Saudações.
Era um domingo ensolarado, poucas semanas atrás. Havia acordado cedo - o que é deveras incomum, para mim, no Dia do Senhor - e, antes das 9, estava pronto para sair. Meu destino era um tradicional colégio na zona sul de São Paulo.
Poucas horas depois encontrava-me uniformizado e perfilado junto a um exército de voluntários. Em fila, assistíamos a ondas de ônibus chegando, lotados de crianças - se bem me recordo, eram esperadas cerca de 1.500. A cada um de nós seria confiado um pequenino a quem deveríamos, naquele dia, propiciar uma inesquecível festa de Natal.
Logo fui apresentado a Victor Hugo, de 7 anos. Ele estava completando o primeiro ano do ensino fundamental, com boas notas. Gosta da escola, da professora e dos coleguinhas. No recreio, brinca de pega-pega e joga futebol. Mora com os pais, avós e tios e recém ganhou uma irmãzinha.
Lá estava eu diante de um menino absolutamente normal de sete anos de idade - e pouca coisa me poderia ser mais estranha neste mundo. A culpa, talvez, seja do gapdemográfico da minha própria família: filho único, fui por muitos anos o mais novo dos primos e, quando deixei de sê-lo, já não estava mais suficientemente por perto para acumular suficiente experiência com crianças. Minha segunda chance, com sobrinhos emprestados e um afilhado, outras circunstâncias da vida trataram de ceifar. Quiçá por conta da falta de infância ao meu redor, Natais haviam há muito deixado de ser época de tenras lembranças para mim.
Pois bem: minha tarefa, naquele dia, era acompanhar Victor Hugo; ser seu amiguinho por um dia e, enquanto nos divertíssemos nas diversas atividades programadas, aproveitar para com ele conversar e transmitir valores.
Engraçado pensar como parti para essa experiência disposto a ensinar algo quando, na verdade, fui eu quem mais aprendi. Algumas dessas lições, compartilho com você a seguir:
1. Tenha paciência.
Em uma festa para 1.500 crianças, o maior aprendizado vem do exercício de paciência na espera de filas para cada brinquedo. O que poderia ser um verdadeiro caos, no entanto, se transformava em grandes oportunidades para conversar. Compreender que as coisas levam certo tempo para acontecer, que recompensas não vêm de imediato, é uma lição que, embora óbvia, parecemos muitas vezes deixar de lado.
Boa coisa para ter em mente quando for olhar o home broker pela oitava vez no dia.
2. Não dê muita bola para a opinião da maioria.
Mais uma lição das filas: enquanto a maioria se amontoava em linhas quilométricas em torno dos brinquedos mais populares, meu pequeno amigo preferia fazer melhor uso de seu tempo explorando aqueles aos quais os demais davam menos atenção. E foi assim que acabou descobrindo sua barraca favorita, inspirada no jogo Fruit Ninja, na qual voltamos mais duas vezes ao longo daquele dia.
Não necessariamente as alternativas mais populares são as melhores. Vale para brinquedos e vale para investimentos.
3. Não tente fazer de tudo.
No começo da festa foi entregue a cada criança uma cartela a ser preenchida com carimbos que eram dados em cada brinquedo pelos quais passassem. O desafio, implícito, era percorrer o maior número possível de brinquedos. Ocorre que o número deles era simplesmente grande demais... como resultado, a maioria dos que tentaram o desafio se viram, ao final, exauridos e frustrados: não conseguiram cumprir a meta e, ao mesmo tempo, desfrutaram menos do que poderiam de cada experiência.
Quando tentamos fazer de tudo ao mesmo tempo, sobrecarregamo-nos desnecessariamente. Autoimpomo-nos atingir resultados irrazoáveis e acabamos por obter outros idênticos aos que poderiam ser auferidos com muito menos esforço. Saiba reconhecer suas limitações e restrinja-se ao que lhe é de fato possível fazer.
Aprenda a lidar com frustrações.
Cada criança havia, antes da festa, escrito uma cartinha para o Papai Noel pedindo um presente - meu amiguinho, em particular, havia pedido um carrinho.
No começo do dia, perguntei: e se você não ganhar o presente que você pediu, como vai ser? Ele deu de ombros, e com típica simplicidade juvenil respondeu que ficaria triste.
Então sentamos e expliquei-lhe: sabe, carinha, às vezes na vida as coisas não acontecem da maneira que a gente quer. Às vezes a gente não ganha o que espera; às vezes a gente perde; às vezes um coleguinha é mais favorecido do que a gente... e isso tudo faz parte da vida. Isso já aconteceu muitas vezes comigo e já deve também ter acontecido com você, não é mesmo? - ele me olhava atento e acenou positivamente com a cabeça - E, quando isso acontece, a gente não deve ficar triste; a gente deve aprender a fazer o melhor com o que tem e seguir em frente. Então vamos combinar assim: a gente vai se divertir ao máximo hoje, aproveitar o agora, e se em vez de um carrinho você ganhar outra coisa, não tem problema, ok?
E assim selamos um acordo.
Sim, ele ganhou um carrinho - o qual adorou, diga-se de passagem. A caixa do mesmo foi instantaneamente convertida em um túnel, com o qual brincamos no chão do ginásio onde os presentes eram distribuídos.
Um amiguinho ganhou um carrinho também - três vezes o tamanho do dele, mas quem disse que ele se importou? A gente deve aprender a fazer o melhor com o que tem, aparentemente. E o dia havia sido tão repleto de atividades que o cansaço falava mais alto.
Aprenda a apreciar genuinamente o que você tem: os meios importam tanto quanto os fins; o processo importa tanto quanto o resultado.
Aproximava-se a hora de ir embora, e os responsáveis por cada grupo iam arregimentando as crianças para embarcá-las de volta nos ônibus. Em meio à confusão, não consegui me despedir como gostaria de Victor Hugo.
Não consegui agradecê-lo pelo tanto que com ele aprendi, naquele dia, sobre autenticidade, simplicidade e alegria em estar presente: às vezes, na vida, as coisas não acontecem da maneira que a gente quer - a lição também valia para mim.
Fica bem, carinha. Continua sendo um menino bom.
-Ricardo