Nos últimos anos, surgiram dezenas de mesas proprietárias no Brasil. O modelo de negócio, criado nos Estados Unidos e que faz muito sucesso por lá, ainda engatinha por aqui, e uma das razões é a falta de traders com boa experiência para operarem no mercado financeiro.
O brasileiro, em geral, ficou décadas preso à Poupança, por oferecer segurança e acessibilidade, apesar de render muito pouco. Investir no mercado financeiro em geral, entre outros, sempre pareceu muito complicado e, somando os obstáculos de outrora à pouca ou nenhuma educação financeira, o país não formou muita gente capacitada a lidar com o risco.
Mas a tecnologia tornou o investimento no mercado financeiro e em outros produtos mais fácil, acessível e esse cenário vem mudando. A internet permite acesso à informação e com isso vem aumentando bastante a quantidade de pessoas interessadas em obter rentabilidade em produtos variados. Aos poucos a poupança vai perdendo seu protagonismo. Um processo lento, é verdade.
E o que isso tem a ver com as mesas proprietárias? Bom, a mesa proprietária é um modelo de negócio em que seus sócios disponibilizam o próprio capital da empresa e contratam traders para operarem com o dinheiro da empresa por meio de uma plataforma própria para isso. Essa plataforma possibilita o total controle das ações dos operadores. Por exemplo, a mesa estipula o percentual máximo de perda de cada um.
Isso é necessário porque a mesa proprietária remunera o trader dando a ele um percentual dos seus ganhos líquidos, mas assume por inteiro o prejuízo caso a operação tenha sido mal-sucedida. Sendo assim, é inevitável que os gestores se resguardem impondo um limite. Bom, aqui dá para ver que não se trata de uma aventura e sim de um negócio bem pensado.
E aí voltamos à questão da formação financeira. Para captar traders, cientes de que não há muitos disponíveis, as mesas proprietárias oferecem cursos, uns gratuitos e outros pagos. Depois cobram para que os interessados em operar no mercado participem de testes de admissão. Até aí tudo normal. O problema é que neste processo existe muita promessa mirabolante e atitudes dos gestores que só servem para prejudicar a imagem das empresas deste segmento.
Um dos problemas é a promessa de ganhos exagerados. Fazem acreditar que o day trade pode tornar alguém rico da noite para o dia. Errado. O daytrade pode sim gerar renda (principal ou complementar) na maioria dos casos e em casos específicos enriquecer alguém.
Mas não para por aí. Algumas mesas que não cumprem o prometido. Não pagam o percentual que é de direito do trader ou mudam regras no meio do caminho e pagam menos. Limitam operações a ponto de deixarem o trabalho inviável para o trader. E por aí vai.
Em um primeiro momento isso pode até ser lucrativo para os donos dessas mesas proprietárias. Mas é por um período curto, pois não é sustentável. Não demora para que as pessoas percebam que o negócio é uma fria e caiam fora. A propaganda negativa boca a boca funciona e com o auxílio das redes sociais fica ainda mais eficaz para derrubar maus empresários.
Essa situação, aliás, lembra o que aconteceu com o mercado de startups. Mais ou menos entre 2018 e 2022, startup era um bom negócio. O que não faltava era investidor para colocar dinheiro com a promessa de que aquela pequena empresa se transformaria em um unicórnio. O R$ 1 milhão investido se transformaria em R$ 1 bilhão poucos anos depois. Mas com o passar do tempo, um problema foi percebido. Muitas startups não se preocupavam com seus fundamentos.
Pelo contrário, trabalhavam com prejuízo na esperança de que se tornariam lucrativas depois de alguns anos. Gastavam muito, pagavam altos salários aos sócios-fundadores, uma farra que não dava retorno. Até que os investidores se tocaram e fecharam a torneira. De 2023 para cá, a gente ouve falar menos de startups. Não que elas não surjam, mas é que os donos do capital estão mais seletivos.
Com o mercado de mesa proprietária é possível que aconteça algo semelhante. Até aqui eu falei das empresas ruins. Obviamente há mesas muito boas e sérias. Estas vão se consolidar no mercado porque fazem um trabalho correto. Não só respeitam os traders como também dão o devido apoio para que eles se tornem grandes profissionais do mercado financeiro. Tem que ser assim se quisermos que nosso mercado de capitais seja tão avançado quanto o dos Estados Unidos.
Porém, não vai demorar muito para que as pessoas comecem a separar o joio do trigo. E se já está difícil de se manter, com marketing apelativo e descumprimento de regras é que as contas não vão fechar. Não vão perder apenas operadores, mas também deixarão de ter credibilidade como marca. Um negócio só pode ser sustentável caso seja pautado por um bom plano de negócios e a mais efetiva transparência nas relações entre todos os envolvidos. Esse sim é o futuro que desejamos para as mesas proprietárias.