O papel da Arábia Saudita no mercado mundial de fertilizantes e no agro brasileiro

Publicado 03.05.2025, 11:10
 

O insumo invisível que move o agro

O Brasil é uma potência agrícola, e sua força no campo depende de um elo muitas vezes invisível, mas absolutamente estratégico: os fertilizantes. Eles chegam a representar até 40% do custo total da produção agrícola, e mais de 85% dos fertilizantes utilizados no país são importados.

Num momento de reconfiguração geopolítica mundial, um novo protagonista vem ganhando espaço: a Arábia Saudita, que vem apostando alto no setor de fertilizantes como parte do seu plano de diversificação econômica. Entender esse movimento é fundamental para quem atua no agro ou no mercado financeiro. Para o Brasil, maior importador mundial de fertilizantes, compreender esse movimento saudita é mais do que estratégico: é uma questão de segurança produtiva e alimentar.

Quais são os principais fertilizantes usados na agricultura?

  A base da fertilização agrícola se resume a três macronutrientes essenciais:

  • Nitrogênio (N): estimula o crescimento das folhas e caules (ex: ureia, nitrato de amônio)
  • Fósforo (P): vital para raízes e floração (ex: superfosfato simples/triplo, MAP, DAP)
  • Potássio (K): ajuda no controle hídrico e na resistência às pragas (ex: cloreto de potássio - KCl)

Quem lidera a produção e o consumo de fertilizantes no mundo?

Essa dinâmica e falta de autossuficiência de fertilizantes não se restringe apenas ao Brasil, muito pelo contrário veremos mais à frente no texto e na imagem a seguir que os maiores produtores de commodities agrícolas não são auto suficientes na produção de fertilizantes e isso fortalece a busca constante por diversificação de fornecedores. Hoje com a discussão das tarifas impostas recentemente pelos EUA ao mundo, esse debate sobre dependência comercial, nacionalização da produção e diversificação de parceiros estratégicos se intensifica, avança e sobe alguns degraus rapidamente.

Imagem 1 - Principais Players no mercado mundial de fertilizantes

Fonte: Desenvolvido pelo Autor dados da IFA – International Fertilizer Association

Análise Comparativa

 

  • Estados Unidos lideram a produção global de fertilizantes nitrogenados, mas também importam em grandes quantidades.
  • Brasil é o maior importador mundial, refletindo sua dependência externa para suprir a demanda agrícola interna.
  • Índia aparece tanto entre os maiores produtores quanto entre os maiores importadores empurrados por um forte subsídio estatal, indicando um consumo interno elevado que supera sua capacidade de produção.
  • China é a maior produtora de NPK combinado do mundo e também aparece no Ranking de importação, demonstrando que assim como o Brasil e EUA não tem autossuficiência e está na busca por diversificação estratégica.
  • Arábia Saudita, embora não esteja entre os maiores importadores, destaca-se como um dos principais produtores, especialmente em fertilizantes fosfatados e nitrogenados.

Entre os países que mais crescem nesse mercado, a Arábia Saudita se destaca como uma nova potência emergente, especialmente em fosfatados e nitrogenados.

O elo entre energia, fósforo e potássio

A Arábia Saudita encontrou nos fertilizantes uma forma estratégica de transformar sua abundância energética em protagonismo industrial e geopolítico. Como maior exportador global de petróleo, o país possui acesso privilegiado e barato ao gás natural, base essencial na produção de fertilizantes nitrogenados como ureia e amônia. Essa vantagem energética permite produzir esses insumos a um custo competitivo, o que reforça sua capacidade de atuação no mercado internacional.

 

Além disso, o país investiu forte na mineração de fosfato, especialmente nas regiões de Al Jalamid e Wa’ad Al Shamal, com grandes operações integradas pela estatal Ma’aden. Esses projetos tornam o país autossuficiente em fosfatados e o colocam entre os grandes exportadores mundiais.

Para completar a tríade do NPK, a Arábia Saudita tem buscado parcerias em regiões como o norte da África e Ásia Central, com foco em ampliar o acesso ao potássio. Essa estratégia garante uma oferta completa de fertilizantes e reforça a presença saudita em mercados-chave — como o Brasil.

