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BrasilAgro (AGRO3) e a compra de terras por estrangeiros

Publicado 22.03.2023, 12:17
SI
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AGRO3
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A América do Sul é um dos lugares mais abençoados por Deus e complicado pelos homens neste mundo. Temos deserto, Amazônia, “el chaco” e montanhas.

Com tantos biomas e terras férteis, é natural que alguns países da região estejam entre os destaques das produções agropecuárias do globo. Neste caso, Brasil e Argentina são dois dos principais players, principalmente em relação a grãos, pecuária e cana-de-açúcar (dados da USDA).

Geralmente, as empresas locais costumam explorar terras de seus próprios países. Motivos não faltam: a legislação já é conhecida, os dados são mais fáceis de conseguir, a moeda é a mesma e ainda têm muitas terras a se explorar, principalmente no caso do Brasil.

A Terra dos Papagaios (que era como os primeiros portugueses nos chamavam) atualmente possui pouco mais de 850 milhões de hectares, sendo 2/3 deles destinados exclusivamente a proteção ambiental. Apesar de parecer muito (porque é muito mesmo!) ainda sobram mais de 250 milhões de hectares possíveis para investimento por parte do agronegócio. Aliás, desse total para investimento, menos de 1% é de propriedade das principais empresas brasileiras do setor. Ou seja, há espaço para crescer.

Mas existem empresas do Brasil que resolvem se aventurar pelas terras de nossos vizinhos latinos, como a BrasilAgro (carinhosamente chamada de AGRO3, que é seu código na bolsa). Atualmente, eles possuem terras em 6 estados brasileiros (MA, PI, BA, MG, GO e MT) e em 2 países vizinhos, Bolívia e Paraguai. Um portfólio de mais de 275 mil hectares (mais de 2 vezes a área da cidade do Rio de Janeiro).

Fonte: FRE BrasilAgro

Isso levanta uma curiosidade: como é a regulação da compra de terras, por estrangeiros, nos países da América do Sul? É fácil ou nem pode? Quais os riscos? Realmente não se morre de tédio “en latinoamerica”? Bora conversar um pouco sobre isso trazendo exemplo do Brasil e de 3 vizinhos.

Vamos começar pelas terras tupiniquins. A lei que regula a compra de terras por parte de estrangeiros é a Lei nº 5.709/1971, ou seja, a lei tem mais de 50 anos! Mais velha que a própria Constituição Federal.

As restrições são as seguintes: as áreas agrícolas pertencentes a um grupo estrangeiro não devem ser mais que 25% da superfície do município, ao mesmo tempo que desses 25%, 40% não pode pertencer ao um grupo de mesma nacionalidade. Multiplicando as porcentagens, temos que estrangeiros de mesma nacionalidade podem deter apenas 10% da área de um município, no máximo.

Gráfico, Gráfico de cascata

Descrição gerada automaticamente

Até aí tudo bem, já que a AGRO3 foi fundada no Brasil e tem sede em São Paulo. O problema foi o Parecer AGU LA 01/2010 da Advocacia-Geral da União, aprovado em agosto de 2010.

Esse parecer equiparou as empresas brasileiras que possuem a maioria do capital social com estrangeiros a uma empresa estrangeira. Ou seja, após esse entendimento, se uma empresa brasileira possui a maior parte de suas ações consolidada nas mãos de um estrangeiro (que podem influenciar no conselho, comandar assembleia, e por aí vai), essa empresa é equiparada a uma estrangeira.

No caso da BrasilAgro, a companhia argentina CRESUD, que é um dos membros fundadores, detinha 38,25% das ações em 31/12/2022, se consolidando como o maior acionista. Isso faz com que a AGRO3 possa ter certo problemas com os órgãos competentes. Mas, relembrando que a empresa é brasileira e ainda não registrou casos de impedimento de compra de terras por conta desta regulação.

Vamos agora aos nossos amigos do outro lado da Ponte da Amizade: O Paraguai. A legislação de lá tem uma prática comum a muitos de nossos vizinhos. Funciona assim: é criada uma faixa de 50 km de largura paralela às fronteiras, dentro de todo território. Dentro dessa faixa, nenhum estrangeiro de país vizinho (incluindo empresas majoritariamente estrangeiras) podem comprar terras ali. Isso é regulado pela Lei 2532, de fevereiro de 2005.

