*Com Tomás Kovensky
Modelos de produção agropecuária mais sustentáveis vem recebendo investimentos crescentes, mas o capital concessional ainda é fundamental para escalar estas soluções.
Colaboração entre os atores também é essencial para destravar os gargalos e propor soluções conjuntas.
Direcionar recursos para atividades mais sustentáveis na produção de commodities no Brasil é urgente, dado o cenário de crises climática e de biodiversidade. A FAO/ONU prevê um aumento de 13% na demanda por alimentos até 2032 devido ao crescimento populacional. Isso torna imperativa a adoção de modelos de produção mais sustentáveis, diversos e resilientes. No entanto, essa transição exige capital e inovação. É crucial promover soluções emergentes que transformem os modelos tradicionais de financiamento, combinando expansão e diversificação da produção com a preservação dos biomas brasileiros. Embora alguns avanços possam ser notados, é necessário acelerar o desenvolvimento de mecanismos inovadores para essa transição.
Um exemplo de iniciativa é o IFACC - Inovação Financeira para Amazônia, Cerrado e Chaco, que busca acelerar empréstimos e investimentos para produção agrícola livre de desmatamento, focando nas cadeias da soja, pecuária, sistemas agroflorestais e produtos florestais não madeireiros (PFNMs). Atualmente o IFACC conta com 24 signatários, entre instituições financeiras e empresas. Nos últimos três anos, estes atores lançaram 17 produtos financeiros alinhados a iniciativa, desenhados para incentivar modelos de produção sustentável, incluindo a recuperação e produção em áreas degradadas; proteção da cobertura florestal além dos requisitos legais; restauração florestal, e fomento à produção agroflorestal e sustentável de PFNMs.
O Relatório de Mercado de 2024 do IFACC, traz insights interessantes sobre as evidências deste processo. Desde o lançamento até hoje, US$ 499 milhões já foram desembolsados para apoiar a agricultura sustentável na Amazônia e no Cerrado. Deste total, 97% foram para o Cerrado, reforçando a oportunidade e o papel fundamental destes recursos na transição para a expansão da produção sustentável na região. Dada a capacidade de mobilização de recursos da agricultura de commodities em função de elevadas taxas de rentabilidade, 96% das soluções financeiras reportadas no relatório destinaram recursos para a produção de soja livre de desmatamento e conversão e culturas complementares. Esse montante tem se concentrado principalmente na produção agrícola intensificada de forma sustentável e, em segundo lugar, na expansão de culturas em áreas degradadas. Mas outras oportunidades de produção também estão sendo exploradas pelo setor. Dos 4% restantes, 1% foi destinado para a intensificação da produção de gado, também no Cerrado, e os últimos 3% para a Amazônia, dividindo-se em 2% para sistemas agroflorestais e 1% para os PFNMs. Aproveitando a rica biodiversidade do Brasil, houve ainda um aumento nos projetos ligados a bioeconomia em 2024, totalizando 8 dos 17 produtos apresentados no relatório, o que demonstra aquecimento dos desembolsos para o setor e a redução da percepção do risco associado.
O relatório mostra um cenário em evolução, mas os produtos financeiros inovadores enfrentam dificuldades para angariar capital em função do aumento do câmbio e das taxas de juros, especialmente aqueles focados em sistemas agroflorestais, pecuária e PFNMs. Por este motivo, a maioria dos 17 produtos conta estratégias de financiamento misto, combinando capital filantrópico (catalítico) ao comercial, para viabilizar condições mais atrativas em termos de taxas, garantias e prazos. Além disso, no cenário produtivo, 2024 foi um ano desafiador, com desaceleração nos desembolsos e investimentos, reflexo dos preços baixos, maiores custos de produção e da maior frequência e magnitude de eventos climáticos adversos, o que causou quebras de safra em culturas como soja, arroz e café.
Apesar dos desafios, há motivos para otimismo com o contexto brasileiro para 2025, principalmente pela COP-30, em Belém, que deve impulsionar o desenvolvimento e o lançamento de iniciativas voltadas para a redução do desmatamento e fomento à restauração, colocando estas pautas que são caras para o Brasil no centro da agenda global de negociações climáticas. Além disso, atravessamos um momento de esforços públicos importantes para o desenvolvimento de condições habilitantes para um processo orientado para o desenvolvimento econômico sustentável, com o desenho e implementação de políticas públicas modernas como o Plano de Transformação Ecológica, o recém regulamentado mercado de carbono regulado, o Tropical Forests Forever Facility - TFFF. Entre estes esforços, merecem destaque o recém renomeado Programa Caminho Verde Brasil (ex-Programa Nacional de Recuperação de Pastagens – PNCPD) e a plataforma de hedge Eco Invest, que conjuntamente endereçam incentivos financeiros publico-privados para a transição para uma agropecuária mais sustentável. Após uma primeira rodada de leilão do Eco Invest que mobilizou R$ 44,3 bi em investimentos em blended finance, o Governo Federal lançou uma segunda edição do certame, na qual espera ofertar até R$ 10 bi em recursos concessionais do Fundo Clima, que direcionarão recursos para o programa Caminho Verde Brasil alavancando capital comercial local e estrangeiro, apoiando a conversão produtiva de 1 milhão de hectares de pastagens degradadas. Estes recursos incentivados representam uma oportunidade para que recursos privados sejam direcionados a modelos de produção mais sustentáveis, ao passo que também rentáveis, conectados com a transição agrícola necessária.Na agenda privada, merecem destaque os compromissos autorregulatórios estabelecidos por empresas como traders e frigoríficos no combate ao desmatamento em suas cadeias. Ainda que globalmente estejamos acompanhando retrocessos na agenda ESG, como a flexibilização das metas de descarbonização por parte de instituições financeiras, no Brasil, bancos e empresas seguem demonstrando comprometimento em desenvolver soluções mais sustentáveis para o clima e para a produção agrícola. Assim, a tendência é que iniciativas multisetoriais se fortaleçam, fomentando coalizões e espaços para discussão e construção de parcerias entre os atores do setor para avançar nesta agenda.
Além do IFACC, diversas outras coalizões estratégicas entre setor privado, governos e sociedade civil organizada tem buscado cumprir este papel de posicionar o Brasil como provedor global das chamadas ‘soluções baseadas na natureza’, como o Capital for Climate e a Brazil Restoration & Bioeconomy Finance Coalition. O desafio de financiar atividades produtivas mais sustentáveis, que contribuam para a conservação da biodiversidade e para o combate às mudanças climáticas é gigante. Por isso, estas ações multiatores, em que diferentes elos da cadeia, organizações e fontes de capital se mobilizam para viabilizar estruturas financeiras inovadoras, são fundamentais. Só assim será possível avançar na criação de consensos e superar obstáculos para que maiores volumes de capital possam ser direcionados para soluções em escala, promovendo a tão necessária transformação da agropecuária no Brasil rumo a modelos de produção mais sustentáveis.