Gritaria
Me lembro nitidamente da fascinação que os tópicos de finanças exerciam sobre mim nos tempos de faculdade. Acreditava piamente, confesso, que a realidade se curvava a todas aquelas equações dos livros.
Não foi preciso muito tempo vivendo a coisa na prática para perceber que estava redondamente enganado. Constatei imenso o tamanho de minha própria arrogância.
Engana-se quem pensa que a personificação do mercado financeiro é aquele banker estilo boneco Ken todo engomadinho que dá entrevistas enfadonhas na Bloomberg.
(Aliás, já perceberam como eles sempre têm o mesmo olhar vazio, hipnotizado, quando repetem aqueles mantras de sempre? Blá, blá, blá…)
O discurso do financista padrão faz com que a imaginação destreinada vislumbre uma mesa de operações financeiras como se fosse um ambiente tão estéril quanto a homônima hospitalar. Está mais para um açougue. Em condições sanitárias altamente questionáveis. A depender da temperatura — da sala e do mercado —, até o cheiro se assemelha.
Não há espaço para abotoaduras nos punhos de quem passa o dia de mangas arregaçadas. Gravatas de jacquard não combinam com colarinhos abertos (que aliás mal fechariam, por conta dos pescoços gordos).
O mercado é gritaria, tal qual almoço de domingo de família italiana (ou grega). Há muito de emoção envolvido — estão no mercado alguns dos indivíduos mais histriônicos que já conheci.
Foi bom foi bom foi bom
Por que faço essa digressão?
Nos deparamos hoje com dois exemplos de situação em que a impulsividade dos operadores se sobrepôs à análise fria.
O primeiro veio na divulgação dos dados de emprego nos Estados Unidos. Uma primeira vista, apressada, deu a entender que o dado era fraco — pois bem inferior a agosto e aquém do consenso. Reação imediata consistiu de vozes apostando no diferimento do aperto monetário do Fed em dezembro.
Se você procurar, encontrará notícias de hoje mais cedo sugerindo que o dado era ruim.
Eis que, após um pouco de reflexão, mercados se convenceram de que a base de comparação de agosto era demasiado forte; que o número de vagas geradas em setembro segue compatível com uma dinâmica econômica saudável. E tudo ficou como antes no quartel de Abrantes.
Conheci tempos atrás um operador de Bolsa que, a cada dado econômico ou corporativo que era divulgado, ligava desesperadamente para os clientes? Repetia freneticamente “FOI BOM FOI BOM FOI BOM” ou “FOI RUIM FOI RUIM FOI RUIM” a depender da circunstância: atirava primeiro, perguntava depois.
Isso é mais comum do que você imagina.
Foi ruim foi ruim foi ruim
O segundo fato: a Bloomberg está coalhada de matérias apontando para um agudo aumento das preocupações com os impactos do Brexit sobre o Reino Unido, em sequência à forte queda da cotação da libra esterlina observada na madrugada, na Ásia.
Uma fila de financistas sem alma se formou para repetir o discurso que foi sistematicamente difundido nas semanas que se seguiram ao resultado do referendo, todos prontos para apontar orgulhosamente a oscilação da moeda como evidência de que suas profecias apocalípticas estavam se confirmando.
Qualquer semelhança com o discurso de “fim do capitalismo” que todo bom militante de esquerda tem na ponta da língua não é mera coincidência. Os extremos da ferradura se aproximam.
Eis que constatou-se que, muito mais do que fruto da formação de um juízo de que o Reino Unido caminha para o abismo, a onda de vendas observada decorria de uma torrente de ordens disparadas por um algoritmo de trading. Estão todos até agora sem entender direito o que se passou.
É pouco mais do que a versão 2.0 do famoso “dedo gordo”: ao invés de colocar uma ordem de venda de 1.000 ações, o operador se confunde e vende 1 milhão, derrubando o papel e gerando um problemão.
Só depois do apito do juiz
Por aqui, grande destaque econômico foi o IPCA. Zero vírgula zero oito… há quanto tempo não víamos um índice tão baixo?
Estamos diante de condições cada vez mais interessantes para a queda dos juros. A bem da verdade, faz calor aqui na Empiricus em função de nossas discussões quanto ao ritmo da queda: 0,25 ou 0,50?
O Copom pode optar por cautela e ficar nos 25 pontos, mas há motivos crescentes para crer que o ritmo de queda dos juros ao longo das próximas reuniões tem espaço para acelerar.
Quanto mais o mercado ficar comprado nessa ideia, mais será antecipado na curva — para a alegria dos comprados em pré — meu caso, aliás.
Pergunta o preço para o dono
Companhias americanas estão reduzindo o ritmo de seus programas de recompra de ações.
Ao longo do primeiro trimestre, as empresas gastaram 166 bilhões de dólares adquirindo os próprios ativos no mercado — uma alta de 15 por cento em relação ao ano passado. Já no segundo trimestre, compras totalizaram 127 bilhões, praticamente em linha com o registrado no ano anterior e 21 por cento a menos do que o visto no começo do ano.
Programas de recompra são frequentemente vistos como sinalização da percepção das próprias companhias com relação ao preço de seus ativos: “minhas ações estão tão baratas que comprá-las-ei (obrigado, Temer) eu próprio”.
Sob este prisma, qual é a mensagem quando as compras arrefecem?
Em tempo: S&P500 nos últimos 5 anos.