Na coluna de hoje irei falar dos impactos da disseminação global do coronavírus no mercado financeiro, especialmente sobre os ativos de maior risco (ações). O mercado foi tomado pelo pânico, com os investidores agindo sob o efeito manada, na emoção tentando reduzir os riscos dos seus investimentos.
Enquanto os brasileiros estavam num “bloquinho” de Carnaval, o índice de ações brasileiras (ADR’s) negociadas nos EUA (EWZ) acumulou queda de 6,7 por cento em apenas dois dias. O que aconteceu?
Como no Brasil sempre dizemos que o ano só começa depois do Carnaval, a Quarta-feira de Cinzas, dia da ressaca, foi um Ano Novo amargo para os investidores em ações brasileiras, com queda de 7 por cento no Ibovespa.
Esta coluna é especialmente para quem ficou fora na semana do Carnaval e não entendeu muito bem o que está acontecendo no mercado. Tenha calma, respire fundo (sem máscara, pois não adianta muito) e não venda as suas ações na baixa em pânico.
Coronavírus não ficou restrito à China
O principal motivo de pânico de todos os investidores foi a disseminação do coronavírus para outros países, não ficando apenas restrito à China. Diversos casos reportados no norte da Itália confirmaram que o vírus pode se espalhar pela Europa e pelo mundo rapidamente (ciclos de 15 dias). A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que o coronavírus pode ter o seu status elevado para “pandemia”. O primeiro caso foi confirmado no Brasil, em São Paulo, com um paciente que retornou de uma viagem para a Itália.
Eu não sou especialista em saúde, mas acredito que a dengue é muito mais letal no Brasil do que potencialmente será o coronavírus, uma espécie de gripe que atinge com mais perigo as pessoas mais idosas (vacina de gripe tem todo ano Brasil).
Portanto, acredito que a reação do mercado é exagerada, muito mais por falta de informação, pânico e visão de curto prazo do que em informações concretas sobre os impactos na economia real.
Aumento da aversão ao risco
Todos os indicadores de risco “explodiram” essa semana. Destaco o comportamento de três indicadores: 1) índice VIX que mede a volatilidade do índice de ações americano S&P 500; 2) aumento da procura dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos, a aplicação financeira “livre de risco” e; 3) aumento do risco Brasil (CDS de 5 anos).
O índice VIX é uma medida popular da expectativa de volatilidade do mercado de ações implícita nas opções do índice S&P 500. Ele é calculado e divulgado em tempo real pela Bolsa de Opções de Chicago e é geralmente chamado de índice de medo ou medidor de medo. O VIX saiu de cerca de 17 pontos em 21 de fevereiro para cerca de 40 pontos no dia 28 de fevereiro, uma alta de 135 por cento, ponto mais alto desde o topo histórico na crise do subprime em 2008.
Os preços dos títulos de dívida norte americana (Treasuries) apresentaram valorização, com o retorno médio (yield) saindo de 1,9 por cento no fim de janeiro para cerca de 1,25 por cento atualmente. Neste caso, a queda na taxa significa aumento nos preços dos títulos devido à maior procura por ativos considerados sem risco, um movimento mundial de aversão ao risco.
Por último, o Credit Default Swap (CDS) de cinco anos do Brasil, uma medida de risco-país, subiu para 127 pontos-base na sexta-feira 28 de fevereiro, um aumento de 36,5 por cento sobre o nível de 93 pontos em 21 de fevereiro (a sexta-feira antes do Carnaval).
Forte queda nas bolsas de valores pelo mundo
Os principais índice de ações dos Estados Unidos tiveram quedas impressionantes na semana: 11,5 por cento para o S&P500, 12,4 por cento para o Dow Jones e 10,5 por cento para o Nasdaq. As bolsas da Ásia e da Europa também declinaram na semana.
Com o Ibovespa não poderia ser diferente: queda semanal de 8,4 por cento (com apenas três pregões), pois o Ibovespa reagiu e fechou em alta de 1,15 por cento na sexta-feira (28/fev), em linha com a recuperação do S&P500 (queda de apenas 0,82 por cento) depois que o banco central americano (FED) afirmou que está ponto para proteger a economia americana.
A magnitude da queda do Dow Jones na semana impressiona: 12,4 por cento, comparado à “segunda-feira negra” em 19 de outubro de 1987, com queda diária de 22,6 por cento no Dow Jones, a maior queda diária da história das bolsas dos EUA.
Aqui eu chamo atenção para algo muito peculiar: antigamente uma queda desta magnitude nas bolsas dos EUA causaria uma queda muito mais forte no Ibovespa, muito provavelmente o acionamento do “circuit breaker” (paralisação dos negócios quando o Ibovespa cai mais que 10 por cento), algo o que não ocorreu desta vez.
Acredito que este fato demonstra um certo “descolamento” dos fundamentos da economia brasileira em relação ao resto do mundo. Certamente, a forte queda nos preços das commodities (petróleo, minério de ferro, celulose) afeta muito as exportações das companhias brasileiras (Petrobras (SA:PETR4), Vale (SA:VALE3) e Suzano (SA:SUZB3)), mas as ações das companhias mais voltadas ao mercado doméstico (varejo, construção civil, bancos) não deverão sofrer tanto, pois os seus fundamentos não são tão afetados pelo coronavírus.
Forte queda no preço das commodities
A semana foi de forte queda no preço das commodities: o petróleo do tipo Brent saiu de 65 dólares por barril para 50 dólares por barril e o minério de ferro acumulou queda superior a 15 por cento em fevereiro. Impacto bastante negativo para as ações da Petrobras (SA:PETR4) e da Vale (SA:VALE3).
Aula de risco: você tem alguma proteção (hedge)?
Acredito que essa forte queda nas principais bolsas de valores do mundo é uma aula sobre administração de risco. Como eu sempre digo: “bolsa de valores não é uma reta sempre para cima”, as ações nem sempre sobem e o normal é ter alguma queda em determinado ponto do tempo.
Os únicos ativos que tiveram bom desempenho na crise do coronavírus foram: ouro (maior cotação dos últimos sete anos) e o dólar que se fortaleceu contra todas as moedas, sobretudo emergentes, com destaque negativo para o Real (dólar futuro superou a marca dos 4,50 reais).
Você tem alguma proteção na sua carteira de investimento? Algum ativo em dólar (fundo cambial) ou ouro? Se você não tem deveria pensar em ter alguma proteção contra eventos extraordinários (cisnes negros).
Lições do dia para o investidor de ações
As lições do dia na Bolsa são: 1) tenha sempre caixa, com reserva de liquidez; 2) nunca esteja 100 por cento investido (all-in) em ações; 3) saiba o risco que está correndo; 4) tenha proteções (hedge): ouro e dólar e; 5) não opere na emoção e sim na razão, não participe da manada, respire fundo e tenha calma.
A quinta lição parece simples e óbvia mas nem sempre os investidores conseguem ser racionais e acabando vendendo das ações na baixam no pior momento sem horizontes de longo prazo.
Pergunta de ouro
Será que no fundo do poço existe um alçapão? Qual será o limite de queda para o Ibovespa? Na sexta-feira (28) o índice ficou abaixo dos 100 mil pontos na mínima diária, mas se recuperou no final do dia e fechou aos 104.172 pontos.
Eu não tenho bola de cristal e não sei qual será o comportamento das principais bolsas de valores pelo mundo.
O que eu posso dizer e recomendar aos investidores é o seguinte: “compre ao som dos canhões e venda ao som dos violinos” Warren Buffet