1 - Crescimento e Projeções

 

Expansão do Mercado: de acordo com a Mordor Intelligence, o mercado de fertilizantes da Arábia Saudita está projetado para crescer de US$ 395,89 milhões em 2025 para US$ 519,88 milhões até 2030, com um CAGR de 5,6%. Outras fontes, como a Verified Market Research e a IMARC Group, apresentam estimativas semelhantes, reforçando a tendência de crescimento contínuo do setor no país.

2 - Produção e Exportação

Capacidade Produtiva: a Arábia Saudita lidera a capacidade de produção de fertilizantes no Golfo, com destaque para amônia (26%), ureia (28%) e fosfato diamônico (DAP)/MAP (22%).

Exportações: maior exportador de amônia da região do Conselho de Cooperação do Golfo (GCC), atendendo principalmente ao mercado indiano, além de outros países asiáticos e africanos.

3 - Investimentos Estratégicos

 

Joint Ventures: a Ma’aden, empresa estatal saudita, adquiriu a participação de 25% da americana Mosaic na joint venture Ma’aden Wa’ad Al Shamal Phosphate Co por aproximadamente US$ 1,5 bilhão, reforçando o controle saudita sobre a produção de fertilizantes.

O calcanhar de Aquiles da agricultura brasileira

 
Apesar de ser uma das maiores potências agrícolas do mundo, o Brasil possui uma fragilidade estrutural severa quando o assunto é fertilizantes, especialmente no que diz respeito ao potássio. Atualmente, cerca de 95% do potássio utilizado no país é importado, principalmente do Canadá, Rússia e Belarus. Essa dependência externa torna o setor vulnerável a choques logísticos, sanções comerciais e oscilações geopolíticas.

Internamente, o Brasil possui poucas jazidas economicamente viáveis e enfrenta desafios técnicos, regulatórios e ambientais para viabilizar sua exploração. A principal promessa nacional, a jazida de potássio em Autazes (AM), segue paralisada por impasses socioambientais. Com isso, não há um horizonte claro de autossuficiência, e a vulnerabilidade persiste.

Essa realidade coloca o país em uma posição delicada: mesmo com produtividade crescente no campo, a sustentação desse crescimento depende do acesso seguro e contínuo a insumos importados. O caso do potássio simboliza o que muitos chamam de "calcanhar de Aquiles" da agricultura brasileira — um ponto estratégico e sensível que precisa ser tratado como prioridade nacional.

O impacto da guerra na Ucrânia no mercado de fertilizantes

A invasão da Ucrânia pela Rússia, iniciada em 2022, gerou uma disrupção sem precedentes no mercado global de fertilizantes. A Rússia, ao lado da Belarus, era responsável por mais de 40% das exportações globais de potássio, além de exercer forte influência nos mercados de nitrogenados. Com a aplicação de sanções econômicas por parte do Ocidente e o isolamento comercial dos dois países, a oferta global foi severamente comprometida, elevando os preços e trazendo instabilidade ao mercado.

A Ucrânia também teve papel afetado: o país é importante na produção e exportação de amônia e outros insumos básicos utilizados na indústria de fertilizantes. O fechamento de rotas logísticas, a destruição de infraestrutura e a insegurança jurídica agravaram ainda mais o cenário.

O Brasil, sendo o maior importador de fertilizantes do mundo e historicamente dependente desses dois fornecedores, sentiu fortemente os efeitos da crise. O preço dos fertilizantes disparou entre 2022 e 2023, impactando diretamente os custos de produção agrícola e reforçando a necessidade de diversificação de fornecedores.

Nesse contexto, países como a Arábia Saudita, que conseguem oferecer insumos de forma competitiva e com risco geopolítico mais baixo, passaram a ocupar um espaço de maior relevância nos fluxos globais de comércio de fertilizantes.

Relação histórica entre Brasil e Arábia Saudita

A relação bilateral entre Brasil e Arábia Saudita se consolidou ao longo das últimas décadas, principalmente no eixo alimentos e energia. O Brasil é hoje um dos principais fornecedores mundiais de carne bovina e de frango halal, atendendo às exigências culturais e religiosas do consumidor saudita. Em contrapartida, o país do Golfo figura entre os maiores fornecedores de petróleo bruto para o Brasil, compondo parte da nossa matriz de abastecimento energético.

