movem de forma bastante correlacionada.
Note no gráfico apresentado que a linha vermelha evoluiu de um valor negativo expressivo para quase uma linha reta. O déficit comercial diminuiu aproximadamente um trilhão desde o último ano, e o balanço patrimonial do Fed também reduziu em cerca de 800 bilhões ou mais. No entanto, o déficit federal, após uma melhora temporária, está voltando a crescer, mesmo com a economia em expansão, o que cria uma divergência entre essas linhas. Essa situação deve-se, em parte, à atual tendência de taxas de juros elevadas, que podem fazer com que fique ainda mais caro rolar a dívida:
O problema no gráfico é a lacuna que está se desenvolvendo entre essas duas linhas. Essa diferença representa o valor que os poupadores domésticos privados precisam cobrir. Se você não está vendendo seus títulos para o Fed nem para investidores estrangeiros com dólares, precisa vendê-los para investidores domésticos que têm dólares. De fato, a poupança doméstica aumentou levemente no último ano, especialmente com a injeção de dinheiro durante a covid, convenientemente usada para a venda de títulos pelo governo.
Aqui está o cerne da questão.
Nada leva a crer que a tendência persistente de grandes déficits federais mudará no futuro próximo. E a insistência em repatriar a produção para os EUA parece estar se fortalecendo. Uma das consequências dessa repatriação é a redução do déficit comercial, já que estaremos vendendo mais para o exterior e comprando mais produção doméstica. Isso significa menos dólares disponíveis para investidores estrangeiros. Enquanto isso, o Fed continua reduzindo seu balanço.
Isso implica que precisamos dos poupadores domésticos para comprar cada vez mais títulos do Tesouro para cobrir a diferença. A maneira de incentivar os poupadores domésticos a investir ainda mais dinheiro em títulos do Tesouro é aumentar as taxas de juros, especialmente considerando a persistência da inflação. No entanto, o direcionamento da poupança privada para a dívida do Tesouro, em detrimento de outras opções de investimento, pode acelerar uma recessão.
Não é a recessão que me preocupa, pois ela faz parte do ciclo econômico. O que me preocupa é a instabilidade. A forma como os grandes déficits do governo federal, a venda de ativos pelo Fed e a tendência de repatriar produção estão interagindo pode criar a necessidade de atrair os poupadores domésticos com taxas de juros mais altas, aumentando assim o custo dos juros da dívida e ampliando o déficit.
Existem espirais convergentes e espirais divergentes. Se estivermos em uma espiral convergente, podemos ver taxas de juros mais altas do que o esperado, as quais eventualmente se estabilizarão. Se for uma espiral divergente, os aumentos das taxas de juros podem se tornar desordenados, forçando o Fed a parar de vender e a começar a "poupar" novamente, o que poderia alimentar a inflação.
Nada do que tratei acima é garantido, mas como gestor de investimentos, sou pago para me preocupar. Parece que essas três grandes tendências macroeconômicas não são compatíveis com taxas de juros estáveis, razão pela qual algo terá de mudar.
Um efeito disso tudo foi a classificação de risco da dívida soberana do país. A decisão da Fitch me parece sensata, mesmo que essa não fosse a intenção original deste artigo.