Viva a evolução
De julho em diante, as companhias voltaram a se animar com a possibilidade de se tornarem empresas publicamente negociadas. Até o momento, 34 empresas entram com pedidos de análise na CVM para realizar seus respectivos IPOs (Ofertas Públicas Iniciais).
A quantidade de companhias prospectando a negociação de suas ações na bolsa de valores em apenas 2 meses é impressionante, e representaria um incremento de cerca de 10 por cento no número de empresas na B3 (SA:B3SA3) atual.
Oferta em Análise - Ações (IPO). Fonte: CVM
Ainda estamos muito longe das mais de 7 mil empresas com ações negociadas, de possuir múltiplas bolsas de valores ou de ter mais da metade da população investindo em ações, como acontece nos EUA.
Mas não podemos deixar de reconhecer os avanços que estamos observando no mercado de capitais brasileiro recentemente.
Além das diversas empresas buscando abrir seu capital, já somos mais de 3 milhões de investidores, e a possibilidade de a B3 ter uma concorrente no futuro próximo é cada vez maior.
Talvez o grande empecilho para o crescimento do nosso mercado de capitais eram os juros altos, acima de dois dígitos, que deixaram os investidores brasileiros acomodados (e estou falando tanto de pessoas físicas quanto de gestores profissionais), mas a realidade agora é outra e, pelo que tudo indica, veio para ficar.
Mesmo com a crise causada pela COVID e o Ibovespa caindo pela metade em um curtíssimo espaço de tempo, mais de 1 milhão de brasileiros entraram na Bolsa de março para cá.
IBOV. Fonte: Bloomberg.
Nossa Bolsa ainda não voltou ao patamar de 120 pontos alcançados no pré-crise, mas já subiu 55 por cento desde a mínima em março e sobe 135 por cento de 2016 em diante.
O bom momento da Bolsa também deixou as empresas mais animadas com a abertura de seu capital, e quanto mais opções de empresas tivermos à nossa disposição melhor.
O buraco agora é mais embaixo
Durante o IPO, as empresas fazem a transição para se tornarem empresas com ações negociadas publicamente. Ao contrário do que acontece quando empresas já listadas fazem uma nova oferta de ações (Follow-On), não existe um preço de mercado para ancorar a precificação de uma estreante na bolsa. Dessa forma, os IPOs precisam ser precificados por bancos de investimentos de acordo com suas percepções de oferta e demanda pela ação.
Muitos investidores acreditam que podem aproveitar a incerteza do processo e os vieses da precificação feita pelos banqueiros para tentar ganhar dinheiro rápido com IPOs, entrando nas ofertas e vendendo suas ações logo nos primeiros dias de negociação pública. Eles são conhecidos como flippers e eram figurinhas carimbadas nos portais de notícias sobre investimentos nas últimas grandes ondas de IPOs brasileiras.
Entretanto, com a chegada do lock-up, também aos investidores de varejo (o mecanismo contratual que impede a negociação do ativo por quem participou de um IPO, por um período pré-determinado, já era prática comum aplicada aos investidores institucionais que participam das ofertas) essa estratégia deixou de fazer sentido, uma vez que tais especuladores não tinham interesse em correr os riscos de estarem posicionados nas ações por mais tempo.
Assim sendo, a participação (ou não) nos IPOs voltou a ocorrer da maneira que deveria, motivada pelo real interesse em capturar algum potencial de valorização em função da discrepância entre preço e valor das empresas ofertantes.
Não é possível fornecer uma recomendação genérica sobre o investimento em IPOs, uma vez que cada caso é um caso e para cada empresa precisamos avaliar a rentabilidade, potencial de crescimento, preço e riscos daquele negócio. Mas ao entender como funciona o processo de IPO na perspectiva de uma empresa, nossa capacidade de análise é elevada.
O processo de um IPO
Quando uma companhia se torna publicamente negociada, o principal benefício é o aumento do acesso ao mercado de capitais e ao capital para financiar seus projetos. Esse acesso ao novo capital é especialmente importante para empresas com grandes e lucrativas oportunidades de investimentos.
Um benefício secundário, mas que em alguns casos pode ser a principal motivação do IPO, é a possibilidade de os sócios da empresa colocarem algum dinheiro no bolso ou ao menos atribuírem um valor de mercado a suas ações.
Esses benefícios precisam ser comparados com os custos de ser uma companhia negociada em Bolsa. Os principais deles são a perda de parte do controle da empresa e aqueles relacionados à abertura de informações e outros requerimentos legais.
