Minha recomendação para Eletromídia (BVMF:ELMD3) remonta junho de 2022. À época, tínhamos uma empresa cujo histórico recente de resultados ainda refletia fortemente os efeitos da pandemia – e, ironicamente, ainda se discutia quão normal a vida pós-emergência sanitária seria.
O valuation era convidativo e existiam avenidas interessantes de crescimento via consolidação em certas verticais de atuação e aumento da alavancagem operacional. Não parecia uma tese de exuberante crescimento, mas sim de ótimo potencial contratado negociando a substancial desconto. Embarcamos.
Estava dando tudo certo
Operacionalmente, os trimestres subsequentes vieram acima do consenso do mercado – repetidas vezes. Mesmo com alguns projetos aparentemente “patinando” – com o caso do famigerado marketplace de mídia out-of-home do qual a empresa falava desde sempre -, havia muita gordura operacional.
Isto, combinado com uma melhora generalizada de humores do mercado, contribuía para a tese de maneira ampla e, mais especificamente, para a reprecificação das suas ações.
Em março deste ano, a surpresa: exatamente quando resultados e consenso se alinharam, ocorreu uma primeira aquisição de ações por parte da Globo. A famigerada vênus platinada acertou adquirir i) 8,6% das ações da ELMD, tendo como vendedores o fundo controlador (HIG) e o CEO Alexandre Guerrero; e ii) “pelo menos” mais 6,4% diretamente do mercado – chegando, portanto, a um mínimo de 15%.
Observe que, naquela ocasião, os termos do acerto com HIG e Guerrero não foram divulgados. Guarde esta informação…
Vendendo no escuro
Em abril, enquanto aguardava a decisão do CADE com relação ao contrato firmado com HIG e Guerrero, a Globo foi a mercado comprar a parte que deveria ser adquirida diretamente do free float. Aos vendedores da ocasião, o ingrato dilema era: vendo sem saber por quanto eles vão comprar do controlador?
E foi no escuro que muita gente vendeu.
Posteriormente veio a aprovação do órgão antitruste à operação. Com ela, a Globo passou a exercer seus direitos políticos na Eletromídia – e a expressão de tal exercício veio na forma da celebração de um acordo de acionistas e, pari passu, mudanças na composição do conselho de administração.
Estamos, aqui, no dia 03/08. No dia 04, veio convocação de assembléia extraordinária – para, dentre outros pontos, alterar o limite de participação da cláusula de poison pill.
Pílula de veneno
Poison pill é um mecanismo de proteção à dispersão da base acionária de uma empresa de capital aberto. Sua finalidade é impedir que acionistas potencialmente “hostis” atinjam participação individual em uma Companhia que lhes permita exercer direitos políticos muito superiores aos demais acionistas.
A regra é simples: quem quiser ter mais de X% da Companhia precisa fazer uma oferta para adquirir as participações de todos os demais sócios a um preço pré-determinado.
No caso da Eletromídia, o limite era de 20% e o preço equivalia a 120% do maior preço pago pelo acionista em transações com partes relevantes (leia-se o controlador). A proposta era de ampliar tal limite para 27,5% e reduzir o prêmio a 100%.
Repiso: até aqui, todos os acionistas se viram no escuro com relação aos termos firmados entre Globo, o fundo HIG e o CEO da Empresa.
Um timing muito conveniente
As propostas passaram na assembléia. A julgar pelo mapa de votação, aparentemente contando com os votos de Globo e HIG – cujo nível de informação sobre o que se passava era, obviamente, muito superior ao dos demais acionistas – para tal aprovação.
No dia seguinte à deliberação, lá foi a Globo aumentar sua participação de 20% para 27,5%. Ou seja: é óbvio, latente, que se tratou de uma jogada completamente orquestrada para permitir que a empresa aumentasse (ainda mais) sua participação em ELMD o mais rápido possível, sem sequer que os demais acionistas soubessem qual preço havia sido acordado com o acionista controlador.
Enfim, a verdade: ontem finalmente soubemos que o preço firmado com HIG e Guerrero foi de R$22,56 – à época, um prêmio de aproximadamente 30% sobre o preço de tela.
Ao aprovar às pressas, às escuras e na marra as matérias da AGE, efetivamente os minoritários foram privados da oportunidade de vender suas próprias ações à Globo ao preço de R$27,07 (120% do preço pago ao controlador).
Fomos passados para trás, em uma manobra arquitetada e orquestrada por HIG e Globo.
Alô, CVM? Alguém aí?
Um lembrete importante
De tempos em tempos vejo influenciadores financeiros tecendo loas ao Novo Mercado, bradando que “sócio é ON”, fazendo cara feia para a empresa X ou Y a depender das regras de tag along estratutariamente previstas.
A mensagem é: acordem. Estamos no Brasil. No final do dia, antes de qualquer outra coisa, valerá o desejo dos stakeholders mais relevantes de manter relações justas com os minoritários ou não – pois o enforcement das regras é muito, muito fraco.
Por uma ironia do destino, a obrigatoriedade de recorrer à arbitragem na câmara da B3 (BVMF:B3SA3) como forma de resolução de conflitos com essas empresas inviabiliza o exercício de tal direito pela esmagadora maioria dos acionistas, pois os custos são proibitivos. Na prática, o mecanismo pensado para melhor defender os interesses dos minoritários é usado para proteger acionistas e executivos das Companhias das consequências de seus malfeitos.
Eletromídia é o palco de mais um triste episódio de minoritários lesados no Brasil. E, muito provavelmente, nada vai acontecer.
Globo golpista
E eis que, no final das contas, o discurso das esquerdas que cresci ouvindo se concretizou: de fato, a Globo é golpista.
Com relação à recomendação de ELMD que tínhamos na Carteira Small Caps, encerramos. Com um bom ganho, embora decepcionados com o nauseabundo desfecho.
Não se faz negócio bom com gente ruim.