Quando eu era pequeno, via meu pai chegando do trabalho normalmente animado. A gente achava que ele era rico — não, assim, rico para os padrões de hoje da Faria Lima, desse pessoal das centenas de milhões de dólares; a gente nem sabia que isso existia à época, tirando o Seu Joseph, claro. O Ramiro era alguém de que poderia se dizer ter vencido na vida, principalmente depois de ter começado como feirante e vendedor de macarrão de porta em porta. Isso foi até meus nove anos — depois ele quebrou, e quebrou de novo, daí descobrimos no terceiro ciclo o que era quebrar de verdade, no destino típico dos traders alavancados. Esquecer não posso dos termos com TCOC4, nem tampouco dos reclames do PLIM4, PLIM4, cujas mazelas vieram a ser sentidas também nos bolsos do filho, que tentava replicar as atitudes do pai herói.
Na fase financeira áurea, ele vinha acompanhado, ao menos uma vez por semana, de um ou dois amigos do Safra e de três ou quatro doses de uísque. Não necessariamente nessa mesma ordem; era comum as doses chegarem na frente, em meio ao caminhar sinuoso e sem equilíbrio que compunha o cenário das conversas de tom etílico. A composição de cigarro e malte criava um odor que atravessava a fresta da porta mesmo antes de saírem do elevador. As risadas e o cheiro primeiro, os engravatados depois.
Eram todos bem-sucedidos e felizes, príncipes na vida. Ao menos essa foi a imagem que formei na minha cabeça. De longe, pareciam todos possuir um método certeiro e único para se concentrar e ganhar dinheiro. Talvez tenha sido isso que me atraiu para o mercado financeiro, ou talvez tenha sido o frango com quiabo da minha mãe que atraiu o mercado financeiro para dentro de casa. Então, formamos um dueto de árvore e trepadeira que começam separadas e cuja interação vai aumentando até o ponto que não mais conseguimos dissociar as coisas.
Com a passagem do tempo, muita pesquisa e vários cabelos perdidos, vi que, quanto mais me aproximava, menos fascinante a coisa ia ficando. Quando me percebi mergulhado nisso, não podia mais sair e tudo era agora tão banal. “Como são interessantes as pessoas que não conhecemos bem”, diria Millôr Fernandes, ao que possivelmente eu acrescentaria: como são interessantes os métodos financeiros que não conhecemos bem.
Eu queria ser diretor de banco. Seis meses na mesa de sales de derivativos do Deutsche Bank e um perfil acadêmico irretocável foram suficientes para me dar a certeza de que queria mesmo era ser professor universitário em alguma Ivy League nos EUA. O desejo durou ainda menos tempo. Do nosso daimon a gente não consegue fugir. A alma grita pedindo socorro e, se não atendida, cria rancor. A alma é vingativa e se volta contra si mesma. Melhor não se desviar da essência, daquilo que se é lá no fundo. Go back to basics.
Então estou aqui. Ainda um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco e sem parentes importantes, mas já velho o suficiente para não mais acreditar em super-heróis — nem pessoas, nem métodos, nem atalhos — e certo de que se há um método para nos concentrarmos é o de não nos concentrarmos em nada.
Tenho insistido na necessidade de o investidor diversificar seus investimentos. Obviamente, não sou só eu. Rendeu prêmio Nobel ao Harry Markowitz (“a diversificação é o último almoço grátis disponível”), foi batizada de Santo Graal por Ray Dalio, o maior gestor do mundo, e sua falta esteve constatada empiricamente como um entre os maiores erros da pessoa física nos estudos de Terry Odean. David Swensen, o mitológico alocador do endowment de Yale, é outro grande defensor da diversificação, inclusive além das barreiras mais ortodoxas.
Recentemente, fui saber como estudos internos da B3 também apontam excesso de concentração pela pessoa física.
É uma pena.
Mas o quanto de diversificação é suficiente?
Preciso confessar uma coisa: quando falo do tema, costumo emprestar o argumento de autoridade do prêmio Nobel do Markowitz e até mesmo citar a frase que voltei a repetir aí em cima, mas a verdade é que não concordo com suas considerações sobre a diversificação. Corrijo: concordo com a proposta pragmática de diversificar, mas não pelas razões apontadas por Harry Markowitz e sua Fronteira Eficiente, como se pudéssemos otimizar nossos portfólios a partir da certeira combinação de ativos negativamente correlacionados.
Entendo a diversificação sob a ótica talebiana.
Ou, exposto de forma mais simples: entendo a diversificação como a maneira de se capturar a sorte — e ela é a maior definidora do sucesso a longa prazo, mais até do que a competência, em todas as áreas em que a participação da aleatoriedade e da incerteza for grande, exatamente como é o caso das finanças.
