Enquanto os mercados reagem aos índices de preços ao consumidor (IPC) de certa forma chocantes nos EUA, bem como aos balanços do 2º tri com ampla cobertura da mídia, gostaríamos de reservar um minuto para explorar os recentes comentários do Federal Reserve sobre a “inflação transitória” e o que isso realmente significa.
O conceito de “transitório”, no contexto da inflação, significa que a alta dos preços “não é persistente”, “tende a passar”, como mostra o dicionário Merriam-Webster:
A configuração das fases cíclicas da Covid-19
O colapso do mercado por conta da Covid-19 ocorreu no momento em que o mercado acionário geral nos EUA seguia em transição para uma tendência de alta mais vigorosa, com uma participação muito intensa dos consumidores na economia.
Os pedidos iniciais de seguro-desemprego em novembro e dezembro de 2019 eram de quase 221.000 por semana. O gasto real dos consumidores ficou, em média, acima de 2,80% ao longo de todo o ano de 2019. O Índice de Preços ao Consumidor (uma medida da inflação) ficou, em média, a apenas 0,18% no mesmo período. É possível dizer que os níveis de emprego estavam fortes, os consumidores gastavam relativamente bem e as preocupações inflacionárias eram modestas ou praticamente inexistentes.
Tudo isso mudou em 2020, com a notícia de que o vírus da Covid-19 havia começado a se espalhar pelo mundo. Até meados de fevereiro, estávamos começando a ver casos de Covid em diversas partes do mundo, com poucas informações sobre seu perigo ou quais tipos de riscos iríamos enfrentar.
Assim, o então presidente dos EUA, Donald Trump, e outros líderes mundiais, tentaram agir para frear a disseminação do vírus primeiro, interrompendo o fluxo de viagens internacionais e de alguns países. Em seguida, os Estados Unidos passaram a impor restrições aos negócios e outros aspectos da vida social, de forma que, repentinamente, os pedidos de seguro-desemprego saltaram para mais de 3 milhões em 26 de março de 2020. Na semana seguinte, as requisições de auxílio dispararam para mais de 6,6 milhões. Os gastos reais dos consumidores caíram de 1,8 em janeiro de 2020 para -34,6 em junho de 2020. O IPC permaneceu relativamente estável durante os cinco primeiros meses da pandemia. Isso sugere que a inflação não era uma preocupação real naquele momento.
Em abril de 2020, o governo americano e diversos outros países tinham um problema considerável para resolver. Mesmo com a disseminação do vírus, milhões de pessoas estavam desempregadas, as economias estavam fechadas e havia pouca infraestrutura para lidar com esse problema. O Federal Reserve e o Congresso americano socorreram os cidadãos com a primeira rodada de estímulos e novos decretos executivos para ajudar a evitar o dano colateral às pessoas em situação de maior risco. Mas, no momento em que esses sistemas de apoio começaram a chegar aos americanos, o país já havia perdido mais de 40 milhões de empregos e o gasto real dos consumidores havia caído para -34,6%. Do ponto de vista de um economista, esse era um problema muito grande. A perspectiva mês a mês e ano a ano era extremamente desfavorável.
E isso nos faz chegar à razão pela qual o Federal Reserve espera que a inflação seja transitória nos próximos meses – tudo tem a ver com as fases do ciclo e o que virá pela frente. O que isso não diz é que, nos próximos dozes meses ou mais, enfrentaremos uma série de altas e mínimas enquanto a fase do ciclo se reverte novamente para níveis mais normalizados. Todos devemos nos preparar para a possibilidade de oscilações fortes nos principais índices, setores, ativos e mercados globais nos próximos 12 a 24 meses. Não estamos sequer perto do fim dessa nova rotação cíclica no estágio atual.
Componentes do ciclo: amplitude e comprimento de onda
Todas as ondas sinusoidais funcionam com base em dois componentes: amplitude e comprimento de onda. Amplitude é medida pela distância entre o pico ou o vale da onda até a linha central. O comprimento é medido pela quantidade de tempo necessário para a ocorrência de dois picos ou vales consecutivos. O comprimento da onda também pode ser considerado como “tempo”.
