Indiretamente o fluxo de generosos recursos providos pelo governo é o promotor do consumo que repercute na demanda do comércio e consequentemente desagua em pedidos à indústria.
Este é o cenário e o dilema maior e um verdadeiro “corner” para o poder central, pois há incontestável risco de a interrupção do suprimento deste poder de consumo à população carente promover a retração imediata dos sinais iniciais de recuperação do comércio e da indústria, e então, podendo ser revelado que à atividade econômica estará tendente ao “voo da galinha”.
O país tem uma situação fiscal bastante deteriorada e sem fontes de financiamento ao expressivo déficit e precisa “reinventar-se imediatamente” para não entrar num marasmo e num desalento, ou então “estourar” o teto orçamentário e piorar em muito as perspectivas, restando tão somente a “velha política” de socializar, mais uma vez, a solução do caos com a elevação da carga tributária.
Privatizações seriam altamente relevantes para suprir o caixa governamental, mas ao que parece o governo não consegue ou não tem muito empenho ou até mesmo falta vontade política generalizada para que o intento seja viabilizado.
O país tem excepcionais oportunidades de investimentos na infraestrutura que está absolutamente carente, e, isto poderia ser o grande apelo externo para atração dos investidores estrangeiros, mas o marcos regulatório, bases remuneratórias, e tudo o mais envolvido precisaria estimular o capital estrangeiro, já que o risco fiscal do país é relevante fator de imputação da perda de atratividade.
Quando nos deparamos com análises mais assertivas e focadas na efetiva situação do país, mais céticas e menos ansiosas, onde o setor de serviços, fundamental para a retomada da atividade econômica reage lentamente e um tanto preocupado com os sinais de aumento de tributação apontados na Reforma Tributária, e se propaga para retorno bastante diferenciado estruturalmente em relação ao cenário pré-pandemia, podemos perceber que os desafios postos para o país em perspectivas são grandiosos, e que seguramente haverá repercussões negativas na geração de empregos e renda, sendo que esta deverá ter fatores de impulsão redutora incontornáveis.
Em razão disto, não vemos momentos auspiciosos em perspectiva para a Bovespa que foi fortemente beneficiada pelo deslocamento de significativo volume de investidores nacionais pessoas físicas afastados do mercado de renda fixa em razão da queda abrupta do juro no país, pois as perspectivas efetivas e consistentes, fundamentadas, de recuperação mais rápida da atividade econômica, como por vezes são propagadas por membros do governo, tem baixa probabilidade de ser consumada.
O investidor pessoa física que busca rendimento na Bovespa é imediatista e tendente à decepção caso não alcance seus intentos rapidamente, realiza muito giro o que é bom para a receita da B3, mas é sempre potencial reversor de posicionamento e pode se retirar quando percebe que seus rendimentos esperados não são confirmados.
O dólar foi posto pelo governo nos patamares acima dos R$ 5,00 estimulados pela tese do “cambio alto juro baixo”, como política abrangente de governo para tornar o país barato ao capital estrangeiro que precisava ser atraído para a conta capital para renda variável, compensando a perda de investidores estrangeiros na renda fixa, e para os programas de privatizações; e para prover de competitividade exportadora os produtos nacionais na medida em que encareceria os produtos importados.
Era uma estratégia teórica, naturalmente com seus efeitos colaterais negativos também na economia não somente benéficos, mas visava impulsionar com maior rapidez a dinamização da atividade econômica.
De tanto decantar a tese do “cambio alto juro baixo” acabou também por despertar a especulação que dinamizou o processo de depreciação do real, provavelmente acima do necessário e até num momento de forma quase incontrolável aproximando o preço a R$ 6,00, para depois com intervenção do BC ter seu preço atenuado em patamares mais previsíveis entre R$ 5,00 a R$ 5,50, embora com muita volatilidade visto que esta relativa estabilidade com o juro baixo estimulou a utilização do câmbio como “hedge” para aplicações em outros segmentos do mercado financeiro, e ao BC restou manter intervenção profilática de suprimento de rolagem de posições vincendas de swaps cambiais.
Neste momento, há incertezas e inseguranças sobre a visão prospectiva do país, as dificuldades são sobejamente conhecidas pelo mercado financeiro, nem tanto pela população que vem sendo agraciada com a ajuda governamental, e as saídas são absolutamente indefinidas, especuladas e incertas, mas nenhuma, seja qual for, terá trajetória fácil e sem repercussões no cotidiano.
Então, neste quadro ocorre a busca de proteção e o dólar é ainda o porto seguro mais próximo e alcançável, por isso aumenta a demanda, não necessariamente no mercado à vista, mas preponderantemente no mercado futuro e então, ao BC cabe prover de oferta de swaps cambiais para acomodar a demanda evitando assim as exacerbações maiores, mas não com o intuito de enfrentamento e nem com o propósito de “administrar” a taxa, o que não é absolutamente recomendável pois geraria muita volatilidade e instigaria o ímpeto especulador do mercado, sobrepondo-o à necessidade natural de busca de proteção.
O descolamento do comportamento do preço da moeda americana tende nesta fase a perder sinergia com o comportamento da mesma no mercado internacional, até mesmo com as demais moedas emergentes, e isto poderá suscitar especulações de até eventual alta da taxa SELIC caso seja fase mais duradoura e motivar repasse aos preços da economia.
Os swaps cambiais são instrumentos de conforto e segurança para estes momentos de incertezas, até porque o país tem satisfatório volume de reservas cambiais e o mercado futuro tende também a aumentar a negociação de opções.
É fundamental que se acentue a observação do ambiente interno do país, buscando evitar nas análises prospectivas o costumeiro “contágio” dos cenários externos para construir cenários mais otimistas localmente.
Enfim, tudo indica que ainda não há “o céu de Brigadeiro no horizonte do Brasil” e que os desafios serão grandiosos, e isto tem um viés de crescimento de percepção e transparência que até então vem sendo mitigado pela propagação de otimismo não sustentável, ancorado em indicadores forjados em quadro vulnerável e de difícil longevidade.
O CAGED positivo é um dado positivo, mas ainda muito discreto para sugerir que a retomada da atividade econômica possa ser em V, provavelmente será em U, pois o consumo é preponderantemente gerado pelos recursos do governo e também tem impacto direto nesta discreta reação.