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Juro Baixo, Câmbio Alto e PIB Fraco: Por Que Brasil Não Sai do Atoleiro?

Publicado 05.03.2020, 14:57
Atualizado 09.07.2023, 07:32
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Salvo quem ainda acha que a Bolsa, de alguma forma, enxerga o que as pessoas comuns e até investidores estrangeiros não enxergam, profissionais da economia parecem mais dispostos a admitir a fraca performance do país. A antes inviolável carapaça de Paulo Guedes dá sinais de fraqueza e o próprio Ministro manifestou certa propensão a abandonar o barco. Dados do PIB mostram crescimento de míseros 1.1%, o dólar gira em torno dos R$4.60 – na sessão de hoje (05), no momento em que escrevo, está em torno de R$4.63.

Não bastasse, tem-se que considerar o impacto do coronavirus na economia mundial e seu efeito agravante em outros fatores de aversão ao risco (desaceleração da China e Europa, guerra comercial, consolidação do Brexit, etc.) que seguem em aberto. Representantes do G7 anunciaram na segunda-feira (02) que farão de tudo para suavizar o impacto na economia global e o Federal Reserve (Fed), banco central dos EUA, realizou um corte-surpresa na taxa de juros pela primeira vez desde a crise de 2008-09.

Com tudo isso em mente, é importante perguntar até que ponto será possível sustentar a política monetária de Guedes, com ou sem ele, e que resumo aqui na tríade “austeridade, juro baixo e câmbio alto”. Embora a tônica por trás de cada um desses fatores é velha conhecida do mercado financeiro, onde é (quase) unanimidade, até o momento ela não surtiu os efeitos previstos e tivemos o pior resultado PIB em três anos. O Estado está mais leve, o crédito está mais barato e o real é a moeda mais desvalorizada de 2020 frente ao dólar, em tese fazendo nossos produtos mais competitivos. Ainda assim, seguimos no atoleiro internacional. Mas por quê?

Existem muitos fatores, alguns fora do nosso controle, mas, em geral, tudo gira em torno da imagem projetada pelo Brasil a nível internacional e da governança macroeconômica. Nos dois casos, é preciso ressaltar a máxima de que a Economia é uma disciplina histórica. Quer dizer: seu funcionamento depende do momento histórico em que determinada economia se encontra e, portanto, aquilo que vale para as economias mais desenvolvidas não necessariamente vale para aquelas que se encontram numa conjuntura diferente e cujo trajeto até esse ponto fora igualmente distinto – caso das ex-colônias, como o Brasil.

Em outras palavras: não se pode importar a política monetária dos países desenvolvidos, vendida como única possível (não é), utilizá-la em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento e esperar os mesmos resultados. A ideia de que a Economia fornece soluções universais porque, em suma, seu funcionamento é universal, é uma grande bobagem: as soluções devem ser pensadas em função dos problemas específicos de uma economia, e não transplantada a força de uma economia a outra. Infelizmente, é justamente isso que Paulo Guedes, guiado pela dogmática Escola de Chicago dos anos 70-80, não parece compreender.

Para que fique claro, é importante entender primeiro a racionalidade por trás da política de estímulo econômico via redução da taxa básica de juros, que determina o preço do crédito dentro de uma economia. Isto, porque ele dita o preço do “primeiro” empréstimo: aquele feito ao próprio governo via títulos públicos. Por ser considerado o investimento mais seguro dentro desse contexto, os outros juros derivam dele e crescem conforme o risco assumido por quem empresta aumenta. Portanto, se o juro diminui “na raiz” (no primeiro empréstimo), o preço dos demais também é reduzido.

O que isso significa na prática é que o empréstimo ou crédito se torna mais barato, estimulando empresas e pessoas contraiam mais dividas para compras ou investimentos, aquecendo a economia até que ela se recupere do estado de recessão ou desaceleração. Na teoria, com empresas pequenas, médias e grandes investindo em si mesmas, gera-se emprego, que gera mais consumo e assim por diante, num círculo virtuoso. Entretanto, em Economia, não se ganha nada sem abrir mão de algo.

Quando o crédito fica barato demais e a economia cresce rápido demais, a inflação tende a subir muito rápido, desvalorizando a moeda sem que, necessariamente, a renda das pessoas aumente. Por sua vez, como os juros oferecidos por títulos públicos, que ajudam a financiar o próprio governo, se tornam menos atraentes e, com a demanda caindo, cai também a arrecadação. Com rendimentos menores nos juros, a demanda pela moeda nacional cai, o que não é necessariamente ruim, pois os produtos exportados ficam mais baratos e competitivos.

Em síntese, a política econômica de países desenvolvidos gira em torno dessas duas “alavancas”, uma que aumenta e outra que diminui as taxas de juros para fomentar um crescimento controlado da economia, avaliado em função da inflação alta ou baixa, dentre vários outros indicadores macroeconômicos. Agora sim podemos voltar a questão: se a Selic está hoje no patamar mais baixo da história, por que o Brasil continua crescendo tão pouco?

