No mercado de commodities não é raro usarmos o termo “atípico” para determinado movimento ou comportamento do mercado, como as desvalorizações do boi gordo em plena entressafra, vistas neste ano.
O foco desta seção é o agronegócio, com suas commodities, mas com a influência do petróleo sobre o milho (via etanol), do gás sobre o nitrogênio e os custos de grãos, destes sobre a inflação (diretamente ou via proteínas) a coisa toda acaba se misturando.
A verdade é que o “ano típico” basicamente só existe na média dos anos, em alguma planilha. Para a maioria das variáveis, ele (“o ano típico”) não é observado em nenhum dos anos reais. Ainda assim, usamos essas movimentações médias como referências simplesmente porque precisamos de alguma, ainda que sabidamente imperfeita.
Voltando um pouco, em 2020 tivemos o início da pandemia, que dispensa apresentações, mas como a pecuária vinha em uma fase de forte retenção de fêmeas (menor oferta) e de demanda chinesa em alta, o impacto no setor foi menor.
Naquela época, em um primeiro momento, o mundo esperou a deflação, mas o que ocorreu foi um cenário inflacionário forte, em resposta ao qual o Brasil elevou as taxas de juros antes da maioria dos países. Em 2021, com a vacinação contra Covid-19, a questão sanitária foi se acalmando. Por outro lado, na pecuária casos de vaca louca atípicos fizeram com que o Brasil suspendesse as vendas ao nosso maior cliente, a China, e essa demorou para permitir que os embarques fossem retomados.
Passada essa questão, começamos 2022 esperando um acréscimo da oferta de gado pelos anos anteriores, de retenção de fêmeas, mas com a boa demanda chinesa e a economia doméstica melhorando, era possível que o mercado trabalhasse com alguma sustentação nominal.
Hoje sabemos que a associação de oferta maior de gado (descarte de fêmeas) a uma indústria mais programada, com o termo feito em 2022 pelo pecuarista que ficou sem escala na reta final de 2021, foi suficiente para pressionar fortemente o mercado do boi gordo, mesmo com os recordes de exportação registrados. Mas voltemos ao começo do ano.
Ainda estamos no começo de 2022 e a Rússia inicia a guerra a Ucrânia, na origem de boa parte do cloreto de potássio do mundo (Rússia e Belarus, juntamente com o Canadá), sem contar a relevância da região para milho, trigo, petróleo e gás natural, esses dois últimos impactando o óleo de soja e os fertilizantes nitrogenados, respectivamente. A inflação, que já estava presente mundo afora, ganhou força, trazendo mais juros e depondo contra o crescimento esperado para 2023, o que vai impactar a demanda. Entrou em cena no primeiro semestre a preocupação com a disponibilidade de fertilizantes.
Ao longo do ano tivemos uma eleição complicada e a equipe de governo que tem sido montada gera, no mínimo, receio (para ser extremamente sutil no termo), quanto às políticas econômicas que estão por vir. Aqui há muita dúvida, mas o cenário mais provável parece ser de mais inflação e juros, ambos ruins para a demanda, mas pensando em commodities, com algum benefício cambial para exportações.
Pensando em fatores naturais, o cenário também não foi simples. Tivemos mais um ano de La Niña, o que impactou a safra de verão no hemisfério Sul, ainda antes do início da guerra. Mais recentemente, nos Estados Unidos, a safra 2022/23 de milho (já colhida) foi cerca de 30 milhões de toneladas menor que a anterior, com a dificuldade adicional relacionada ao nível do rio Mississipi atrapalhando a logística.
Na Europa, a seca e o calor historicamente altos também impactaram as safras, sem contar a situação incerta na Ucrânia, tanto na época da produção, como agora no escoamento dos grãos.
E para 2023?
Com o exposto acima, fica claro que não temos a pretensão de passar a imagem de ter bola de cristal, mas seguem algumas considerações.
Na pecuária esperamos um ano de maior oferta de gado, pelos investimentos na atividade nos últimos anos, e com a demanda externa provavelmente positiva. No mercado doméstico, a evolução do malabarismo fiscal e seu impacto sobre juros, câmbio e inflação estão no foco. Quanto ao câmbio, esse pode colaborar com os embarques.
Para a produção de grãos 2022/23, as atenções estão voltadas à safra na Argentina e no Sul do Brasil, para o curto prazo.
Olhando um pouco mais à frente, as previsões já começam a trazer o El Niño à cena, adicionando risco a 2023, que vai ter um câmbio “sabe-se lá” em que patamar.
Resumindo, o certo é que será mais um ano “atípico”, como os outros.