Publicado originalmente em inglês em 05/02/2021
Apesar de uma economia americana ainda fragilizada, dos níveis preocupantes de infecções e mortes por Covid-19 e dos enormes gastos previstos para combater a pandemia nos próximos meses, o ouro voltou para as mínimas de novembro abaixo de US$ 1.800, abandonando de vez seu rótulo de “porto seguro".
Há décadas o metal amarelo é descrito não só como uma proteção contra a inflação, mas também contra turbulências políticas e econômicas.
A compra do ouro era uma estratégia para fugir da vulnerabilidade das moedas fiduciárias durante crises financeiras.
Em tempos de conflito, era possível ver nos monitores de negociação amplas barras verdes disparando no ouro.
Nos últimos dias, entretanto, os investidores com exposição aos fundos e contratos futuros do ouro só veem barras vermelhas.
O que não para de subir, por outro lado, é o dólar e os rendimentos dos títulos do Tesouro americano. Ambos vêm se comportando com se os Estados Unidos estivessem fora de perigo na questão da pandemia.
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Há meses os preços do ouro não vêm refletindo verdadeiramente o fator de risco representado pela disseminação global das variantes britânicas e sul-africanas do vírus e a lentidão das campanhas de vacinação para a economia americana.
Praticamente nenhuma preocupação com o risco geopolítico
O mesmo se aplica em relação ao risco geopolítico.
De fato, a pandemia reduziu os conflitos internacionais a praticamente zero no último ano, exceto pelo assassinato do cientista nuclear iraniano Mohsen Fakhrizadeh, em novembro, apenas dez meses após outro assassinato de um membro de alto escalão da República Islâmica, o general Qassem Soleimani.
Mesmo assim, é bem capaz que exploda uma bomba no Oriente Médio agora mesmo e os preços do ouro nem se mexam.
Ou, ao contrário, pode ser que eles caiam ainda mais. E algum analista de Wall Street com certeza vai encontrar uma explicação mirabolante para isso, e o mercado ficará satisfeito.
O ponto é o seguinte: no curto prazo, pelo menos, a única coisa com que os investidores do ouro devem se preocupar é o gráfico de preços, que dá sinais de quando comprar, vender ou acionar stops losses. Também ajuda fazer comparações de valor relativo do dólar/treasuries para estabelecer a relação de risco-retorno.
Os gráficos são mais importantes do que nunca
Sem dúvida, a reação aos aspectos técnicos corretos sempre foi um elemento básico na negociação do ouro. Ocorre que agora eles são mais relevantes do que nunca, graças à narrativa de Wall Street que dizimou completamente a característica de porto seguro no ouro.
O derretimento do ouro na quinta-feira e a disparada do dólar e dos rendimentos dos treasuries ocorreram na esteira de dados levemente encorajadores no mercado de trabalho americano.
Isso porque houve a terceira queda seguida nos pedidos semanais de seguro-desemprego, reduzindo a estatística em 10% durante o período, enquanto o número em si permaneceu no elevado patamar de quase 780.000.
Outro dado do dia chamou a atenção: o ISM de janeiro ficou em 58,7 pontos, acima das expectativas de 56,8 e dos 57,7 registrados em dezembro. Os números do ISM apontam para o crescimento mais forte no setor de serviços desde fevereiro de 2019.
Se bem que isso justificasse uma alta na moeda americana e nos títulos de 10 anos, o retorno da nota de dois anos continuou pressionado nas mínimas de dezembro.
Havia ainda rumores de que o Fed pudesse mudar sua política reduzindo ainda mais os juros e excluindo completamente uma elevação até o fim do ano.
O mercado acionário se animou com esses dados otimistas, fazendo os índices S&P 500 e Nasdaq atingirem novas máximas recordes.
Mas como o novo plano de estímulo de US$ 2 trilhões do governo Biden já está a caminho do Congresso – seja de forma integral ou parcelada – havia poucas razões para que o ouro futuro se desvalorizasse US$ 44, ou 2,4%, fechando ontem a US$ 1.791,20 na Comex de Nova York.
Vale a pena relembrar os argumentos que trouxe anteriormente:
- Com um rendimento de 1,1% na nota de 10 anos, o serviço anual da dívida nos EUA corresponderia a US$ 370 bilhões. Neste momento, a dívida nacional se aproxima de US$ 28 trilhões, e a relação total dívida/PIB atingiu o nível estarrecedor de 146%. O déficit orçamentário federal nos EUA já está em US$ 4,5 trilhões, depois que o governo Trump adicionou mais US$ 3 trilhões ao pacote de estímulo contra a Covid-19 no ano passado.
- Se o rendimento da nota de 10 anos ficar a 2%, aliado a uma dívida nacional de US$ 30 trilhões, o serviço anual da dívida somaria cerca de US$ 660 bilhões. Os déficits anuais continuarão fazendo a dívida nacional subir ainda mais.
- E, embora os Estados Unidos pareçam estar nos estágios relativamente iniciais de um ciclo de expansão monetária, a base monetária ainda pode aumentar substancialmente e fazer o país voltar aos dias da crise financeira de 2008-09. Com a diluição do sistema monetário fiduciário, a inflação mais alta com certeza está a caminho.
De fato, é possível que a economia americana apresente uma retomada mais rápida neste ano do que o Federal Reserve espera. Se esse for o caso, sem dúvida há chances concretas de que a inflação suba também. Historicamente, os preços do ouro têm forte correlação, no longo prazo, com a expansão da base monetária.
Entretanto, nada disso parece importar, pois o ouro carece de suporte em níveis mais altos, provavelmente porque os investidores temem se expor a grandes perdas na ponta compradora.
Gráficos técnicos dão as indicações mais importantes
De volta ao básico o que dizem os gráficos?
Não é de surpreender que a Perspectiva Técnica Diária do Investing.com indique “Forte Venda” no ouro negociado na Comex.
O suporte de três níveis de Fibonacci está a US$ 1.784.31, US$ 1.772,25 e US$ 1.752,73.
A resistência de Fibonacci começa a US$ 1.823,35, o que seria um ponto máximo nesta conjuntura.
Outros analistas estão igualmente pessimistas tanto quanto o modelo de curto prazo do Investing.com.
Christopher Lewis, do FX Empire, diz o seguinte:
“Tudo indica que o mercado tentará testar o nível de US$ 1.767. O que tem segurado o mercado é a ocorrência de um martelo, mas eu acredito que o suporte provavelmente se estenda até o nível dos US$ 1.750. Se perdermos esse patamar, o ouro corre o risco de registrar um movimento de queda de longo prazo”.
James Hyerczyk, outro analista técnico do mesmo site, diz o seguinte:
“A venda pode se estender de US$ 1.787,30 a 1.711,70 no curto prazo, na medida em que os operadores continuam liquidando suas compras em 'portos seguros' feitas na expectativa de um dólar mais fraco e quantidades maciças de estímulo fiscal e monetário”.
Jeffrey Halley, da corretora OANDA, enquanto isso, traz um pouco de humo e musicalidade dos anos 80 a invocar em sua análise o hit de Spandau Ballet:
“O ouro se parece menos com Spandau Ballet e mais com a Prisão de Spandau no curto prazo”. O suporte crítico continua sendo a retração de 50% de Fibonacci referente ao rali de março a agosto a US$ 1760,00 por onça.”
Faça uma escolha ou siga seu próprio gráfico.
Boa sorte e bom fim de semana.
Aviso de isenção: Barani Krishnan utiliza diversas visões além da sua para oferecer aos leitores uma variedade de análises sobre os mercados. O analista não possui posições nos ativos e commodities sobre os quais escreve.