A elevação é a medida da faixa total que vai do vale até o pico ao longo da escala de amplitude.
Estrutura de uma onda sinusoidal.
Estrutura de atenuação de uma onda sinusoidal: Causa de uma inflação transitória e outras questões
Eu gosto de explicar a estrutura de atenuação de uma onda sinusoidal usando o exemplo de um lago bem tranquilo ou pequeno corpo d’água cuja superfície é agitada quando se joga sobre ela uma pedra bastante grande. Primeiramente, a pedra impacta a superfície e desloca a água, criando um vale e a “onda de impulso” inicial. O distúrbio da dinâmica do fluido de água cria, então, um processo atenuante da onda sinusoidal de reversão aos níveis/atividade normal da água, como vemos no exemplo abaixo.
Esse exemplo também se aplica ao colapso do mercado provado pela Covid e o subsequente processo de recuperação/reversão que deve continuar acontecendo nos próximos meses e anos.
Permitam-me explicar melhor.
Quando a Covid-19 provocou distúrbios na economia global, atuou como uma grande pedra jogada sobre um pequeno lago. Ou seja, ela afetou a atividade econômica normal de forma bastante intensa. Foi então que o Federal Reserve e outros bancos centrais entraram em cena, injetando liquidez e realizando outros esforços no sentido de minimizar o dano à economia global. De certa forma, essa atividade, em verdade, aumenta a faixa de amplitude das fases subsequentes do ciclo, e não sua fase inicial de queda. Isso acontece por causa da sobrealavancagem e hiperinflação de determinados setores/ativos com políticas de dinheiro novo/fácil.
Eu acredito que a recuperação desde as mínimas de março de 2020 foi intensificada pelos contínuos esforços do Federal Reserve e bancos centrais globais de promover uma fase de recuperação muito grande (crista ascendente), indicada no gráfico abaixo como “novo pico atual na estrutura de onda sinusoidal”.
Depois de essa crista atingir o pico e começar a cair, começaremos a ver um movimento de teste de fundo em níveis econômicos bem abaixo dos considerados normais (possivelmente de 10% a 20% abaixo dos patamares históricos normalizados), gerando como resultado um evento de desalevancagem/exploração de preços para o qual muitos investidores talvez não estejam preparados. De fato, nos próximos anos, podemos ver diversas formas dessa fase de ciclo repetindo-se e afetando os mercados até que a estabilização de uma tendência de mercado mais normalizada.
Estrutura sinusoidal da Covid.
Por isso, por definição, acredito que, quando o Fed menciona o caráter transitório da inflação, esteja referindo-se às fases de atenuação do ciclo da onda sinusoidal (acima), razão pela qual muitos investidores talvez não estejam preparados para o que o banco central americano espera.
Se eu estiver certo, o Fed e os bancos centrais globais ainda podem ter bastante trabalho pela frente para enfrentar essas fases de ciclo e os riscos associados. Podemos ver os ativos atingirem picos e sofrerem muitas reavaliações ao longo dos próximos 7 anos, à medida que essas fases vão acontecendo. Se outra variante da Covid novamente recair sobre o mundo, ampliando essas fases, podemos começar um novo ciclo de atenuação de onda sinusoidal que complicará ainda mais o processo de recuperação daqui para frente.
Independente do que acontecer, essas fases de ciclo sugerem que os mercados estarão repletos de grandes tendências, diversas fases de valorização e depreciação, e o Fed e outros bancos centrais tentarão enfrentar os tempos muitos difíceis no futuro. Os investidores devem se preparar para algumas incríveis situações e tendências nos próximos 2 a cinco anos, devendo se preparar para o pico da atual crista antes do fim de 2021. Da mesma forma como a grande subida de uma montanha-russa, quando você atinge o topo, a verdadeira diversão só está começando.