Um cenário de maior incerteza se apresenta aos mercados financeiros, em meio ao crescente receio de que o aumento dos juros nos Estados Unidos seja ainda mais intenso que o esperado e de que a Europa possa interromper os estímulos monetários à economia, diante dos sinais de volta da inflação. Na China, a alta dos preços ao produtor (PPI) no maior ritmo desde os Jogos Olímpicos em Pequim (2008) ainda não traz preocupação. Já no Brasil, os desdobramentos políticos podem comprometer o andamento das reformas.
Com isso, os negócios no exterior se retraem, à espera da confirmação dessas premissas, com potencial para afetar os mercados domésticos. Lá fora, enquanto os investidores aguardam os dados oficiais sobre o emprego nos EUA (payroll), amanhã, para calibrar as apostas em relação ao Federal Reserve, as atenções se voltam à decisão de juros na zona do euro, hoje.
Para a taxa de juros em si, o mercado não espera nenhuma surpresa por parte do Banco Central Europeu (BCE) e o custo do empréstimo entre os países que compartilham a moeda única deve seguir em zero. O anúncio será feito às 9h45, mas o foco estará mesmo na entrevista coletiva concedida pelo presidente da instituição, Mario Draghi, às 10h30.
A dúvida é se ele irá manter o viés suave (“dovish”), após os dados de aceleração da inflação e da atividade na zona do euro. As apostas são de que Draghi possa ventilar a necessidade de diminuição gradual do volume de compra de ativos – processo chamado de “tapering” – o que tende a enxugar a liquidez global de recursos.
O prazo de validade do atual programa é dezembro deste ano, a doses mensais de 60 bilhões de euros até março e de 80 bilhões de euro a partir de abril, até o fim. Mas a previsão majoritária é de que não haja mudanças no cronograma, com o BCE mantendo certa trégua entre "pombos" (doves) e "falcões" (hawks).
Por enquanto, o dólar mostra fôlego mais curto ante os rivais, o que favorece o euro e o iene, mas os dados de inflação na China levou o yuan ao menor nível em dois meses ante a moeda norte-americana. O índice de preços no atacado subiu 7,8% em fevereiro, em relação a um ano antes, acelerando-se ante a alta de 6,9% em janeiro, em base anual, e ficando acima da previsão de +7,7%.
Antes, o PPI vinha acumulando quatro anos e meio de queda dos preços, sequência que só foi interrompida em setembro de 2016. Já a inflação ao consumidor (CPI) subiu 0,8% no mês passado, menos que a estimativa de +1,7%, mostrando quão insensíveis são os preços no varejo em relação ao comportamento ao produtor e reduzindo a necessidade de medidas para conter os riscos inflacionários.
Ainda assim, as commodities não apresentam uma direção única. O petróleo se recupera do nível mais baixo em três meses, ao passo que, nos metais, o ouro cai pelo quarto dia seguido e o cobre também recua. Esse comportamento afeta as moedas emergentes em relação ao dólar.
Nas bolsas, os índices futuros de Nova York não conseguem definir um rumo para o dia, ao passo que as praças europeias ensaiam perdas na abertura da sessão, seguindo o sinal negativo que prevaleceu na Ásia. Apenas Tóquio subiu (+0,34%).
O apetite por ativos de maior risco diminuiu após os números robustos sobre a geração de vagas no setor privado dos EUA em fevereiro, conforme a pesquisa ADP, o que mantém em alta o juro projetado pelos títulos norte-americanos (Treasuries). Caso o chamado payroll também supere as expectativas, a situação do emprego no país pode esquentar o debate sobre o ritmo do aperto, ainda dividido entre duas e três elevações ao longo de 2017.
Além disso, o BCE pode se juntar à lista dos bancos centrais com um tom não tão dovish quanto o mercado quer ouvir e caminhando para uma postura cada vez mais dura (“hawkish”), a qual já vem sendo adotada pelo Fed há algum tempo. Os investidores vêm ampliando as apostas de que a taxa de juros norte-americana vai subir na próxima semana.
E juros mais altos por lá têm potencial em atrair à maior economia do mundo recursos aplicados em outros mercados, como o brasileiro. Ontem, o dólar e a Bovespa dispararam movimentos mais firmes de realização de lucros por causa do cenário externo, ao mesmo tempo em que tentam decifrar a inclinação também mais dura do BC e do governo.
Por ora, o BC mostra que não vê motivos para acelerar o ritmo de cortes na taxa básica de juros (Selic), ao mesmo tempo em que o ministro Meirelles (Fazenda) reafirma o compromisso com a meta fiscal deste ano. Só que, com juros não tão baixos e a atividade ainda frágil, as contas públicas simplesmente não fecham, necessitando de um aumento da arrecadação federal via alta de impostos.
Rumores de que a Fazenda poderia elevar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nas operações de câmbio levaram o dólar para perto de R$ 3,20 no pregão de ontem. A notícia, via fontes do governo, foi desmentida pelo BC (!) ainda durante os negócios, mas o sinal amarelo ficou aceso nos mercados domésticos de qualquer jeito.
Os negócios locais também seguem na expectativa pela lista do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de abertura de inquéritos que ele planeja pedir ao Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar ministros do governo Temer e senadores do PMDB por corrupção. Esse cenário pode atrapalhar a votação de reformas cruciais que estão em tramitação no Congresso, como a da Previdência, que já enfrenta maior resistência.
Na agenda econômica do dia, a divulgação local faz uma pausa e traz apenas a primeira prévia deste mês do IGP-M (8h) e um novo levantamento sobre a safra agrícola de 2017 (9h). No exterior, saem os pedidos semanais de auxílio-desemprego feitos nos EUA e os preços de importação e exportação no país no mês passado, ambos às 10h30.