Ano perdido
Confesso que estou meio perdido nesta segunda-feira.
Acabamos de mudar de escritório e, sabe como é, os dois neurônios costumam entrar em conflito com um simples movimento na disposição da máquina de café...Muda a cor da grama e o cavalo não pasta.
Mas não posso me queixar das referências econômicas. Para facilitar a minha vida, o noticiário financeiro mantém tudo no seu devido lugar:
Lá fora: mercados tomam mais uma dose do seu anabolizante diário. Com corte de juros na China, a grande bolha infla um pouco mais, às custas de mais estímulos à liquidez.
Aqui dentro: deterioração adicional das perspectivas para a economia. Relatório Focus piora projeções dos agentes tanto para inflação (de 8,26% para 8,29%) quanto para a atividade econômica (de -1,18% para -1,20%).
Se bem que as manchetes preferem se apegar à melhora na projeção para o IPCA de 2016, de 5,60% para 5,51%...
Compreensível, afinal, infelizmente ninguém espera mais nada de 2015.
O que está mais longe?
Na seção “dejá vù” desta segunda-feira, voltamos um ano atrás, à projeção para o IPCA de 2015 que constava no relatório Focus da primeira semana de maio de 2014...
Fonte: Banco Central
Um ano atrás, o relatório Focus indicava inflação de 6,0% para este ano...
A mesma que, agora, está em 8,3%, e subindo.
Isso ajuda a explicar porque o Banco Central agora tenta recuperar a sua credibilidade.
E porque devemos comemorar a melhora na projeção para o IPCA do ano que vem com bastante moderação.
O que estará mais longe?
a) a projeção atual do relatório Focus para o IPCA efetivo do ano que vem?
ou
b) a projeção atual do Focus para o IPCA de 2016 (5,51%) em relação ao centro da meta de inflação (4,5%)?
Como explicar isto?
Em entrevista ao Valor Econômico, Marcelo Kayath, diretor de renda fixa e variável do banco suíço Credit Suisse para a América Latina afirmou o seguinte:
“O movimento da Bolsa foi um pouco forte demais para o tipo de fundamentos que temos daqui até o fim do ano. Os resultados das companhias não justificam a Bolsa onde ela está. Para mim, Bolsa é percepção, é fluxo, mas no final do dia e principalmente em prazos mais longos, tem que refletir os fundamentos do País e das companhias, ou seja, lucro.”
É no mínimo curioso o fato de o rali recente da Bolsa brasileira ter sido escorado na disparada das ações de Vale e Petrobras, que, juntas, acabam de divulgar um prejuízo trimestral de
Mais do que a posição do banheiro ou do café, incomoda o fato de o rali da Bolsa ter sido puxado, justamente, pelos dois principais prejuízos registrados em anos, de Vale (- R$ 10 bilhões no 1T15) e Petrobras (- R$ 26 bilhões no 4T14).
Parece incomodar também ao Kayath e ao gestor Luís Stuhlberger, que, citando os valuations esticados, acaba de reduzir a sua exposição já baixa à Bolsa brasileira a praticamente zero.
A alforria da Vale
Poxa, mas você não gosta das ações da Vale?
Sim, belíssima empresa. E continuo vendo um abismo entre a qualidade operacional, a governança corporativa, a situação da estrutura de capitais, e a posição de mercado da Vale (formadora de preços) em relação à da Petro (tomadora de preços).
Agora, alta de mais de 30% em um mês é algo para se atentar, especialmente em um ano em que o reconhecimento de prejuízos contábeis tende a atrapalhar a visilbilidade do valuation das ações.
Antepasto delicioso
Receita da antiga gestão Arno Augustin e Guido Mantega, os itens extraordinários e não recorrentes seguem como uma condição sine qua non para o governo fechar as contas.
Desta vez, o extraordinário na manga de Joaquim Levy é o IPO da Caixa Seguridade.
Abrindo o capital da subsidiária de seguros, ele segue o modelo bem sucedido do IPO da unidade de seguros do Banco do Brasil, levanta dinheiro junto ao mercado e de quebra minimiza críticas de que estaria privatizando um dos “patrimônios nacionais”, a Caixa, mas uma mera subsidiária do banco...
O IPO salvador da pátria (e do ajuste fiscal) está previsto para novembro, se as condições de mercado permitirem...
Para não queimar cartucho, e botar tudo a perder, até lá o Governo deve testar o apetite do público com um outro IPO, do Instituto de Resseguros do Brasil, e já aproveita para levantar mais uns troquinhos.
Agora, sabe aquele restaurante em que o couvert é mais gostoso do que o prato principal?