Enquanto os mercados celebram o alívio trazido pela menor percepção de choque econômico via tarifas, um novo risco começa a se formar silenciosamente: o impacto recessivo de um choque fiscal.
Como detalhado a seguir, e aprofundado no vídeo ao fim do artigo, a economia dos EUA pode sofrer uma desaceleração relevante em função da política fiscal, com potencial de provocar uma recessão até o final de 2025.
Déficit recorde em pleno emprego
No encerramento do 1º trimestre de 2025, o déficit fiscal dos EUA atingiu 7,0% do PIB, em termos anualizados, patamar inédito em tempos de paz e com mercado de trabalho aquecido. Há consenso entre analistas de que esse desequilíbrio é insustentável no médio prazo.
Corrigir esse desequilíbrio exigirá medidas que, no curto prazo, devem penalizar o crescimento, algo que os mercados podem acabar assimilando da pior forma ao longo do ano.
Por uma combinação de inércia legislativa, decisões executivas e novas propostas de corte, forma-se um cenário com potencial para gerar um impacto fiscal negativo relevante.
Impacto fiscal já em curso
Mesmo sem novas medidas, a economia já enfrenta ventos contrários. Segundo o Fiscal Impact Measure do Hutchins Center, o arrefecimento do crescimento do déficit, em relação ao PIB nominal, reduziu o crescimento em 0,63 ponto percentual no 1º trimestre. A projeção é de que esse efeito se intensifique, alcançando -1,4% no 2º trimestre.
Importante: isso não implica queda nominal no déficit, mas sim um crescimento inferior ao dos demais componentes do PIB. O resultado é um arrasto negativo sobre a atividade econômica.
Austeridade executiva: cortes e tarifas
Além dos efeitos herdados do orçamento anterior, a atual administração já implementa medidas adicionais de contração fiscal:
- Cortes via DOGE: O Department of Government Efficiency promoveu cortes em diversas agências. Programas como o USAID foram extintos ou reformulados, e o governo lançou um programa voluntário de aposentadoria antecipada que teve ampla adesão. Apesar de DOGE projetar economias de US$170 bilhões, a estimativa conservadora aponta para um corte anualizado de US$100 bilhões em 2025.
- Tarifas: Um imposto universal de 10% sobre importações, aliado a tarifas direcionadas a setores estratégicos, deve gerar US$200 bilhões em receita. Embora melhore o saldo fiscal, a medida enfraquece a demanda doméstica e a competitividade externa.
Juntas, essas ações representam um aperto fiscal de cerca de US$300 bilhões ao ano — o que equivale a uma redução de 15% no déficit público, em termos anualizados.
Orçamento de 2026: dor antecipada
O orçamento aprovado pelo Congresso para o ano fiscal de 2026 (início em outubro de 2025) ainda não entrou em vigor, mas o “Skinny Budget” apresentado pelo Executivo já sinaliza cortes profundos em áreas não relacionadas à defesa, como meio ambiente, educação, habitação e ajuda internacional, com economias estimadas em US$163 bilhões.
Aumentos nos orçamentos de defesa e segurança interna devem ser postergados para coincidir com as eleições legislativas de meio de mandato, o que acentua o caráter “antecipado” dos cortes neste ano.
Apesar da expectativa de alívio tributário no novo orçamento, seus efeitos só serão percebidos a partir de abril de 2026. Em contraste, o impacto das tarifas será integralmente sentido ainda em 2025. A ele se somam medidas que afetam as universidades e organizações sem fins lucrativos, como a tributação sobre fundos patrimoniais, que mesmo entrando em vigor apenas em 2026, já afetam o planejamento orçamentário dessas instituições.
Há fatores compensatórios?
Alguns analistas sugerem que o consumo, o investimento privado ou o comércio exterior poderiam mitigar os impactos fiscais. Mas os dados disponíveis indicam o oposto:
- Consumo: desacelerou no 1º trimestre e os indicadores de confiança, como o índice da Universidade de Michigan, mostram forte deterioração.
- Investimento: embora parte da demanda por máquinas e equipamentos tenha sido antecipada para o início do ano, espera-se fraqueza no restante de 2025. O investimento residencial segue pressionado por juros elevados e excesso de oferta. Mesmo os anúncios de grandes projetos por multinacionais são vistos com ceticismo.
- Comércio exterior: tarifas podem reduzir importações e, tecnicamente, elevar o PIB. Mas, na prática, isso reduz a atividade dos setores ligados a essas importações, como logística, marketing e varejo. Ao mesmo tempo, a retaliação externa reduz a demanda global por produtos dos EUA.
Risco de recessão é concreto
Somando os fatores, estima-se que o impacto fiscal total para o segundo semestre de 2025 será de -3,3% do PIB (anualizado), composto por:
- -1,3% decorrente do arrefecimento do crescimento do déficit;
- -2,0% proveniente da austeridade antecipada (cortes e tarifas).
Num cenário de pleno emprego e com crescimento potencial estimado em 2%, essa contração é severa e pode provocar recessão. A menos que o consumo, o investimento ou as exportações surpreendam positivamente — o que parece improvável — a recessão se torna o cenário base.
Implicações para o mercado
Até aqui, o mercado acionário tem refletido otimismo com o crescimento e os lucros corporativos. Os valuations, especialmente das chamadas “7 Magníficas”, estão ancoradas em projeções robustas de resultados. Caso se confirme uma recessão, essas expectativas devem ser frustradas.
Índices como o S&P 500 e o Dow Jones, sustentados por múltiplos elevados, mostram-se vulneráveis. Um ciclo recessivo poderá levá-los a romper mínimas recentes e entrar em território de mercado baixista.
Considerações finais
O conjunto de medidas adotadas — cortes de gastos, elevação de tarifas e contenção orçamentária — configura um choque fiscal com possível transtorno para a economia americana. Por ser um risco pouco precificado, pode abrir oportunidades para estratégias ativas de investimento.