Aqui talvez seja necessário qualificar melhor meu entendimento da captura da sorte, essa belíssima companheira. Minha defesa é pela exposição sistemática e diversificada a coisas com matriz de payoff convidativa. Em outras palavras, você faz várias e várias tentativas, com posições em coisas que podem pagar-lhe muito bem no cenário positivo e muito mal no caso negativo. Em meio a vários testes por aí, uma hora a sorte vem, acertando-lhe em cheio. E bingo!
Possivelmente você vá dizer que isso nem é sorte, mas, sim, muita competência em adotar uma estratégia sistemática para apropriar-se de retornos convexos. Eu não discordaria; vira uma discussão semântica.
O ponto é a proposta pragmática, que inclusive desemboca em prescrições diferentes para os tipos de diversificação aqui colocados. Enquanto a linha de Markowitz vai sugerir uma alocação ali entre 15 e 20 ativos, quando supostamente os ganhos de diversificação convergem assintoticamente a zero (isso se você assumir que as covariâncias são estáveis e podem ser facilmente estimadas; premissa com a qual não concordo, pois acredito que essas coisas variam no tempo, sofrem quebras estruturais e as séries financeiras mais se parecem com distribuições de variância infinitiva), a proposta talebiana vai mais no sentido de buscar o máximo possível de diversificação — isso vai aumentar dramaticamente sua chance de ser atingido pela sorte. E como estamos, por construção, num ambiente em que o resultado positivo paga muito, muito bem, basta uma única vez de sorte para definir sua vida.
Por que estou insistindo nesse ponto hoje?
Porque hoje é dia de vencimento de alguns títulos do Tesouro e pagamento de cupom sobre outros. Ou seja, se você carregava alguns desses papéis, vai pingar um dinheiro na sua conta.
Motivado por um dos mais elementares sentimentos humanos, a ganância (e note que ela não é boa, conforme Gordon Gekko tentou nos convencer, nem ruim, como a herança da América católica quer nos contar; ela é apenas da natureza do homem, aqui no sentido de espécie, não de gênero), você possivelmente será tentado a colocar essa grana num único ativo. No máximo, em dois ou três, certo de que estará acertando na mosca a próxima supermultiplicação.
Eu queria que você invertesse a lógica. A chance de você acertar, ex-ante, a próxima Magazine Luiza (SA:MGLU3) beira a zero. Claro que haverá aquela meia dúzia de pessoas que, por mera ocorrência de forças aleatórias, vão pegar a nova MGLU e serão alçados à categoria de heróis do próximo ciclo — um pernambucano acaba de acertar na Mega-Sena, não é mesmo? E até um relógio quebrado marca a hora certa duas vezes ao dia.
Mas se você diversificar por 50 ações, a probabilidade de a próxima Magalu estar lá dentro é enorme.
Faça a estatística jogar a seu favor. Os tempos já estão difíceis, imagina se for para nadar contra a corrente. Criptomoedas, moedas estrangeiras, private equity… tempere com tudo — aliás, você viu o que está acontecendo com o bitcoin? Se você diversificou conforme o proposto nas criptos, agora pode vender um pedaço e comprar outras barganhas que se criaram por aí.
Pragmaticamente, transformando todo esse blá-blá-blá em “o que fazer” com o dinheiro que vai cair na conta hoje. Minha sugestão é que você faça três coisas:
1 — Coloque 60 por cento em renda fixa. Boa parte aí vai para títulos indexados à inflação, porque são uma ferramenta muito interessante para a pessoa física: oferecem bom rendimento ao mesmo tempo em que preservam o poder de compra. Separe também um naco razoável para títulos prefixados — o Banco Central tem, de uma forma bem institucionalizada e parcimoniosa, pavimentado a via para cortes da Selic no segundo semestre. Meus favoritos são os mais longos, pra pegar uma porrada por conta da duration maior. Obviamente, separe um pouco para os pós-fixados — qualquer boa alocação preserva uma cifra em caixa para posterior aproveitamento de oportunidades. Então, compre 30 por cento em Bolsa. Desses 30 por cento, cerca de 80 por cento em BOVV11 (SA:BOVV11) ou no fundo indexado novo do BTG Pactual (SA:BPAC11) e 20 por cento em SMAL11 (SA:SMAL11). Então, deixe 10 por cento em fundos cambiais e de ouro, porque sabe lá Deus o que vai acontecer com este país.
2 — Invista no FoF SuperPrevidência da Vitreo, porque ele está com seus dias contados por restrições de capacity. Uma carteira diversificada e balanceada com os melhores gestores de previdência do Brasil. Assim você captura gigantescos benefícios tributários associados a essa categoria. Se já possui um fundo de previdência, pode fazer sua portabilidade sem perder suas vantagens fiscais.
3 — Também reserve um pedaço para aplicar no FoF Melhores Fundos, que eu entendo ser hoje a melhor carteira disponível de fundos mesmo entre os alocadores de alto patrimônio e os private bankings por aí. Cavalo selado não passa duas vezes na nossa frente.