No artigo anterior, comentamos sobre os desafios do setor das companhias aéreas frente à pandemia de Covid-19. O assunto, inclusive, voltou a receber atenção no início desta semana após o bilionário norte-americano Warren Buffet dizer, durante sua reunião anual, que as mudanças para o setor podem ser permanentes. Essa mudança de “percepção” do setor levou as subsidiárias da Berkshire a venderem mais de US$ 74 milhões entre as ações da Delta Air Lines (NYSE:DAL) e Southwest (NYSE:LUV).
Agora, voltamos a falar do setor imobiliário, culturalmente visto como uma das opções mais “seguras” de investimentos no longo prazo e classificado como atividade econômica essencial. Em tese, o impacto do coronavírus deveria ser entre pequeno e moderado já que boa parte dos canteiros de obras seguem funcionando durante a pandemia. Porém, as medidas de prevenção contra a disseminação do Covid-19 têm um efeito negativo no andamento dos projetos, que ainda não enfrentam o seu pior momento.
Para termos uma ideia do impacto sobre o setor, a primeira leitura é feita sobre o índice IMOB. Ele é composto pelas ações e units exclusivamente de companhias imobiliárias negociadas na B3 e já acumula queda de 44,70% nos primeiros meses do ano. Um recuo maior que a do Índice de Fundo de Investimentos Imobiliários, IFIX, hoje com queda acumulada de 19,34% no ano.
Boa parte dessa diferença está no entendimento de que, após a flexibilização do isolamento social, o comércio retornará à normalidade e estabilizará o segmento de locação, dando uma boa base aos Fundos Imobiliários que possuem maior liquidez. Já no segmento de vendas, sejam elas na planta ou acabado, o impacto da crise levará mais tempo para apresentar recuperação, expondo o maior desafio do segmento.
O desafio agora está no crédito, ou melhor, em sua liberação. Em períodos de crise, os bancos tendem a elevar os critérios de aprovação das linhas de crédito e aumentar o valor de entrada e taxa de juros, mesmo com o imóvel em garantia. Com o maior risco de inadimplência pela frente, “qualificar” os empréstimos é uma forma de diluir o risco de acabar com um grande estoque de imóveis de baixa liquidez. Um bom exemplo são os leilões de imóveis oriundos de distratos promovidos pelos Caixa Econômica Federal.
O forte aumento das provisões em PDDs apresentadas nos balanços dos bancos Itaú (SA:ITUB4) e Bradesco (SA:BBDC4) dão uma boa ideia dessa mudança. Na prática, quem busca investir no imóvel de tijolo terá entre as principais alternativas a Caixa Econômica Federal e as próprias construtoras que vierem a oferecer a opção. O cenário de crise também expõe o principal risco do imóvel físico, a baixa liquidez e a venda com deflação do valor de mercado.
Entretanto, existem exceções. A demanda no MCMV, por exemplo, se manteve forte durante a crise e as companhias performaram muito melhor que seus pares voltados para média e alta renda. Porém, com o aumento dos investimentos em saúde, o orçamento do programa Minha Casa Minha Vida passa por redução, podendo impactar o segmento mais resiliente.
Um indicador que demonstra essa diferença entre as construtoras, que ao contrário de outros setores em que se costuma utilizar a dívida líquida dividida pelo Ebitda, é o de dívida líquida sobre o patrimônio líquido. Como você pode conferir abaixo:
Por causa dos efeitos da pandemia – especialmente do potencial impacto no mercado de crédito –, liquidez se torna algo fundamental. Então, Eztec (SA:EZTC3) e Trisul (SA:TRIS3), que têm caixas maiores que as dívidas totais (por isso a barrinha está negativa), saem muito na frente das demais. Mas, é importante esclarecer que o caixa da Trisul é consequência do menor número de lançamentos. Vale frisar que estas não são recomendações.
O fato é que o setor ainda deve apresentar piora em seus números no próximo trimestre e um aumento de estoque, comprometendo o caixa das construtoras, muito parecido com o que aconteceu na crise econômica de 2009.