EUA e China: Armistício temporário com desafios permanentes

Publicado 17.05.2025, 13:35

Washington e Pequim selaram um acordo inédito: reduzir por 90 dias tarifas bilaterais de forma substancial - dos atuais 145% para 30% sobre produtos chineses e de 125% para 10% sobre importações americanas. A notícia gerou reação imediata nos mercados financeiros globais, com forte alta em bolsas e no dólar frente a pares como euro e iene. No entanto, por trás do alívio momentâneo, emergem questões importantes que poucos analistas destacam: até que ponto esse pacto representa um ponto de inflexão verdadeiro e quais são seus impactos reais, de médio e longo prazos, sobre investimentos e a dinâmica econômica internacional?

A China, cujo PIB projetado para 2025 caiu para níveis inferiores a 5% - o ritmo mais lento em três décadas - , enfrenta não apenas a desaceleração interna, mas também a necessidade de reconfigurar suas cadeias de suprimento. A transição de tarifas exorbitantes para um patamar “modesto” pode aliviar custos de importação de componentes eletrônicos e manufaturados, mas não resolve gargalos logísticos nem a dependência de insumos estratégicos de países terceiros. Com estoques elevados e quebra de ritmo de produção, empresas multinacionais não retornarão imediatamente aos níveis pré-guerra comercial. Isso é um fato.

O papel das commodities: paradoxalmente, as commodities - um dos pilares das exportações chinesas - sofrem com a volatilidade causada pelo acordo. Ao cortar tarifas, o custo de bens industriais cai, mas a demanda por matérias-primas não se recupera no mesmo ritmo, pressionando margens de lucro de mineradoras e produtoras de energia. Além disso, a conjuntura climática, marcada por secas na América Latina e inundações na Ásia, continua a impor choques de oferta que podem anular ganhos de curto prazo decorrentes de menores tarifas. Isso é outro fato.

Efeito dominó em economias emergentes: esse armistício temporário reduz o risco de recessão global, mas reforça a assimetria entre emergentes que “exportam” estabilidade - como Brasil e México, beneficiados pela queda de protecionismo - e aqueles com fundamentos fiscais frágeis, que podem sofrer nova erosão de confiança se houver novos surtos de tensão após o prazo de 90 dias. Países com alta dependência de crédito externo podem experimentar fuga de capitais caso o “reset” americano seja desfeito, elevando os spreads de dívida soberana e pressionando moedas locais. Mais um  fato.

Oportunidades e Armadilhas para Investidores

No ápice da guerra comercial, muitos fundos emergentes estavam subalocados em mercados dos EUA e Europa; agora, o influxo de capital em ações americanas e a valorização do dólar sugerem retorno a uma normalização, mas também risco de desalavancagem rápida. Investidores devem ponderar se seguirão aproveitando a alta pontual de índices como o S&P 500 - que registrou ganhos de quase 3% em alguns pregões - ou se protegerão parte da carteira em ativos menos correlacionados, como mercados asiáticos cujo apetite por risco pode oscilar conforme a extensão do acordo.

Taxas de juros e custo de capital: em resposta ao armistício, bancos centrais de economias avançadas revisitam suas projeções de política monetária. Nos EUA, ainda que o Fed mantenha o discurso hawkish, o enfraquecimento do clima inflacionário sugere que cortes de juros poderão ocorrer antes do previsto, reduzindo o custo do financiamento corporativo. Já em países emergentes, a pressão por elevar compulsórios ou restringir crédito de longo prazo aumenta - medida que pode desacelerar empréstimos e investimentos em infraestrutura.

Setores contracíclicos e temáticos: apesar do otimismo geral, segmentos como tecnologia de semicondutores, energias renováveis e biotecnologia mantêm-se resilientes mesmo em ambientes de incerteza comercial. Essas indústrias têm cadeias de valor menos sujeitas a tarifas e usufruem de ciclos de inovação que transcendem disputas tarifárias. Para investidores fundamentalistas, empresas com patentes fortes e receita diversificada em várias jurisdições oferecem um hedge natural contra a volatilidade advinda do término do período de trégua.

Em suma, o acordo de 90 dias entre EUA e China constitui um alívio tático, mas não altera as tendências estruturais de desaceleração chinesa, reconfiguração de cadeias globais e volatilidade de capital. Para investidores arrojados, a trégua abre janelas para ajustes de portfólio: equilibrar exposição a ativos “fireproof” - como empresas de tecnologia e saúde - e proteger posições em mercados emergentes via instrumentos de hedge cambial e títulos de crédito privado. O verdadeiro teste virá ao final do período de paz tarifária: se as conversações evoluírem para um pacto mais amplo, teremos iniciado um novo capítulo de globalização; caso contrário, retornaremos ao ciclo de retaliações e correções abruptas que caracterizou a última década.

Nesse jogo de xadrez econômico, quem antecipar não apenas a descompressão de tarifas, mas os efeitos secundários em logística, custos de capital e crédito, sairá vencedor. Afinal, a melhor estratégia de investimento em 2025 não será apenas seguir o fluxo dos índices, mas entender como essa breve pausa nos protecionismos redefinirá o mapa de oportunidades - e armadilhas - no tabuleiro global.

Últimos comentários

Carregando o próximo artigo...
Instale nossos aplicativos
Divulgação de riscos: Negociar instrumentos financeiros e/ou criptomoedas envolve riscos elevados, inclusive o risco de perder parte ou todo o valor do investimento, e pode não ser algo indicado e apropriado a todos os investidores. Os preços das criptomoedas são extremamente voláteis e podem ser afetados por fatores externos, como eventos financeiros, regulatórios ou políticos. Negociar com margem aumenta os riscos financeiros.
Antes de decidir operar e negociar instrumentos financeiros ou criptomoedas, você deve se informar completamente sobre os riscos e custos associados a operações e negociações nos mercados financeiros, considerar cuidadosamente seus objetivos de investimento, nível de experiência e apetite de risco; além disso, recomenda-se procurar orientação e conselhos profissionais quando necessário.
A Fusion Media gostaria de lembrar que os dados contidos nesse site não são necessariamente precisos ou atualizados em tempo real. Os dados e preços disponíveis no site não são necessariamente fornecidos por qualquer mercado ou bolsa de valores, mas sim por market makers e, por isso, os preços podem não ser exatos e podem diferir dos preços reais em qualquer mercado, o que significa que são inapropriados para fins de uso em negociações e operações financeiras. A Fusion Media e quaisquer outros colaboradores/partes fornecedoras de conteúdo não são responsáveis por quaisquer perdas e danos financeiros ou em negociações sofridas como resultado da utilização das informações contidas nesse site.
É proibido utilizar, armazenar, reproduzir, exibir, modificar, transmitir ou distribuir os dados contidos nesse site sem permissão explícita prévia por escrito da Fusion Media e/ou de colaboradores/partes fornecedoras de conteúdo. Todos os direitos de propriedade intelectual são reservados aos colaboradores/partes fornecedoras de conteúdo e/ou bolsas de valores que fornecem os dados contidos nesse site.
A Fusion Media pode ser compensada pelos anunciantes que aparecem no site com base na interação dos usuários do site com os anúncios publicitários ou entidades anunciantes.
A versão em inglês deste acordo é a versão principal, a qual prevalece sempre que houver alguma discrepância entre a versão em inglês e a versão em português.
© 2007-2025 - Fusion Media Limited. Todos os direitos reservados.