Só que aqui tem 2 situações que a lei dá uma aliviada: O estrangeiro de país vizinho que está radicado no Paraguai há mais de 10 anos pode comprar terras nessa faixa, assim como também pode receber como herança. A outra situação é quando o Poder Executivo paraguaio autorizar, caso essa compra seja de interesse público.

Texto, Carta

Descrição gerada automaticamente

A parte boa de se ter uma fazenda paraguaia é o menor custo das terras, uma lei mais branda em relação aos defensivos agrícolas e a dolarização da economia, o que facilita as importações de maquinários e insumos. A parte ruim é a questão das invasões de terras, que eram bem comuns nas fazendas.

Atualmente, boa parte das terras paraguaias estão localizadas no Chaco Paraguaio. Apesar dessa região ter diversos climas, o mais comum é um clima muito quente no verão e muito frio e seco no inverno, quase como um cerrado ou um oeste baiano que “habla”.

Para o caso Boliviano, a lógica da faixa de terra permanece. De acordo com a Lei 1715, de outubro de 96, estrangeiros não podem ter terras em faixa de fronteira de 50 Km, sob pena de expropriação da propriedade.

O maior problema na Bolívia, segundo relatos de produtores rurais brasileiros, é a insegurança jurídica, ainda mais com um tema tão sensível como uma reforma agrária.

Além da insegurança jurídica, existem relatos de invasões de terras motivadas por um discurso xenófobo contra brasileiros ali naquela região. Apesar disso, a BrasilAgro também tem terras lá na Bolívia, por meio de uma subsidiária local, a Acres del Sud, o que pode mitigar esse risco. Além disso, as terras ficam ali na região de Santa Cruz de la Sierra, mais central do país, onde há boa concentração de brasileiros. Até agora, tudo indica que a operação corre bem por lá.

Por fim, vamos trazer o caso de nossos hermanos. A legislação da Argentina mais recente em uso é a Lei 26.737 de Dezembro de 2011. A primeira coisa a se notar, é que o entendimento sobre pessoas jurídicas estrangeiras é parecido com o do Brasil: empresas constituídas no exterior ou no país, que possuam maioria percentual o suficiente para impor uma vontade social majoritária estrangeira.

Enfim, a regra geral diz que o limite para qualquer propriedade de domínio ou posse de terras por estrangeiros na Argentina é de 15%. Mas esse percentual não é somente para o território nacional como um todo, pois também vale para territórios de província, município ou entidade administrativa equivalente em que a propriedade rural está localizada. Como vimos ali em cima, no Brasil esse percentual é de 25%.

Desses 15%, o máximo que empresas estrangeiras de mesma nacionalidade podem ter é 30%. Fazendo as contas, a maior fatia de terra de um território local argentino que um grupo estrangeiros de mesma nacionalidade pode ter é de 4,5%. No Brasil, esse percentual é de 10%.

Além desses limites, estrangeiros não podem ser donos de terras com grandes e permanentes corpos d’água, nem em locais de zonas de segurança de fronteira.

Se mesmo com todas essas restrições, você ainda está interessado em comprar fazendas no país do Rio da Prata, basta acessar este link do governo Argentino para emitir seu certificado de autorização de aquisição de terras.

Demos poucos exemplos aqui de países (Brasil e 3 vizinhos), mas dá pra perceber quais possuem legislações mais bem desenvolvidas e complexas. A insegurança jurídica é comum a praticamente todos na América Latina, já que é uma característica dessa nossa região menos desenvolvida que alguns lugares do mundo.

De qualquer forma, dá pra ver que existem grandes desafios e complexidades para quem quiser ser uma empresa de terras multinacional, como a própria BrasilAgro. Aqui não é lidar somente com a diferença de economias, mas também de culturas, reformas agrárias com discursos potencialmente xenófobos, ecossistemas e climas muito diferentes.

A América Latina se desenvolve a um ritmo lento, mas ainda se desenvolve. Apesar das leis de compras de terras por estrangeiros estarem sendo debatidas novamente, e que a invasão de terras criminosas esteja voltando aos holofotes, é sempre bom ficar de olho no que acontece ao nosso redor no Cone Sul (gestão de riscos não faz mal a ninguém).

É como disse o velho sábio: “yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay”.

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