Todos nós, nas diversas dimensões das nossas vidas e nos múltiplos papéis que exercemos (de investidores, inclusive), almejamos alcançar o “sucesso”. Este é um dos muitos comportamentos inatos do Homo Sapiens derivados do instinto de sobrevivência dos indivíduos e que tende a contribuir também para a perpetuação da nossa espécie, assim como ocorre com todos os demais seres vivos e é demonstrado pela Biologia Evolutiva.
Mas, afinal de contas, o que é “sucesso”? Apesar de ser um conceito intuitivo, a sua definição adequada está longe de ser óbvia e a maioria das pessoas possui ideias distorcidas ou completamente erradas a respeito.
E como alcançar o “sucesso”? Eis uma questão tão relevante quanto entender o que realmente significa ter “sucesso”. Esta compreensão é condição necessária porém não suficiente para vislumbrarmos os múltiplos caminhos que podem levar ao “sucesso”.
Pela sua importância ambas as questões são abordadas, desde o seu surgimento, pelas três principais construções humanas que visam explicar a natureza da realidade: a Religião, a Filosofia e a Ciência. Aqui neste artigo eu me restringirei a uma perspectiva científica focada em Economia e Finanças em geral e em investimentos em particular.
SUCESSO EM INVESTIMENTOS: O QUE É?
Carlos é um investidor experiente e com razoável conhecimento sobre o mercado financeiro, apesar de não ser um profissional da área. Em 2020 a sua carteira de investimentos (que congrega ativos de renda fixa e de renda variável) alcançou uma rentabilidade líquida de 11,5%.
Carlos obteve “sucesso”?
A maioria das pessoas certamente responderia “sim”, mas a resposta adequada é: “depende”. E pelos seguintes motivos:
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É um erro comum julgar o sucesso de um investimento pela sua rentabilidade, subestimando ou até mesmo ignorando dois outros aspectos igualmente importantes: o risco e a liquidez. Isto é decorrente de vários vieses já identificados por Finanças Comportamentais e, em última instância, da “racionalidade limitada” que resultou no Nobel recebido por Herbert Simon em 1978. Os 11,5% obtidos pelo Carlos podem ter sido à custa de um nível desproporcionalmente elevado de risco e reduzido de liquidez.
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Esses 11,5% foram muito positivos em 2020 quando comparados à inflação medida pelo IPCA, ao Ibovespa, ao CDI e à maioria das alternativas de investimento. Por outro lado, foram substancialmente inferiores à inflação medida pelo IGP-M, ao ouro, ao dólar americano, ao euro e a diversas outras alternativas de investimento. E em comparação à rentabilidade obtida por investimentos com o mesmo nível de risco e de liquidez da carteira de investimentos do Carlos? O índice de referência (benchmark) empregado é uma escolha arbitrária e por si só torna subjetiva a avaliação de “sucesso” de qualquer investimento.
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Mesmo que o resultado alcançado por Carlos possa ser considerado um “sucesso” em 2020, há a questão do horizonte de tempo. Se os objetivos do Carlos como investidor forem de longo prazo (complemento financeiro para a sua futura aposentadoria, p.ex.), um ano é um período curto demais para avaliarmos adequadamente o desempenho da sua carteira de investimentos. Mas o “viés do presente” – “imediatismo”, ainda mais evidente no Brasil por razões históricas, culturais e econômicas – tende a nos levar a conclusões precipitadas. Esta carteira do Carlos pode, dependendo do seu perfil e do comportamento que a Economia vier a apresentar no futuro, proporcionar resultados insatisfatórios caso não sofra ajustes apropriados ao longo do tempo.
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Conforme já expus em vários artigos que eu publiquei anteriormente aqui no Investing.com, investir de forma “racional” pressupõe ser consistente com os seus objetivos, perfil e necessidades. Portanto, o “sucesso” do Carlos depende do quão consistente ele está conseguindo ser perante estes três parâmetros essenciais os quais, acima de tudo, devem ser tanto balizadores decisórios quanto critérios de julgamento do seu desempenho. Avaliar de outra forma os resultados obtidos por qualquer investidor é incorrer no grave “viés do narrow framing” (visão estreita e reducionista).
Cada investidor só é capaz de definir e também de avaliar o seu próprio “sucesso” – e que é inerentemente único e individual, assim como a “utilidade” que o mesmo deve buscar maximizar – caso possua níveis suficientes de conhecimento (sobretudo sobre Economia e Finanças em geral) e de autoconhecimento (valores pessoais, perfil demográfico, inteligência e racionalidade). Estes são dois dos quatro “componentes primordiais” da abordagem decisória que eu tenho recomendado em meus artigos a todos os investidores.
SUCESSO EM INVESTIMENTOS: COMO ALCANÇAR?
Contrariamente ao que é apregoado por muitos “influenciadores” e outros exploradores da atratividade humana por soluções simples, fáceis e rápidas, não há uma “receita de sucesso” em investimentos. Há muitos caminhos possíveis para um investidor satisfazer as suas necessidades, ou seja, em linha com os seus objetivos e perfil.
“Só se pode alcançar um grande êxito quando nos mantemos fiéis a nós mesmos.” (Friedrich Nietzsche).
Um destes possíveis caminhos é o método que eu tenho detalhado desde o meu primeiro artigo aqui no Investing.com, baseado nos componentes primordiais “conhecimento”, “autoconhecimento”, “processo decisório” e “implementação”.
Nesta busca por “sucesso”, o investidor necessita ter consciência também sobre os seguintes aspectos que já discuti em outros artigos:
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A Neurociência já demonstrou que somos muito menos hábeis do que imaginamos para tomar decisões complexas, porém muito mais capazes do que supomos de nos aprimorarmos nesta atividade crucial.
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A nossa consistência decisória é limitada pela ação combinada do “efeito posição” – influência do contexto (ambiente circunstancial) exercida sobre o comportamento momentâneo de um indivíduo – com o “efeito disposição”, que consiste na influência das características pessoais inatas (“nature”) e adquiridas (“nurture”) sobre este mesmo comportamento.
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Outro fator restritivo para o alcance do “sucesso” é a compreensão simplificada, distorcida e única de cada ser humano sobre a realidade. Isto decorre tanto da imensa complexidade do mundo quanto de duas limitações da nossa fisiologia: do nosso cérebro e dos nossos cinco sentidos.
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A Economia em geral é um “ambiente de baixa previsibilidade” (“ambiente de baixa validade” em linguagem científica, envolvendo um significativo grau de incerteza e imprevisibilidade). Isto se reflete diretamente nos mercados financeiros, os quais também são intrinsecamente imprevisíveis.
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Há um inerente conflito de interesses, em maior ou menor grau, na relação entre investidores e bancos, corretoras e consultores e assessores financeiros.
Por fim mas não menos importante, há o fato fundamental de que o “sucesso” não depende somente das nossas próprias capacidades, decisões e ações, mas também de variáveis que não controlamos mas que nos afetam direta e indiretamente. Isto foi sintetizado de forma inspirada por Kahneman através da equação “sucesso = talento + sorte”.
* Ronaldo Deccax é Doutor em Administração com ênfase em Economia/Finanças Comportamentais, Mestre em Administração com ênfase em Estratégia no COPPEAD/UFRJ e Professor, Consultor e Pesquisador em Julgamento & Tomada de Decisão, Economia/Finanças Comportamentais, Negociação e Compras/Suprimentos. Ele pode ser contactado através do e-mail ronaldo.deccax@coppead.ufrj.br e no LinkedIn em linkedin.com/in/ronaldo-deccax-phd-169217.