Ao longo da prolongada e amarga batalha jurídica sobre as dívidas inadimplentes da Argentina, a presidente Cristina Kirchner se recusou a sequer considerar a idéia de chegar a um acordo com um inflexível grupo de firmas de investimento estrangeiras que ela chama de "abutres". Mas agora que Kirchner também está em guerra com especuladores de divisas, um acordo com tais fundos de hedge poderia realmente ser sua aposta mais acertada.
Segundo as ordens de um tribunal de recursos dos Estados Unidos, a Argentina deverá detalhar nesta sexta-feira como pretende pagar o principal e os juros acumulados que deve ao grupo de investidores que detém títulos de dívida do país que estão em moratória desde 2001. A expectativa é que o governo ofereça pouco mais do que os termos incluídos em dois swaps de títulos de dívida anteriores aceitos por 75% dos credores, swaps esses que pagaram cerca de US$ 0,33 por dólar devido.
Mas, com um tribunal de instância inferior, a Corte de Recursos do 2º Circuito, em Nova York, endossando o argumento de que os detentores de títulos devem receber 100% do valor de face, há pouco incentivo para os fundos aceitarem condições que já rejeitaram duas vezes. Além disso, eventos recentes na Argentina, que incluem uma crise cambial que está expondo o alto custo desta batalha jurídica, podem, eventualmente, levar o país a aceitar algum tipo de acordo.
Para piorar a situação, ontem, um pedido dos advogados do governo argentino de que a decisão da Corte do 2º Circuito seja revista por uma banca mais ampla de juízes foi rejeitado.
O peso argentino vale agora 38% menos no mercado negro do que a taxa de câmbio oficial. O governo está apertando os controles de capital para estancar uma hemorragia em suas reservas de moeda estrangeira. Como o país está efetivamente desligado dos mercados de capitais internacionais, em parte por causa da batalha contra os investidores dos títulos em moratória, os US$41 bilhões que tem em reserva estrangeira é uma fonte vital de recursos para pagar seus credores estrangeiros.
O governo está usando uma variedade de táticas para segurar esses dólares: controles sobre as importações, rígida vigilância sobre as solicitações de empresas e indivíduos para a compra de divisas estrangeiras e um imposto sobre transações de cartão de crédito no exterior que na semana passada subiu para 20%.
Tais medidas têm retardado a saída de dólares. Mas a história mostra que quase sempre esse tipo de medida sai pela culatra, principalmente porque alimenta a inflação e produz tantos danos à confiança do público que o governo é forçado a desvalorizar a moeda.
O J.P. Morgan JPM -0.65% observou na semana passada que, embora os controles tenham conseguido conter as saídas de dólares, isso agora é contrabalanceado por limitações inesperadas na entrada de dólares do setor privado. Um exemplo: o cancelamento recente pela Vale de um projeto de potássio de US$6 bilhões por causa dos altos custos, um resultado direto da inflação e das restrições às importações.
Uma alternativa é que o governo obtenha dólares de bancos internacionais. Mas, para isso, deve normalizar as relações com todos os seus credores.
Os detentores de títulos em litígio, que incluem fundos de hedge das firmas americanas Elliott Management e Aurelius Capital, chegaram a se apossar de ativos como as contas do banco central argentino em Nova York e uma fragata da marinha argentina em Gana. O risco de novas intervenções, bem como a reputação de maltratar investidores estrangeiros, significa que a Argentina teria que oferecer um retorno elevado para começar novas emissões de dívida soberana.
Os investidores de títulos de dívida também gostariam de ver uma reforma política e econômica, incluindo o fim dos controles de capital. Isso provavelmente resultaria numa convergência do câmbio oficial e do mercado negro em algum ponto intermediário, o que prejudicaria os especuladores. Mas um peso oficial mais fraco seria uma bênção para os importantes exportadores de grãos do país, cujos impostos representam uma grande porção da receita do governo.
Tudo isso, por sua vez, reduziria o elevado prêmio de risco com que a Argentina tem de arcar — manifesto no considerável spread de 17 pontos percentuais entre o rendimento dos títulos em dólar emitidos durante os dois swaps de dívida anteriores e os títulos do Tesouro dos EUA.
Com um olho nas eleições de outubro, Kirchner provavelmente resistirá a tais medidas. Os argentinos não apoiam, em geral, a ideia de recompensar os credores que não fizeram acordo. De uma forma ou outra, porém, a realidade do mercado e as decisões judiciais dos EUA deverão acabar forçando o país a negociar com os credores estrangeiros.
Abutres são aves de rapina, mas geralmente conseguem se alimentar.