A confiança do consumidor nos Estados Unidos registrou em maio sua quinta queda consecutiva, atingindo 50,8 pontos, baseado no índice da Universidade de Michigan, o segundo menor patamar já anotado na série histórica. Esse recuo foi impulsionado, sobretudo, pelas preocupações com o desdobramento das tarifas comerciais, que vêm comprimindo as expectativas de inflação e corroendo o otimismo dos lares americanos - cerca de 75% dos entrevistados mencionaram as tarifas, sem estímulo dos pesquisadores, percentual que saltou de 60% em abril.
Sob essa nuvem de incerteza, o índice de expectativas de inflação de curto prazo subiu para 7,3% ao ano - valor que não se via desde o início dos anos 1980 - e, mesmo que o “IPCA” americano tenha desacelerado para 2,3%, a distância entre percepção e realidade se amplia, forçando famílias a postergarem decisões de consumo e investimentos em bens duráveis. Tanto é que as vendas de bens duráveis caíram 3,4% no primeiro trimestre, reflexo dessa cautela, e a criação de empregos desacelerou, com apenas 62 mil vagas geradas em abril, número muito aquém do comportamento historicamente sólido do mercado de trabalho norte-americano.
No mesmo período, a guerra comercial e a volatilidade de abril agregaram um componente extra de tensão aos mercados globais: o “Dia da Libertação” de 3 de abril, quando tarifas em larga escala foram impostas pelo governo Trump, provocou quedas agressivas nos principais índices de ações. Em um só dia, o S&P 500 despencou quase 5%, o Dow Jones perdeu mais de 1.600 pontos e o Nasdaq recuou quase 6%, em um movimento que se repetiu no dia seguinte, totalizando perdas próximas de 10% em dois pregões - o pior início de declínio desde a “Segunda-Feira Negra” de 2020.
O efeito dominó se espalhou rapidamente. Países emergentes sofreram fuga de capitais, pressionando moedas locais e obrigando bancos centrais a intervir ou elevar juros de forma abrupta. No Brasil, por exemplo, a Selic, que já havia atingido 14,75%, encontrou nova justificativa para permanecer em níveis elevados, alimentando o ciclo do aperto monetário. Essa rigidez dos juros, por sua vez, freia o crédito interno e retarda decisões de investimento em infraestrutura, indústria e varejo, criando um ambiente de baixo crescimento e elevado custo de financiamento.
Entretanto, paradoxalmente, é justamente nesse quadro de adversidade que se abrem oportunidades para quem consegue ler os sinais com antecedência. A desaceleração do consumo nos EUA e a correção forçada dos preços de ativos elevam o prêmio de risco em segmentos supervalorizados, como tecnologia e imóveis residenciais, enquanto setores defensivos - saúde, utilidades públicas e infraestrutura crítica - passam a oferecer valuation mais atraente. Fundos de dividendos, por exemplo, tendem a brilhar num ciclo de juros altos, pois empresas robustas e geradoras de caixa repartem ganhos de forma consistente, servindo de escudo contra a volatilidade.
Além disso, o resfriamento da demanda americana pode aliviar pressões sobre commodities agrícolas e energéticas, beneficiando economias exportadoras cujo câmbio permaneceu competitivo. Há espaço para reavaliação de estoques e renegociações de contratos de longo prazo em dólar, particularmente em setores de alimentos, minerais e logística. Investidores atentos podem estruturar operações de hedge cruzado - combinando posições compradas em papéis de países com superávit comercial e vendidas em economias pressionadas - para proteger portfólios contra choques assimétricos.
No âmbito corporativo, empresas multinacionais com cadeias de suprimentos diversificadas têm agora a chance de renegociar custos com fornecedores de países que, devido às tarifas, ficaram mais caros. A adoção de soluções de nearshoring - aproximando partes críticas da cadeia para regiões menos sujeitas a disputas tarifárias - ganha força como estratégia não apenas de redução de custos logísticos, mas também de gestão de risco geopolítico. Essas realocações, embora onerosas no curto prazo, elevam a resiliência operacional e podem gerar ganhos de eficiência no médio prazo.
Socialmente, a retração do consumo nos EUA e a alta de juros globais tendem a frear a inflação importada que, até então, vinha corroendo o poder de compra das classes médias em várias economias. A esperança é que, com menores pressões externas, bancos centrais possam retomar ciclos de afrouxamento monetário de forma responsável - convertendo a eventual queda de juros em estímulos para infraestrutura, pesquisa e desenvolvimento e políticas de bem-estar social. Em países emergentes, esse alívio, combinado com reformas fiscais bem-sucedidas, poderia catalisar um novo ciclo de crescimento equilibrado.
Por fim, vale destacar que crise também é oportunidade de renovação: investidores que entenderem o novo patamar de volatilidade e adotarem práticas de diversificação geográfica e setorial estarão mais bem posicionados para surfar o próximo ciclo de expansão. Aqueles que insistirem em replicar estratégias do passado, ignorando o novo ambiente de juros altos e protecionismo comercial, correm o risco de sofrer “vitórias de Pirro” - ganhos ilusórios que se desvanecem assim que as condições mudam.
Portanto, o recuo na confiança do consumidor americano em maio e as turbulências de abril no mercado global não são apenas indicadores de uma desaceleração temporária. São sintomas de uma transição ampla: de uma era de liquidez abundante para um regime de maior disciplina de preços e riscos. Adaptar-se a essa realidade é imperativo para empresas, investidores e formuladores de políticas que desejam não apenas sobreviver, mas prosperar no novo tabuleiro da economia internacional.