Uma vez que a decisão de se tornar pública foi tomada, existe uma série de passos que precisam ser dados. O primeiro deles é contratar a expertise de um banco de investimentos para assessorar e intermediar a transação.
O banco de investimento vai ajudar a companhia a elaborar todos os documentos e a preencher os requerimentos necessários para o registro da oferta junto à CVM. O principal deles é o Prospecto, no qual a companhia provê ao mercado informações sobre seus resultados passados nos últimos 3 anos, seus planos para o futuro, sua intenção de utilização dos recursos levantados na oferta, os principais riscos envolvidos em sua operação, dentre outras informações relevantes para o investidor.
O banco de investimentos também cumpre a função de fornecer credibilidade aos negócios, que muitas vezes podem ser pequenos e desconhecidos (para os padrões da Bolsa), assim como auxilia a companhia em seu valuation e na precificação da oferta.
Em alguns casos, os bancos ainda podem assumir parte do risco da oferta, ao garantir a compra das ações que não foram absorvidas pelos investidores no mercado.
Por fim, o principal banco de investimento contratado ainda é responsável por coordenar o sindicato de instituições (bancos e corretoras) que ajudará na venda das ações da companhia aos seus potenciais clientes.
Assim sendo, a escolha de um banco de investimentos com elevada expertise e credibilidade no mercado é fundamental. Uma vez escolhido o banco de investimentos que levará a companhia ao público, o próximo passo é estimar o valor da empresa.
A estimativa de valor é feita a partir de informações providas pela companhia. Geralmente, é obtida com a utilização de um fluxo de caixa descontado e ancorada nos múltiplos de mercado de empresas comparáveis.
A falta de informações históricas substanciais em conjunto com o fato de que as companhias ofertantes geralmente possuem grandes projeções de crescimento após a oferta elevam bastante o grau de incerteza no processo de avaliação de valor do negócio.
Outra decisão que precisa ser tomada pela empresa é relativa ao tamanho da oferta e utilização dos recursos. Na maioria dos casos, apenas uma porção das ações da companhia é oferecida, para que os acionistas possam reduzir o risco no caso de uma subavaliação e para que possam “testar” o mercado antes de tentar vender mais Ações.
O último passo é a definição de uma faixa indicativa do preço por ação que a companhia pretende alcançar na oferta. Normalmente, os bancos de investimento vão definir uma faixa de preços abaixo do valor estimado para a empresa para reduzir os riscos de insucesso na colocação junto ao mercado, permitindo que exista um potencial de valorização das ações após a abertura de capital.
Os bancos checam a demanda pela oferta para definir o preço final desta. Esse processo é conhecido como bookbuilding, no qual o interesse pela empresa é medido de acordo com a intenção de compra apresentada por investidores institucionais.
Nesse estágio, os bancos de investimento e a empresa ofertante fazem uma série de apresentações para potenciais investidores, por meio do que chamamos de road show. Se a demanda pela ação for muito alta, o preço da oferta pode ser aumentado. Em contraste, se a demanda for baixa, o preço pode ser reduzido ou a companhia pode até desistir do processo de abertura de capital.
Por fim, definido o preço final da oferta, caso a demanda supere a quantidade de Ações oferecidas, os bancos ainda precisam fazer o rateio da alocação dentre os investidores.
Este é apenas um breve resumo do processo e, como comentado anteriormente, cada caso de IPO precisa ser avaliado individualmente. Além de analisar a qualidade e os riscos de cada negócio, é preciso ficar bastante atento às informações nas entrelinhas.
Recentemente, temos acompanhado uma série de ofertas, da qual grande parte dos recursos acaba indo para o bolso dos sócios em vez de financiar novos investimentos, diferentemente do que parece ser anunciado em um primeiro momento.
Grande parte dos IPOs também acaba saindo com preços (múltiplos) muito elevados, quando são levados em conta os não recorrentes incluídos nos últimos resultados das empresas.
Na Nord, acompanhamos de perto a nova leva de Ações com potencial de se tornarem publicamente negociadas e, em diversos casos, compartilhamos nossa opinião sobre as ofertas.
Além disso, alguns de nossos produtos podem recomendar aos assinantes a participação nas melhores oportunidades de investimentos que chegam ao mercado via IPO.
Não invista em um IPO sem realizar um extenso trabalho de pesquisa ou buscar o auxílio de um profissional. O histórico de sucesso das empresas que chegam ao mercado em um momento de grande euforia não é dos melhores.
Um abraço.