Como disse acima, nossa economia não é desenvolvida e não pode ser tratada como tal. Numa economia avançada, os setores industriais e de serviço produzem itens de alto valor agregado, tendo como consequência uma cadeia produtiva bastante longa e diversificada. Ademais, a concentração de riqueza não é tão gritante quanto em países como o Brasil. Dessa forma, ao facilitar o acesso ao crédito, tem-se uma rede muito grande e complexa de atores que são acionados, sustentando assim uma eventual recuperação. Como muito do que se produz acaba virando exportação, tem-se ainda o benefício da desvalorização da moeda, tornando os produtos mais baratos e competitivos internacionalmente.

Ora, não precisa muito para saber que a economia brasileira é o perfeito oposto de uma avançada. Tem baixíssimo grau de diversificação: nossas exportações, embora enormes, giram em torno de uma meia dúzia de produtos de pouco ou nenhum valor agregado. Logo, as empresas nacionais se limitam ao setor de serviços básicos, indústrias de base ou agropecuária extensiva. Isso num cenário de alta concentração de riqueza.

Como precisamos importar quase tudo que não é comida, a desvalorização da moeda nacional pressiona a inflação (já que não há substitutos nacionais) e inviabiliza a formação de empresas de alto valor agregado, que dependem da importação de tecnologia do exterior. Como ainda há amplo desemprego e informalidade, sem mencionar inadimplência, contar com a população pegando empréstimos para financiar empreendimentos é, no melhor dos casos, uma tremenda falta de noção.

Não bastasse, tem-se ainda os juros exorbitantes praticados no pais: a média do juro real das 40 maiores economias do mundo é 0.03%, enquanto a do Brasil (8º maior) girava em torno de 1,65% -- 55 vezes maior que a média e 5 vezes o praticado pela China. Com as novas regras do Banco Central, o cheque especial, uma das opções de crédito mais predatórias do país, fica limitado a 8% ao mês ou cerca de 150% ao ano; em outubro de 2019, a média passou dos 300% ao ano e em janeiro de 2017, o rotativo do cartão de crédito beirou os 500%.

A exceção a esse cenário são as grandes empresas, principalmente as que integram a bolsa de valores brasileira, mas engana-se quem pensa que isso tem impacto na economia real. O crédito barato que lhes é oferecido de fato pode ser reinvestido na expansão interna, mas no mais das vezes é usado para investimentos em capital especulativo (não-produtivo) ou de impacto indireto, na maior parte das vezes fora do Brasil. Como a renda fixa deixa de ser tão atraente para investidores/as internos, o preço dessas ações sobe na medida em que se buscam alternativas na renda variável. Entretanto, a maior parte da população não se beneficia tanto desse processo, tendo em vista que, no geral, brasileiros/as não podem se dar ao luxo de atrelar as finanças a instrumentos que demandam maior tempo de maturação (maior rentabilidade, mas baixa liquidez).

Como os títulos públicos oferecidos pelo governo brasileiro se tornam menos atraentes a cada novo corte da taxa de juros, investidores/as de fora país optam por simplesmente tirarem seus investimentos do país. Ora, conforme se torna necessário assumir riscos maiores fora da renda fixa, qual a vantagem de fazê-lo num país como o Brasil? Que, além da baixa performance internacional e histórico de instabilidade política, é atualmente encabeçado por uma administração federal que parece obcecada em estampar manchetes negativas no exterior? Não surpreende, então, que o rombo no saldo de investimento estrangeiro no país não pare de crescer.

A nível internacional, nossa moeda perde cada vez mais valor porque, de um lado, ninguém quer investir no país e, por outro lado, quem ainda tem investimento aqui tem muita disposição a pagar caro para converter seus reais em dólares. Por fim, considere-se o fator especulativo: contando com a insistência da política de juros baixos em meio a fraquíssima recuperação, investem-se grandes quantias na desvalorização do real. Como os problemas estruturais não dão sinais de serem sanados, as intervenções meramente pontuais do Banco Central servem única e exclusivamente para entregar dólares baratos a grandes agentes especulativos.

E, ainda assim... tudo indica que mais um corte na taxa de juros está próximo, de modo a igualar o diferencial entre a nossa taxa e a dos EUA, que caiu essa semana. Isso, é sempre bom lembrar, em meio a um cenário global de aversão ao risco, acentuado pela crise do coronavirus – talvez a pior desde 2008. Salvo uma reviravolta digna de Hollywood, a tendência é que essa medida agrave esses fatores ao invés de suavizá-los – como venho afirmando há meses.

Para se ter uma ideia, do momento em que comecei o primeiro parágrafo até aqui, no último, o dólar oscila em torno dos R$4.66. O setor de investimentos do Banco do Brasil (SA:SA:BBAS3) prevê alta de R$4.75. Eu, mais pessimista, aposto numa escalada até R$5, quando imagino que soarão as trombetas do apocalipse no Ministério da Economia. Isso antes do fim do ano e, mantidos os fatores, talvez antes mesmo de agosto. Ao achar que fazer o que fazem os países ricos irá tirar o país da recessão, o Brasil ignora aquele sábio ditado: galinha que acompanha pato morre afogada.

Sobre o autor: André Salmerón é jornalista, investidor e pesquisador na área de análise do discurso, com ênfase em economia e sociedade.
Contato: afsalmeron@gmail.com

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