E agora, José?
Sirvo-me do famoso poema do mais influente poeta, contista e cronista brasileiro, Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Seu poema “José” escrito à época da II Guerra Mundial levantava dúvidas sobre o futuro e o destino cheio de incertezas que afligia a todos naqueles tempos difíceis que, não obstante as vicissitudes, não desanimava a força de José que prosseguia seu caminho, mesmo sem saber para onde ir.
O mercado de açúcar está como o José, de Drummond. Pergunta a si mesmo para onde vai depois que essa exagerada onda altista passar? E levanta dúvidas sobre o futuro dos preços apesar de o atual quadro não ter a dramaticidade do personagem Drummondiano.
Quem em sã consciência acreditava que veríamos esse nível de preços tão prematuramente? Os fundamentos do açúcar, discutidos aqui à exaustão, apontavam acertadamente para preços acima dos níveis que estávamos acostumados no final do último trimestre de 2015 quando os preços médios estavam ao redor de 14.50 centavos de dólar por libra-peso. Assinalamos que os preços poderiam ir alcançar 18 centavos no último trimestre de 2016. No mundo real, eles bateram 18 no início de junho, 19 dois dias depois, 20 em duas semanas e 21 centavos de dólar por libra-peso antes do mês de junho expirar. Para onde vamos, José?
Várias teorias procuram decifrar esse quebra-cabeças. Veja bem: um mercado que – em tese – sobe sob a perspectiva de falta do produto não deveria apresentar empresas entregando mais de um milhão de toneladas no vencimento julho (expirado na quinta-feira), mas apresentou. O argumento é que a entrega representa não um problema de demanda, mas sim uma acomodação das dificuldades logísticas que deverão surgir ao longo dos próximos meses. O fato de o recebedor ter a bolsa como contraparte ao invés de correr o risco do não cumprimento contratual por parte de usinas do Centro-Sul com problemas creditícios é um argumento forte, mas não explica tudo.
Se a China pode ser um provável comprador de açúcar ao longo deste ano em função dos problemas climáticos que afligem não apenas aquele país, mas também a Índia, a Tailândia e o Brasil, porque uma trading chinesa entregaria açúcar contra o vencimento julho? Será que ela sabe de algo que o restante dos mortais não sabe? Se o mercado sobe porque – segundo alguns – os vendidos a descoberto compram opções de compra para diminuir o impacto das chamadas de margem, porque então a volatilidade das opções caiu?
O mais sintomático nesse mercado agitado é o que um trader comentou sobre a “teoria do Capeta”, uma maneira jocosa de zombar dos responsáveis pela área comercial daquelas usinas que tratam o negócio de maneira adequada, tendo feito os hedges de venda nos momentos apropriados e, agora, tem que ouvir de seus respectivos conselhos de administração e acionistas observações sobre “gente que fez o hedge em níveis muito mais altos”. É fato que as empresas menos favorecidas financeiramente, não conseguiram efetuar o hedge da safra 2016/2017 por absoluta falta de crédito e se veem agora bafejadas pela sorte e com a oportunidade de fazer suas proteções a preços 500-600 pontos acima da média de empresas muito bem administradas. É um soco no baço, mas é verdade. Vamos ver empresas AAA com nível médio de fixações em NY muito abaixo das empresas ZZZ.
Os fundos continuam quebrando recorde atrás de recorde e estão agora com mais de 333 mil contratos comprados no mercado de açúcar em NY. Um número que representa cerca de 17 milhões de toneladas de açúcar, ou aproximadamente 1/3 do volume anual do produto comercializado no mercado internacional.
NY encerrou o pregão da sexta-feira com o vencimento outubro negociando a 20.78 centavos de dólar por libra-peso, uma valorização de mais de 35 dólares por tonelada na semana. Embora a valorização em dólares por tonelada tenha sido substancial, a valorização em reais por tonelada foi bem menor, ou apenas R$ 60. Nos últimos 20 pregões de NY nota-se uma estreita correlação entre a variação da moeda americana em relação ao real e as cotações de açúcar em NY. A correlação chegou a 0.8400, o que demonstra que o real tem sido o principal indicador de tendência no mercado de açúcar em NY. Como o real se valorizou tremendamente nos últimos pregões existe uma predisposição do Banco Central do Brasil em conter a apreciação da moeda brasileira. Minha leitura é que o mercado está pesado e precisa de uma realização para sobreviver. Não acho difícil que o mercado corrija essa abrupta valorização em torno de 300-400 pontos.
Dois parâmetros ouvidos nas rodas de discussão pela semana que passou: um é sobre os valores em reais por tonelada, que alcançou o ponto mais alto em 15/junho a R$ 1.570. Acreditamos que muitas empresas vão fixar seus açúcares a partir de R$ 1.600 por tonelada para 2017/2018 (estima-se que entre 20-25% já estejam fixados). Outro é sobre o fato que acima de 500 euros por tonelada, o produtor europeu se sente mais à vontade de crescer na produção. Esse valor representa aproximadamente 24 centavos de dólar por libra-peso. A compra de uma put (opção de venda) de 19 centavos de dólar por libra-peso e a venda de uma call (opção de compra) a 24 centavos de dólar por libra-peso pode ser uma excelente estratégia.
O destaque da semana foram ¾ de milhão de dólares gastos na compra de calls (opções de compra) de 40 centavos de dólar por libra-peso. Haja otimismo.
E agora, José? A festa acabou. A luz apagou. O povo sumiu. A noite esfriou. E agora, José? Para onde vai esse mercado?