Washington e Pequim selaram um acordo inédito: reduzir por 90 dias tarifas bilaterais de forma substancial - dos atuais 145% para 30% sobre produtos chineses e de 125% para 10% sobre importações americanas. A notícia gerou reação imediata nos mercados financeiros globais, com forte alta em bolsas e no dólar frente a pares como euro e iene. No entanto, por trás do alívio momentâneo, emergem questões importantes que poucos analistas destacam: até que ponto esse pacto representa um ponto de inflexão verdadeiro e quais são seus impactos reais, de médio e longo prazos, sobre investimentos e a dinâmica econômica internacional?
A China, cujo PIB projetado para 2025 caiu para níveis inferiores a 5% - o ritmo mais lento em três décadas - , enfrenta não apenas a desaceleração interna, mas também a necessidade de reconfigurar suas cadeias de suprimento. A transição de tarifas exorbitantes para um patamar “modesto” pode aliviar custos de importação de componentes eletrônicos e manufaturados, mas não resolve gargalos logísticos nem a dependência de insumos estratégicos de países terceiros. Com estoques elevados e quebra de ritmo de produção, empresas multinacionais não retornarão imediatamente aos níveis pré-guerra comercial. Isso é um fato.
O papel das commodities: paradoxalmente, as commodities - um dos pilares das exportações chinesas - sofrem com a volatilidade causada pelo acordo. Ao cortar tarifas, o custo de bens industriais cai, mas a demanda por matérias-primas não se recupera no mesmo ritmo, pressionando margens de lucro de mineradoras e produtoras de energia. Além disso, a conjuntura climática, marcada por secas na América Latina e inundações na Ásia, continua a impor choques de oferta que podem anular ganhos de curto prazo decorrentes de menores tarifas. Isso é outro fato.
Efeito dominó em economias emergentes: esse armistício temporário reduz o risco de recessão global, mas reforça a assimetria entre emergentes que “exportam” estabilidade - como Brasil e México, beneficiados pela queda de protecionismo - e aqueles com fundamentos fiscais frágeis, que podem sofrer nova erosão de confiança se houver novos surtos de tensão após o prazo de 90 dias. Países com alta dependência de crédito externo podem experimentar fuga de capitais caso o “reset” americano seja desfeito, elevando os spreads de dívida soberana e pressionando moedas locais. Mais um fato.
Oportunidades e Armadilhas para Investidores
No ápice da guerra comercial, muitos fundos emergentes estavam subalocados em mercados dos EUA e Europa; agora, o influxo de capital em ações americanas e a valorização do dólar sugerem retorno a uma normalização, mas também risco de desalavancagem rápida. Investidores devem ponderar se seguirão aproveitando a alta pontual de índices como o S&P 500 - que registrou ganhos de quase 3% em alguns pregões - ou se protegerão parte da carteira em ativos menos correlacionados, como mercados asiáticos cujo apetite por risco pode oscilar conforme a extensão do acordo.
Taxas de juros e custo de capital: em resposta ao armistício, bancos centrais de economias avançadas revisitam suas projeções de política monetária. Nos EUA, ainda que o Fed mantenha o discurso hawkish, o enfraquecimento do clima inflacionário sugere que cortes de juros poderão ocorrer antes do previsto, reduzindo o custo do financiamento corporativo. Já em países emergentes, a pressão por elevar compulsórios ou restringir crédito de longo prazo aumenta - medida que pode desacelerar empréstimos e investimentos em infraestrutura.
Setores contracíclicos e temáticos: apesar do otimismo geral, segmentos como tecnologia de semicondutores, energias renováveis e biotecnologia mantêm-se resilientes mesmo em ambientes de incerteza comercial. Essas indústrias têm cadeias de valor menos sujeitas a tarifas e usufruem de ciclos de inovação que transcendem disputas tarifárias. Para investidores fundamentalistas, empresas com patentes fortes e receita diversificada em várias jurisdições oferecem um hedge natural contra a volatilidade advinda do término do período de trégua.
Em suma, o acordo de 90 dias entre EUA e China constitui um alívio tático, mas não altera as tendências estruturais de desaceleração chinesa, reconfiguração de cadeias globais e volatilidade de capital. Para investidores arrojados, a trégua abre janelas para ajustes de portfólio: equilibrar exposição a ativos “fireproof” - como empresas de tecnologia e saúde - e proteger posições em mercados emergentes via instrumentos de hedge cambial e títulos de crédito privado. O verdadeiro teste virá ao final do período de paz tarifária: se as conversações evoluírem para um pacto mais amplo, teremos iniciado um novo capítulo de globalização; caso contrário, retornaremos ao ciclo de retaliações e correções abruptas que caracterizou a última década.
Nesse jogo de xadrez econômico, quem antecipar não apenas a descompressão de tarifas, mas os efeitos secundários em logística, custos de capital e crédito, sairá vencedor. Afinal, a melhor estratégia de investimento em 2025 não será apenas seguir o fluxo dos índices, mas entender como essa breve pausa nos protecionismos redefinirá o mapa de oportunidades - e armadilhas - no tabuleiro global.