No último dia 19 de agosto, uma renomada gestora do mercado financeiro brasileiro enviou um alerta aos seus cotistas que gerou preocupação entre os investidores. A carta apontava uma prática preocupante: alguns fundos imobiliários (FIIs) estão distribuindo dividendos acima da geração de caixa, amparados em sucessivas emissões com o objetivo de inflar as cotações.
A carta não cita exemplos específicos e se restringe apenas a um alerta. A minha ideia neste artigo é discorrer um pouco sobre o que disse o documento, mas não caberia replicar o conteúdo neste espaço.
Caso exista alguma curiosidade sobre o tema, basta realizar uma pesquisa no Google. Veículos de comunicação com cobertura de finanças replicaram o relatório em diversos canais.
Contudo, ainda que a carta sirva apenas como uma forma de chamar a atenção dos investidores, é importante dizer que a iniciativa é válida e importante. Porém, vale ressaltar, a carência de detalhes educacionais gerou mais preocupações do que esclarecimentos.
De fato, um dos grandes riscos ao comprar um ativo gerador de renda é essa renda não ser sustentável. Ou não ser no nível que o investidor acredita que seria. O que leva não só a um erro na precificação como a uma frustração futura quando a renda retorna aos patamares mais sustentáveis.
Neste ponto, é importante dizer que o dividend yeld histórico, indicador utilizado para avaliar o retorno em dividendos de um investimento em relação ao preço atual, não diz nada sobre isso. É preciso entender o caminho que o dinheiro percorre, de onde ele sai até chegar aos bolsos dos cotistas.
Esse tipo de informação não fica maquiada ou escondida. Na maioria dos casos, uma boa lida nos relatórios gerenciais, com atenção para a DRE (Demonstração do Resultado de Exercício) vai revelar a real capacidade de distribuição de um FII.
Infelizmente, muitas pessoas se amparam apenas no passado da distribuição para tentar prever o futuro e consideram os pagamentos mais recentes como algo perpétuo.
O que a Squadra comunicou no documento é verdade. Alguns fundos imobiliários realmente distribuem um patamar de dividendos insustentável e isso acontece por, basicamente, três motivos.
O primeiro ocorre pela distribuição de resultados não recorrentes, como, por exemplo, o lucro gerado pela venda de um imóvel. Neste ponto, vale lembrar que os FIIs são obrigados a distribuir, no mínimo, 95% do resultado de caixa dentro de cada semestre.
E não há nada de errado com isso.
O grande problema está do lado do pequeno investidor, que entende que aqueles rendimentos serão perpétuos e incorporam essa ideia em suas projeções, o que, quase sempre, dá errado.
Neste sentido, é preciso compreender como o fluxo dos recursos acontece dentro de um fundo imobiliário e alguns dos motivos pelos quais alguns deles geram um dividendo insustentável.
Uma segundo motivo seria Alavancagem com postergação do pagamento dos juros.
Isto ocorre quando um fundo lança um CRI, que é a principal maneira para se alavancar e este produto é estruturado com carências de juros, por exemplo.
Isso significa que, durante alguns meses, aquela despesa financeira, que ainda não existe, ao menos por um tempo, não impactará o resultado caixa, melhorando a capacidade de distribuição.
O mais importante é o investidor entender que é algo temporário. Novamente, analisando como a distribuição está sendo feita e não perpetuando os últimos dividendos.
Outra forma acontece por meio da chamada Renda mínima garantida (RMG).
A RMG é um mecanismo bastante comum na indústria de fundos imobiliários para assegurar alguma distribuição ou um melhor patamar de distribuição nos primeiros anos de um novo empreendimento, na fase de obras ou quando o imóvel recém-lançado ainda se encontra vazio.
A ideia é que o empreendedor se comprometa a pagar um valor mínimo de aluguel ao fundo, independentemente da ocupação ou utilização do imóvel.
Do ponto de vista financeiro, nem sempre faz sentido. Como quem paga a RMG é o empreendedor, é claro que o valor distribuído será incorporado ao valor do empreendimento, vendido ao fundo. Portanto, na prática, o próprio cotista está pagando o dinheiro que vai receber.
Contudo, este acordo é temporário e uma vez finalizado o contrato, serão distribuídos os rendimentos que estiverem sendo gerados. Ou seja, caso o valor da RMG esteja acima do que a ocupação arrecada com os aluguéis, os investidores receberão menos.
Sobre as emissões, como enfatizado na carta da Squadra, não vejo relação direta. Um fundo imobiliário não pode distribuir o dinheiro captado em uma emissão sob forma de dividendos.
Um FII não pode distribuir, como dividendos, o dinheiro captado em uma emissão. No entanto, emissões podem ser usadas para o pagamento da dívida, eliminando a despesa financeira e possibilitando que o gestor entre em outra, por exemplo.
Vale ressaltar que a alavancagem não é necessariamente ruim. Quando bons imóveis são comprados, principalmente com potencial de valorização acima do indexador e cap rate, que é o aluguel dividido pelo preço, maior do que os juros da dívida, a alavancagem tende a ser positiva.
E, sim, distribuições elevadas puxam as cotações, principalmente dentro de um mercado pouco maduro como o brasileiro.
Isso abre espaço para um outro gestor agir de má-fé. Se identificar um, invista em outro ativo. Simples assim.
Valuation com base na distribuição de renda deve ser feito com base na projeção de dividendos, não no atual.
Como eu sempre digo, investir é uma espécie de “game” para adultos, porém, com recursos e vidas reais. Você precisa agir de maneira responsável.
Portanto, cuidado com recomendações da internet e com as suas fontes de informação.
Apesar de novo, o mercado de fundos imobiliários tem crescido e se organizado de uma forma bastante eficiente. Existem profissionais e conteúdos que podem ajudar no desenvolvimento de uma estratégia de investimentos de forma adequada.
Muitos fundos imobiliários e times de gestão já possuem histórico que possibilitam uma análise adequada. Prefira quem possui histórico de resultados e fuja das novidades.
Entendendo a qualidade dos ativos, qualidade da gestão e real capacidade de geração de renda, você elimina a maioria dos problemas.
Olhando só dividend yield e P/VP, você cria problemas para você mesmo.
Pense nisso e até o próximo artigo!