Nos últimos anos, essa relação se expandiu para além das commodities tradicionais. Setores como fertilizantes, mineração, defesa e investimentos vêm ganhando espaço na pauta comercial. Em 2023, o governo brasileiro reforçou esse interesse com uma missão diplomática à Arábia Saudita, focada na criação de parcerias estratégicas para o fornecimento de fertilizantes e a cooperação em projetos de infraestrutura logística. O diálogo entre a ApexBrasil e o Conselho de Cooperação do Golfo (GCC) também intensificou a construção de pontes comerciais e diplomáticas.

Essa base histórica sólida e em expansão abre espaço para novos acordos bilaterais, joint ventures, projetos de misturadoras no Brasil e até participação saudita em investimentos no setor agrícola brasileiro.

Imagem 2 - O que o Brasil Exportou da Arabia Saudita (2020 - 2023) Total U$D 11,48 Bi

Fonte: Observatory of Economic Complexity (OEC)

Imagem 3  - O que o Brasil Importou da Arabia Saudita (2020 - 2023) Total U$D 14,3 Bi

Fonte: Observatory of Economic Complexity (OEC)

Oportunidades e reflexos para o agro brasileiro

O fortalecimento da Arábia Saudita como produtora e exportadora de fertilizantes representa uma oportunidade concreta para o agronegócio brasileiro. A diversificação de fornecedores é, hoje, uma questão de segurança estratégica. Diante da instabilidade vinda do Leste Europeu, estabelecer relações comerciais estáveis com players alternativos, como os sauditas, pode garantir mais previsibilidade de preço, prazo e volume.

Além disso, o acesso a fertilizantes nitrogenados e fosfatados de alta qualidade, produzidos com custos competitivos e infraestrutura logística moderna, tende a beneficiar produtores brasileiros em termos de eficiência e custo. O modelo saudita, altamente integrado entre produção, logística e exportação, se encaixa bem nas necessidades do mercado brasileiro.

Para o lado saudita, o Brasil representa um mercado consumidor robusto, crescente e confiável. A aproximação pode resultar em investimentos diretos no país, parcerias com empresas locais, e inclusive no fortalecimento de vínculos diplomáticos e comerciais com toda a América Latina.

No médio e longo prazo, essa aproximação tem potencial para gerar ganhos bilaterais em escala — tanto na estabilidade do abastecimento de insumos quanto na geração de valor agregado por meio de alianças estratégicas.

Conectando o Cerrado ao Deserto: O Futuro Logístico e Comercial

O avanço da Arábia Saudita no setor de fertilizantes não é apenas uma estratégia comercial, mas um movimento geopolítico com impactos profundos no agronegócio brasileiro. Para o Brasil, maior importador mundial de fertilizantes, essa nova rota representa uma oportunidade de diversificação que vai além da simples oferta de insumos. Ao se aproximar de novos fornecedores como os sauditas, o país poderá mitigar riscos associados à dependência de mercados instáveis e alcançar maior previsibilidade nos preços, prazos e volumes.

Adicionalmente, a “logística reversa” entre os dois países emerge como um diferencial competitivo crescente. Explico, o Brasil já está exportando produtos como carne, frango, açúcar e grãos para o Golfo Pérsico, A rota de retorno de navios com fertilizantes tem funcionado como um diferencial logístico estratégico, principalmente para regiões mais distantes do país, especialmente no norte. Essa interconexão não só ajuda a reduzir custos logísticos, mas também facilita a movimentação de cargas e contribui para o desenvolvimento de uma infraestrutura mais robusta, essencial para o aumento da competitividade no setor agropecuário. Essa aproximação com a Arábia Saudita, associada ao fortalecimento das rotas logísticas, promete beneficiar o Brasil tanto no curto quanto no longo prazo.

Para os investidores e analistas, acompanhar esses movimentos é crucial para identificar oportunidades de crescimento, garantir a estabilidade do abastecimento de insumos e potencializar a geração de valor no agronegócio. Bons investimentos.

 

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